Chico Chen, o chinês que não fala mandarim
O Cova da Piedade, hoje na 1.ª Divisão distrital da AF Setúbal, competiu na Liga 2 entre 2015 e 2021 e notabilizou-se pela influência chinesa, a começar pelo proprietário da SAD, Kuong Chong Long, e os jogadores naturais do país que figuravam no plantel. Um deles protagoniza uma história especial: Jiayu Chen. É português e, para todos, Chico... e conta a sua peculiar história a A BOLA.
— O nome que consta no Bilhete de Identidade é Jiayu Chen, mas sempre foi Chico. Hoje, com 32 anos e a dar os primeiros passos como treina todos o conhecem por Chico. Qual é a história por detrás do nome?
— Toda a gente me trata por Chico, mas no documento está Jiayu Chen porque na altura em que nasci os meus pais não tinham nenhum documento português, pelo que não podiam registar o nome Francisco para o que seria Francisco Jiayu Chen. Mas acabei por ser mesmo Chico devido a ter crescido em Portugal. Os meus amigos sempre me trataram por Chico.
Os meus pais não puderam registar-me como Francisco, mas acabei mesmo... Chico
— Quando jogava no Cova da Piedade sentia-se diferente relativamente aos outros jogadores chineses da equipa?
— Não posso dizer que me sentia diferente em questões de trabalho, pois obviamente que o clube tinha um investidor que era chinês e tenho a aparência de chinês, apesar de ter nascido e crescido em Portugal. No entanto, sentia que isso era como um fardo, porque muitas vezes o critério de escolha ou até para as pessoas fora das quatro linhas que não me conheciam empurrava-me muito para esse grupo de jogadores que estavam no clube devido ao investidor.
Nasci em Portugal, mas no Cova da Piedade empurravam-me para o grupo dos chineses
— Subiu a pulso no Cova da Piedade depois de um percurso em clubes de escalões secundários, casos de Pescadores da Costa da Caparica ou Loures, começando pelos sub-23, na Liga Revelação. Como caracteriza esse período?
— Muito bom, aprendi bastante. Recordo-me de ter encontrado vários jogadores que hoje estão na Liga, um deles o Ricardo Mangas, que está agora no Sporting e na altura representava o Desportivo das Aves. Lembro-me que tive um duelo direto com ele, porque ele é lateral-esquerdo e embora eu também o seja nesse dia joguei adaptado a extremo-direito. Foi curioso. Não imaginava que ele pudesse chegar onde chegou e fico muito satisfeito por ter tido essa oportunidade.
— Acabou por realizar 21 jogos pela equipa principal. Uma boa experiência, certamente?
— Uma excelente memória que guardo para o resto da minha vida. Tive o privilégio de defrontar jogadores de topo e posso considerar que foi uma partida onde realmente me senti jogador. Na minha opinião, mostrei que não estava a jogar simplesmente porque era jogador do investidor mas sim porque merecia e acho que acabei por deixar uma boa imagem.
— Na época seguinte, rumou à China para jogar na Superliga, certo?
— Sim, mas não foi um período fácil. Muita gente não sabe, mas eu não falo a língua! Não falo mandarim, por ter nascido em Portugal. Quando cheguei ao aeroporto apresentando o passaporte chinês, nervoso e com algum receio, pois estávamos na era pós-Covid e o controlo de fronteiras era muito grande, disse, em inglês, que não sabia falar mandarim. Eles olharam para mim com cara muito chateada, do tipo: ‘este gajo chega aqui assim, deve estar a gozar com a minha cara’. Percebi que a situação ia descambar e então tive de ligar para cá.
— Conte lá o resto da história…
— Não me lembro bem de que horas eram lá, mas lembro-me que eram quatro da manhã aqui e liguei para a minha mãe, para traduzir o que eu estava a dizer… No clube a reação foi a mesma, muita estranheza. Se calhar, até pensaram que eu estaria a gozar ou a fingir, mas não, simplesmente não sabia mandarim, apesar de os meus pais saberem. É uma família do sul, de Guangzhou, onde se fala maioritariamente cantonês, um dialeto chinês. Aprendi algumas palavras em cantonês, mas a língua lá em casa sempre foi o português.
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