Carlos Barroca: «Ninguém vai sair. Aqueles que querem viver no futuro vão continuar»
— Estava a falar que há grandes clubes que também fazem formação, não foi? Já vai o tempo em que eles iam buscar jogadores a outros que eram quase que especialistas de formação e depois as equipas eram todas construídas a partir daí. Referiu o peso que devem ter até na decisão dos caminhos que o basquetebol vai ter que percorrer, mas, atualmente, há uma guerra latente entre algumas associações que sentem que existem outras, mais pequenas, que só têm dois ou três clubes, que se juntam e travam muito as outras devido a terem o mesmo voto. Travam as que possuem cinco, dez vezes mais praticantes, mais clubes. Vai ser importante para o presidente que se segue conseguir gerir essa guerra que existe nos bastidores? Há associações que vão ter que aceitar que elas, com dois e três clubes, não podem existir e terão de ser reintegradas noutras? É preciso fazer um novo mapa para que exista um equilíbrio e continue a haver o mesmo número de associações, porque elas também implicam mandatos de delegados na Assembleia Geral e a Assembleia decide muita coisa e tem peso no andamento da modalidade?
— Difícil para mim, foi trabalhar em 12 países, onde estávamos a falar em 6 mil milhões de pessoas, trabalhar com governos e com seis línguas diferentes. Isso foi bastante difícil. Acho que em Portugal temos alguns problemas, porque há assimetrias, e as assimetrias não se resolvem. Adaptamo-nos às assimetrias. Existem assimetrias em zonas de pouca população, em zonas de pouca implementação do basquetebol, mas há uma coisa que é comum, e tenho esses dois lados na minha experiência profissional: há escolas em todo o lado, há crianças, professores de educação física em todo o lado, instalações desportivas, pelo menos nas escolas. As câmaras municipais, nas últimas duas décadas, têm evoluído bastante naquilo que é o apoio ao desporto. Existem exemplos fantásticos de apoios camarários para a prática de desporto federado, em que pagam as inscrições e os seguros. E quando falo dos dirigentes políticos camarários, são parceiros.
Não é one size fits all [tamanho único]. Não pode haver uma regra que é assim que se vai fazer no desporto escolar e é assim que se vai fazer no basquetebol. Não. Tem que ser uma coisa que tem muitas portas e muitas janelas, todas transparentes
Nós não treinamos basquetebol, treinamos pessoas, crianças, jovens, trabalhamos com a comunidade que vota. Não tendo o basquetebol o saber todo, que é todos têm que praticar basquetebol, mas pode o basquetebol ser vendido, apresentado, sugerido como algo que pode fazer parte do projeto educativo das escolas. E isto é feito como? Com adaptabilidade. Não é one size fits all [tamanho único]. Não pode haver uma regra que é assim que se vai fazer no desporto escolar e é assim que se vai fazer no basquetebol. Não. Tem que ser uma coisa que tem muitas portas e muitas janelas, todas transparentes, claras, que é como é que se vai a uma zona de fraca implementação do basquetebol incentivar a sua prática? Esse estado de desenvolvimento é diferente do sítio onde já há 40 ou 50 equipas.
Ninguém quer viver no passado. Quem quer viver no passado fica velho. Eu não quero ficar velho, quero ser eternamente jovem.
Portanto, antes de se pensar como vamos acabar com isto ou com aquilo, vamos juntar as pessoas que estão no mercado. Vou dar aqui um exemplo absurdo, que vale o que vale. Não posso chegar ao Ribatejo, a Santarém, e dizer ao Zé Monteiro: aqui tens é que fazer isto. Não. Tenho que ir falar com o presidente da associação, com os seus quadros técnicos, com as pessoas que estão na associação, e conversar com as sobre como mudar e como fazer parte da mudança para andar para a frente. Ninguém quer viver no passado. Quem quer viver no passado fica velho. Eu não quero ficar velho, quero ser eternamente jovem.
Não podemos impingir nada a ninguém. Pode-se é criar uma cerejeira tão importante, tão charmosa, tão apetitosa, tão transparente, tão inspiradora, que as pessoas querem ir para a cerejeira comer as cerejas.
— Então esse tentar apaziguar e equilibrar estas forças vai exigir muito de si, para que as pessoas percebam o caminho que deseja a que elas cheguem, e uns terão de ceder de um lado e outros terão de ceder de outro.
— Porque não crescem da mesma maneira. É preciso olhar. Se dissesse o número maluco, dizia assim: gostava que cada jovem praticante de basquetebol no próximo ano fizesse 60 jogos, como posso dizer, 80 jogos por ano. Mas isto só faz sentido se tomar uma decisão destas depois de estar no terreno, com as pessoas que estão no terreno, e perceber a especificidade daquele terreno. As distâncias geográficas, a quantidade de pavilhões, a quantidade de pessoas. Isto é quase alfaiate. É preciso olhar para o país, não ter medo das assimetrias e ir à procura das soluções locais enquadradas numa visão global do crescimento e da qualificação do basquetebol.
— E como vê os diretores técnicos regionais, que foi algo com que cresceu, de certeza, como treinador ao longo dos anos, e nas coisas que esteve envolvido, e hoje em dia há em part-time, a tempo inteiro. Também tem a ver com essas situações regionais?
— Diria que estamos a falar das cerejas e não da cerejeira. Gosto muito de cerejas, não me engane. Acho que aquilo que há pouco dissemos da qualificação do produto é a chave aqui. Não podemos impingir nada a ninguém. Pode-se é criar uma cerejeira tão importante, tão charmosa, tão apetitosa, tão transparente, tão inspiradora, que as pessoas querem ir para a cerejeira comer as cerejas. No outro dia o Mário Gomes dizia que era o melão de Almeirim. Estou a utilizar as cerejeiras porque o melão é só um. Quero que as cerejas sejam milhares. Muitos milhares. São cerejas para os atletas, para os treinadores, por aí fora, para toda a gente. A qualificação do produto é a chave do desenvolvimento da modalidade.
Fazer investimentos não é gastar dinheiro, é colocar a visão a par do investimento para alcançar um resultado mais à frente. E desde que as pessoas estejam envolvidas na decisão que levou àquela visão, as pessoas percebem o que é que é investimento.
Não podemos ter medo de fazer investimentos. Isto é em relação às questões financeiras. Fazer investimentos não é gastar dinheiro, é colocar a visão a par do investimento para alcançar um resultado mais à frente. E desde que as pessoas estejam envolvidas na decisão que levou àquela visão, as pessoas percebem o que é que é investimento. E desde que seja transparente e credível, as pessoas estão a aplicar o investimento da forma que ficou estabelecido entre todos. Isto consegue-se fazer. Só se consegue andar para a frente se isto não for uma guerra em que puxamos cada um para o seu lado e for uma atitude de que esta é uma visão para o basquetebol. Não é uma visão imposta. Tenho muitas ideias. Quem me conhece sabe muito bem que sou extremamente criativo. Quero continuar a ser. Ter a idade que tenho, que sou jovem, dá-me este privilégio. Continuar a aprender e sobretudo a ouvir.
E as pessoas que estão no basquetebol em vez de pensarem que vai haver uma revolução em que as pessoas vão mudar e estes vão sair. Ninguém vai sair. Aqueles que querem viver no futuro vão continuar. Pode haver ajustamentos? Pode, porque vou pedir mais contribuição de cada um. Não é o fim da linha quem está a trabalhar longe. Está a trabalhar longe mas sente que faz parte do processo e da decisão do processo. Unir as pessoas é o segredo em torno dessa tal visão. Criar o produto é a meta. Melhorar a visão que se tem do basquetebol, que já é boa, mas queremos que seja melhor, é o objetivo.
Muita gente pode amar o basquetebol, mas ninguém ama mais o basquetebol do que eu. Aprendi com a experiência de vida que tenho confiança para fazer este trabalho e fazê-lo bem feito, e aprendi também que não posso fazê-lo sozinho
Vão aparecer algumas métricas daqui a algum tempo, havemos de falar sobre isso. Gosto de pensar na visão para a década, visão para 12 anos, visão para oito, visão para quatro. Gosto de pensar para a frente, porque se não pensamos para a frente, não se estabelece objetivos. Não se estabelece objetivos, metas, não se quantifica o que é preciso para chegar lá. Ninguém percebe porque é que estamos a fazer isto ou aquilo. Quero que a federação seja uma federação que respira confiança, onde as pessoas possam falar umas com as outras, seja em que sentido for, e que façam parte da mudança e não que as pessoas sejam postas fora da mudança.
O eu existe pouco aqui. Quero ser esta pessoa que sou, que tenho uma boa relação com toda a gente, bem disposto com a vida. Muita gente pode amar o basquetebol, mas ninguém ama mais o basquetebol do que eu. Aprendi com a experiência de vida que tenho confiança para fazer este trabalho e fazê-lo bem feito, e aprendi também que não posso fazê-lo sozinho, posso fazer com as pessoas. E as pessoas, like every child, every person [como toda a criança, todas as pessoas]. Quando falo não falo dos jogadores, falo das pessoas todas, porque todas são importantes para edificar este edifício.