Carlos Barroca: «Não irei contra a lei, mas uma Liga pode decidir o número de estrangeiros»
— Saltando agora para o topo, estávamos a falar muito da base e da formação para a fazer crescer, porque não há nada como ter uma pirâmide construída para que exista excelência no topo. Já esteve do lado, de um clube que também revolucionou um bocado a modalidade, a Portugal Telecom. O que havia estava algo estagnado e fez com que os outros crescessem mais e aparecessem. Como é que vê a quantidade de estrangeiros que é permitido jogar em Portugal, em que se pode ter um cinco inicial, até mais, com estrangeiros, mas, ao mesmo tempo, passou a haver uma grande aposta, de pelo menos três clubes, nas competições europeias que sem esses estrangeiros… Estão a tentar crescer, o que não é fácil porque é muito duro nas competições europeias e a competitividade é bastante elevada numa modalidade que não é barata porque se joga em todo o mundo. Por um lado, precisam deles para se implantarem lá fora, mas ao mesmo tempo os outros clubes portugueses também precisam deles para competir depois contra essas equipas mais fortes. Como é que vê isso, até porque também foi treinador?
— Tenho um privilégio na minha vida de ter vestido a camisola da Seleção, e é a segunda vez que falo sobre isto. Quando vestimos a camisola da Seleção percebemos que é uma coisa importante na nossa vida. Ninguém a veste porque é amigo de alguém. Veste-se porque se tem qualidade para o fazer. E quando se está dentro do campo — e eu era um puto muito malandro, hoje não sou, já sou mais bem comportado — lembro-me perfeitamente da primeira vez que ouvi tocar o Hino Nacional, que foi no Pavilhão da Luz, num jogo contra a Inglaterra, e estava no 5 inicial. Nessa altura o 5 inicial perfilava no meio ou ao lado dos árbitros, uma equipa de cada lado, e tocava o hino. E eu, que estava sempre na palhaçada, na brincadeira, bem-disposto, não sabia onde é que havia de meter as mãos.
Dificilmente um presidente da federação poderá ir contra as leis do mercado. Mas uma liga de clubes pode ter as suas próprias regras.
De repente aquilo pesa e a camisola pesa. É uma honra que nunca posso esquecer, nem nunca ninguém me vai tirar. O crescimento do aparecimento de jogadores nas nossas seleções, lembro-me do Mike Plowden, que é uma grande referência do nosso basquetebol, outros menos, mas também passaram lá, o Lee Stringfellow, não sei se o Ruben Cotton chegou a jogar na Seleção Nacional, o Steve Rocha, assim, era uma presença discreta, porque na altura era só um que podia participar.
— Eram todos postes, tirando o Cotton…
— Atualmente, aquilo que acontece em Portugal, não é só em Portugal. Acontece em Espanha, acontece em todo o lado, as leis da Europa são claras. Dificilmente um presidente da federação poderá ir contra as leis do mercado. Mas uma liga de clubes pode ter as suas próprias regras. E as regras podem impostas ou são criadas. Dou um exemplo. A B.League, do Japão, pode contratar quatro jogadores, e um de determinados países da Ásia.
O êxito da nossa Seleção depende de termos mais jogadores portugueses a jogar, tendo que haver, e daí eu passar um bocadinho, não é responsabilidade, mas a importância que a nossa liga profissional tem que ter
—Como acontece connosco.
— No entanto, só podem estar dois estrangeiros em campo e o jogador asiático. O que significa que mesmo tendo quatro estrangeiros, só dois é que podem estar em campo. E o que é que isto quer dizer? Que há mais espaço para os japoneses. E havendo mais espaço para os basquetebolistas japoneses, eles progridem. Estão a jogar a Asia Cup, neste momento, o qualifying para o Mundial e já ganharam dois jogos. Porquê? Porque têm os jogadores que estão a jogar e esses vão render mais. Portanto, o êxito da nossa Seleção depende de termos mais jogadores portugueses a jogar, tendo que haver, e daí eu passar um bocadinho, não é responsabilidade, mas a importância que a nossa liga profissional tem que ter, porque se houver uma união na nossa liga, eles podem ter até seis estrangeiros. O que a lei permite, e eu não vou contra a lei, mas podem ter uma negociação interna.
Há muitos, muitos anos, que os dirigentes angolanos, inteligentemente, tendo em conta que têm menos equipas, decidiram, em vez de jogar 40 minutos, vamos fazer períodos como a NBA e em cada partida os jogadores jogam mais 20 por cento. Brilhante!
— Um acordo?
— Um acordo interno em que determinam que vão jogar com essas regras. Recordo-me, por exemplo, que Angola, historicamente, nunca tem mais do que nove, dez equipas no campeonato. Não sei se atualmente tem mais ou não, mas há muitos, muitos anos, que os dirigentes angolanos, inteligentemente, tendo em conta que têm menos equipas, decidiram, em vez de jogar 40 minutos, vamos fazer períodos como a NBA e em cada partida os jogadores jogam mais 20 por cento. Brilhante! E ninguém da FIBA África impediu a federação de fazer essa medida que beneficiou os jogadores que jogavam contra as mesmas equipas repetidamente, mas como actuavam mais minutos, permitia que mais gente do banco jogasse e que toda a gente ganhasse mais minutos. Não estou aqui a lançar nenhuma ideia ilegal de fazer absolutamente nada. Estou a dizer que é possível arranjar formas em que o espetáculo continue.
Há bocado falava da Portugal Telecom. Na Portugal Telecom chegámos a ter, no último ano, dois estrangeiros que foram contratados basicamente para a competição na Europa, mas a ideia é que quando acabasse a competição na Europa, que ficassem os jogadores portugueses, o Carlos Andrade, o João Santos, o Diogo Carreira, e por aí fora, a terem mais tempo de jogo. A intenção era proporcionar-lhes, digamos, um elevador, para irem por aí acima. Hoje olho para um jogo em Espanha e vejo a mesma coisa, olho para um jogo em França e vejo a mesma coisa. Essa é uma realidade atual em que as regras permitem isso mesmo.
O que falta aqui é a capacidade das pessoas se juntarem com uma agenda comum, falarem sobre os problemas reais do basquetebol e arranjarem soluções reais para os problemas. Não é discutir o sexo dos anjos
Aliás, se olharmos para as várias divisões do basquetebol nacional, desde a liga mais alta à segunda ou à terceira, há estrangeiros em todo esse espaço. Lá está, são regras, regras que não devem ser ultrapassadas, mas que as pessoas devem ter a capacidade de se juntar e, sem corromper a regra, sem ir contra a regra, sem fazer nada ilegal, decidirem o que é que é melhor para o basquetebol. O que falta aqui é a capacidade das pessoas se juntarem com uma agenda comum, falarem sobre os problemas reais do basquetebol e arranjarem soluções reais para os problemas. Não é discutir o sexo dos anjos, nem é tomar decisões que não estão sustentadas naquilo que é a realidade, ou regional ou nacional, seja no desenvolvimento da modalidade numa região, seja na prática competitiva ou mais alto nível. Isto, no fundo, vai ter sempre o mesmo ponto. Valorizar o produto, e se o produto está valorizado, todos têm de beneficiar com isso. Mais patrocinadores locais, mais transmissões, mais valorização financeira para os praticantes, para os treinadores. Isto tem a ver com diálogo, com juntar pessoas.
— Uma curiosidade, como é que, sobretudo no campeonato masculino, que penso que é mais competitivo do que o feminino em termos das hipóteses de mais fracos ganharem e criarem problemas - não quer dizer que depois tenham hipóteses de serem campeões, porque o play-off é muito exigente e uma coisa é ganhar um jogo, outra é ganhar uma série -, mas como é que veria a final em Portugal já ser disputada a sete jogos?
— Vamos perguntar aos clubes.
Não me revejo como um presidente presidencialista, vejo-me como um presidente aglutinador de vontades, de sabores, de saberes e de pessoas.
— Mas como é que veria uma pessoa que é do espetáculo e que gosta e houve finais disputadas à negra…
— É apenas uma pergunta. É uma pergunta tão simples de responder quanto a outra das associações, quanto a outra das assimetrias. Todas as questões têm que ser resolvidas pelo coletivo e não pelo individual. Mesmo que ache que o play-off pode ser disputado a três, cinco ou a sete, isto não tem a ver comigo. Não quero ser um presidente que decide as coisas. Quero ter um presidente que decide com as pessoas que estão envolvidas nas coisas. Essa questão é uma questão que terá que passar necessariamente em primeira análise pelas equipas que estão envolvidas nessa matéria e é uma decisão que se forem as equipas a decidir, elas sabem porque é que tiveram essa decisão. É uma decisão que tem que vir de fora e não de dentro. O papel da federação é criar os estádios de decisão, os sítios em que as pessoas podem contribuir para a decisão. Não penso, nem eu individualmente, nem naquilo que é matéria que seja a federação, que isto é top-down [de cima para baixo]. Não quero ser esse top-down. Não me revejo como um presidente presidencialista, vejo-me como um presidente aglutinador de vontades, de sabores, de saberes e de pessoas. As pessoas todas têm o seu papel na modalidade porque quanto mais formos a remar para o mesmo lado, mais sentido damos à modalidade e mais valorizamos o produto.