Após ter terminado a 'missão' de dez anos na NBA, o conhecido treinador e comentador de basquetebol anuncia, em A BOLA, que avança para liderar a Federação

Carlos Barroca: «Benfica, Sporting e FC Porto têm outro peso no desporto nacional»

Parte 3 - Após ter terminado a 'missão' de dez anos na NBA, o conhecido treinador e comentador de basquetebol anuncia, em A BOLA, que avança para liderar a FPB. Numa longa conversa, fala da inquietude que não o faz pensar em reforma, o que quer oferecer, onde pretende chegar, explica porque surgiu nas eleições do Benfica, como deseja liderar a FPB, com que tipo de colaboradores quer contar, diz o que acha sobre a continuidade dos selecionadores nacionais e as eleições face ao Comité Olímpico

Lembrou os presidentes da federação que conheceu, quase todos desde que foi fundada. Manuel Fernandes cumpre agora o terceiro mandato, por isso, nem sequer pode ser recandidato. De certa forma, se bem que fez o seu trabalho e as suas coisas, foi uma continuidade do que tinha começado Mário Saldanha. O Carlos será sempre uma continuidade do que será deixado pelo trabalho que vem da direção do Manuel Fernandes, mas está numa altura em que é preciso fazer uma revolução ou só é preciso haver uma grande renovação? Até porque se fala que há um candidato que sairá dessa direção de Manuel Fernandes. Por isso não será o único.
— Não tenho medo de assumir que sou candidato, como não tenho nenhum problema que o basquetebol tenha mais que um candidato. Isso é uma lógica. Ainda bem que vivemos em democracia, porque somos uns bafejados por esse aspecto em que há democracia, há eleições, são livres, existem regras próprias e têm que se cumprir.

Não vai haver nenhuma revolução daquilo que é correr com pessoas ou mudar tudo. Nada.

Não entro em competição com as outras pessoas, nem com aquilo que vão definir, nem acho que tenha que haver uma revolução. O que tem de haver são mudanças. Haverá um tempo em que vou revelar que tipo de mudanças são essas que acredito que se devem fazer, mas. se olharmos para o contexto desta conversa em que falei de valores, acho que é muito mais importante os valores que estão por trás do trabalho que se vai executar do que propriamente medidas: vou acabar com isto, vou fazer aquilo... Não, é dar o peso relativo às decisões que têm que ser tomadas, porque assim, os bons profissionais são sempre bem-vindos. Não vai haver nenhuma revolução daquilo que é correr com pessoas ou mudar tudo. Nada.

Até porque a estrutura do basquetebol começa no jogo, são os praticantes desportivos, esses querem que haja mais. Os treinadores que estão com eles, quero que haja mais e que estejam o mais qualificados possível nos clubes que trabalham. E há muitos clubes bons em Portugal, não vamos estar aqui a chorar por chorar e cantar um fado sobre o basquetebol português, há clubes excepcionais a trabalharem, quer em qualidade, quer em quantidade e com bons valores.

Os dirigentes que estão à frente dos clubes ou que estão à frente das associações, são pessoas que devotam a sua vida a fazer aquilo que gostam. Estes elementos, não é a federação que os vai mudar. O que a federação pode fazer por todos eles é dar visão coletiva

Os dirigentes que estão à frente dos clubes ou que estão à frente das associações, são pessoas que devotam a sua vida a fazer aquilo que gostam. Estes elementos, não é a federação que os vai mudar. O que a federação pode fazer por todos eles é dar visão coletiva, porque só coletivamente é que se consegue melhorar resultados. Mudar aquilo que for preciso mudar para chegar a esses objetivos, defini-los bem, haver uma visão que não é uma visão da federação, é uma visão das pessoas do basquetebol, para que saibamos o que é que queremos fazer daqui a quatro anos, daqui a oito, 12 ,16 anos. É apontar metas e depois trabalhar. Definir bem com todos os elementos para onde é que queremos e depois trabalhar.

As pessoas são as coisas mais importantes da vida. Das pessoas temos muitas vezes o pior e o melhor da vida. Lembro-me da minha experiência, e perdoem contar aqui essa parte enquanto diretor do desporto escolar, de que todos os meus colegas e amigos diziam: ‘Carlos, vais ser diretor do desporto escolar? Ninguém acredita nisso, já passou, ninguém...’. E depois tive quatro anos maravilhosos de inspirar as pessoas, fazer as coisas simples, criar regras simples e as pessoas perceberem a visão de como otimizar e contribuir. 

Temos que ter, de facto, mais e melhores praticantes, mas também de servir-nos de tudo o que é a tecnologia para apoiar esse desenvolvimento, ter uma parte comercial mais forte, criar um produto que seja mais valorizado, para que os pavilhões possam estar cheios

E foram quatro/cinco anos fantásticos de crescimento do desporto escolar e de crescimento de valor acrescentado às pessoas por perceberem o que é que estávamos a fazer e porquê é que o estávamos a fazer. Para as crianças, para combater a obesidade. Não é só para fazer atletas, mas para criar hábitos de vida saudáveis, para combater os diabetes, os maus hábitos, para ser uma alternativa saudável em vez de outras coisas menos positivas. O desporto serve para isso tudo. O basquetebol tem que ter essas componentes todas e as pessoas, que desconfiavam do sucesso do desporto escolar, são as mesmas que hoje, se calhar, olham e dizem: mas isto vai mudar? E vai mudar para melhor? Tem que mudar para melhor. 

Seja qual for a liderança, a modalidade tem que ser uma modalidade evolutiva, digitalizada cada vez mais. Temos que ter, de facto, mais e melhores praticantes, mas também de servir-nos de tudo o que é a tecnologia para apoiar esse desenvolvimento, ter uma parte comercial mais forte, criar um produto que seja mais valorizado, para que os pavilhões possam estar cheios, para que quem adira ao basquetebol sinta que está a aderir a uma modalidade onde pode ser o melhor que conseguir ser. Nem todos vão ser o Neemias Queta, nem todos vão ser a Ticha Penicheiro, mas tendo nós em Portugal elementos dessa natureza, referências fáceis, modelos fáceis, porque não inspirar toda esta geração, seja através de exemplos práticos, do social media, ou dos instrumentos digitais, servimo-nos desses para passar todas essas mensagens.

Falou aí dos pavilhões cheios.
— Tenho saudades.

É nisso que ia pegar. Costumo dizer que ninguém vai querer estar num sítio em que o pavilhão não está cheio, em que não se sinta alegria e não haja qualidade, claro. Mas bancadas vazias não vendem produtos…
— E não arranjam patrocinadores.

Onde há maior visibilidade, nomeadamente os três grandes clubes, Benfica, Sporting o FC Porto, e não pensar que isto é igual.  Não, não é igual. Benfica, Sporting e FC Porto têm o peso que têm no desporto nacional.

Esteve envolvido antes da Liga aparecer, era treinador, e quando a Liga apareceu, talvez dos momentos de maior fulgor que já falou em termos de estatística, de envolvimento, promoção da modalidade, das coisas que se faziam à volta do jogo pelo país fora... Sendo que agora há menos esse ambiente, já disse que sim, e esse menos ambiente é também por causa do como se vive hoje. Os miúdos têm outras coisas que os atraem que não ir ao pavilhão, e como é que, até pela experiência que teve na NBA, onde o produto é muito importante e o objetivo final ser cumprido também, o que é que é preciso fazer, porque o mundo está muito diferente daquele que viveu nesses anos. É fácil de combater? É mais fácil do que se pensa trazer esse público?

— Ok, vamos lá ver. Primeiro, é preciso haver determinação e é preciso ter visão. O que é que queremos fazer, como é que vamos fazer e o que é que há para fazer. E é bastante simples. Basta olhar que, neste momento, outras modalidades têm os pavilhões cheios. Temos de ter a ambição, não é de encher um pavilhão que tenha 500 lugares, obviamente se o pavilhão só tem 500 lugares só podem estar lá 500 pessoas, mas temos de ter a ambição de criar um produto basquetebol que o saibamos vender, localizar, rodear e servir de exemplo do que se passa nas ligas mais elevadas, onde estão os melhores jogadores, onde estão os melhores treinadores, onde há maior visibilidade, nomeadamente os três grandes clubes, Benfica, Sporting o FC Porto, e não pensar que isto é igual.  Não, não é igual. Benfica, Sporting e FC Porto têm o peso que têm no desporto nacional.

Criar uma pessoa que queira estar nesses 500 lugares e que vai ser difícil porque toda a gente também quer estar nesses 500 lugares. Teve uma equipa assim, na Portugal Telecom, com o Rasul Salahuddin. Era miúdo e se eu não chegasse, às vezes, meia hora ou mais antes, não entrava no pavilhão porque ia estar cheio.
— É verdade. Que enchia pavilhões.

E o basquetebol está a precisar disso outra vez?
— Há tantos truques pequenos, é uma questão de imaginação. Não sei se se recorda, tivemos um campeonato do Mundo júnior em 1999, se não estou em erro. Lembro-me de um pequeno truque que sugeri - eu não gosto do eu, porque parece que o eu...

Tiveram que fechar as portas na final porque já não havia mais lugares para mais gente.
— Mas, sabe como é que aquilo foi conseguido? Se se recordar, não era porta aberta. Recebia-se um convite da federação, trocável por um ou dois bilhetes, já não me lembro dos detalhes todos, e depois trocava-se esse bilhete até a lotação do pavilhão. E o que é que aconteceu? Apesar de isto ter sido, na altura, bastante problemático, foi em Oliveira do Hospital que fiz esta proposta, porque havia uma proposta na mesa que era porta aberta. E disse: ‘Não, porta aberta não’. Já nessa altura já tinha ligações à NBA, como sabe. E já tinha percebido que na NBA existem umas questões relacionadas com segurança e que não podemos passar ao lado da segurança. Não podia ter um pavilhão de 1.500 lugares, com 3.000 pessoas lá dentro. Na altura, perguntei aos responsáveis, então o que é que acontece se isto acontecer? ‘Ah, isso não vai acontecer’. Está bem, mas não podemos pôr em risco a idoneidade da federação numa coisa destas, porque se acontecer, então, e se houver acidentes e morrer alguém, como é que é a responsabilidade?

E na final, no Pavilhão Multiusos, que era como se chamava, até vidros partiram para entrar.

Acabaram por aceitar a minha proposta de dar convites que se mandou para toda a gente do desporto em Portugal. E isso criou o quê? O interesse para ir. Às vezes precisamos de pequenos truques porque se dissermos que é de borla, que a porta está aberta, não tem valor. Com o convite, fizemos de cada pessoa uma pessoa importante para receber um convite e trocar os bilhetes. Lembro-me de em Aveiro, no pavilhão de Galitos, haver um fila de 400 ou 500 metros para entrar. E assim foi.

E na final, no Pavilhão Multiusos, que era como se chamava, até vidros partiram para entrar. Recordo-me perfeitamente do João Gonçalves zangado porque partiram os vidros, mas para dizer assim: ‘É pá, partiram-se os vidros, paciência, os vidros reparam-se, mas temos o pavilhão cheio’. Tenho uma fotografia do pavilhão na final entre Espanha e Estados Unidos. É um dos pontos altos da minha vida ter participado nesse tipo de eventos.

Significa isto que temos que ser pró-activos e não reactivos. A federação, os dirigentes associativos, as pessoas que vão coordenar o que é a visão do basquetebol para os próximos quatro, 12, 16, 20 anos, têm que olhar não para o que fizemos ontem, se resultou ou não resultou - e isto é apenas o exemplo -, temos que olhar para o que resulta hoje, porque a massa social com que lidamos não é igual há de trinta anos.

É preciso perceber que não é fazendo a mesma coisa que se alcançam resultados diferentes. Temos que fazer coisas diferentes, temos que arranjar competências diferentes para elevar o nível do jogo, para que o produto seja melhor, que seja mais vendável. Basketball needs business [O basquetebol precisa de negócios]. Vamos tentar que o business perceba que o basquetebol é válido. E, neste momento, existem patrocinadores do basquetebol. Gostaríamos de ter mais, obviamente. Temos que servir os patrocinadores para que eles continuem, para que ampliem a mensagem das qualidades do basquete, para que outros possam ajudar.

Na federação há três sectores, além dos árbitros e tudo o resto, em termos de jogadores: que é o da formação, da competição profissional ou semiprofissional, e as seleções. Nestes três blocos, penso que as seleções têm dado bons resultados. Também de uma geração, eu coloco sempre a Ticha mais como uma vencedora, também por ela própria, não só pelos apoios que teve cá, e ela própria refere o José Leite e as pessoas que a apoiaram, mas foi muito ela que se construiu a si própria, e não foi o meio que a levou até onde chegou.
— E o Neemias é a mesma história.

A Ticha e a Mery [Andrade], será uma injustiça não falar da Mery.
— E o Neemias também é mérito próprio.

Foi ele que quis trabalhar lá fora, que traçou o seu caminho e para chegar à NBA. Não foi diretamente. De Portugal ainda não houve ninguém diretamente para ser profissional na NBA, ainda não temos esse luxo. Qual é que o preocupa mais aqui? São estes pequenos clubes com que o Carlos trabalhou tanto e esteve sempre envolvido com muitos. Muitas vezes praticamente só têm informação e que acabam por vir a alimentar os outros mais tarde, à medida que eles vão sendo juniores. São os de topo que competem na liga profissional, deixando agora de lado as seleções? O que é que o preocupa mais? Tendo que falar de um. não quer dizer que não tenham os dois a precisar de ajuda, mas tendo que falar de um...

Desejo que os treinadores que trabalham com os jovens sintam que trabalhar com os jovens é dar conhecimento, desenvolver as qualidades desses jovens. E que valorizar o jovem é valorizar o trabalho deles.

Every child [Todas as crianças]. Tenho uma fotografia minha de um trabalho que fiz no Vietnam com a UNICEF. Every child. Quero que as crianças todas que comecem a jogar basquetebol tenham a sensação que o basquetebol lhes proporciona a oportunidade de chegarem até ao seu máximo. Full potential!. Gosto muito desta expressão do full potential. Desejo que os treinadores que trabalham com os jovens sintam que trabalhar com os jovens é dar conhecimento, desenvolver as qualidades desses jovens. E que valorizar o jovem é valorizar o trabalho deles. Aquilo que são os clubes mais importantes, tem que haver um espaço de que esses clubes mais importantes sejam clubes que tenham, não é uma palavra a dizer, que tenham um peso enorme nas palavras a dizer sobre aquilo que deve ser a organização desse espaço, que é profissional em alguns, é semiprofissional em outros, e em outros é um bocadinho amador acima, mas que é uma realidade que existe e que move.

Tem que se criar um produto melhor do que aquele que existe, com as equipas a serem, quase que diria, co-owners [coproprietárias] desse nível de competição.

O dinheiro que é movido ao nível da nossa liga Betclic é maior do que o orçamento da federação, o que quer dizer que é dinheiro, e é muito dinheiro. E sendo muito dinheiro, a estrutura profissional de decisão desse espaço deve, não é envolver, deve estar envolvida de alguma forma com a federação, com as receitas, com tudo isso, mas deve proporcionar a esse grupo de equipas uma grande capacidade de decisão do formato, da relevância, da continuidade, da forma de competir, da forma de ajuizar.Há que dar a esse grupo o peso que tem no basquetebol nacional porque é o cartão de visita do basquete português.

As seleções acontecem erraticamente e que tenham e continuem a ter o sucesso que têm tido. Já temos uma equipa feminina que participou no campeonato mundial, já temos duas equipas, ao mesmo tempo, as de seniores, que foram ao Europeu e têm subido patamares, e já falámos há pouco de jovens e treinadores que há pelo mundo inteiro neste momento. Por isso, a preocupação tem que ser que a Seleção beneficie de elevar as competências e elas têm que ser elevadas no dia a dia. Com uma coisa muito simples, tem que se jogar mais. Tem que se jogar melhor, o  produto tem de ser melhor, tem que estar mais gente nos pavilhões… Tem que se criar um produto melhor do que aquele que existe, com as equipas a serem, quase que diria, co-owners [coproprietárias] desse nível de competição.