Após ter terminado a 'missão' de dez anos na NBA, o conhecido treinador e comentador de basquetebol anuncia, em A BOLA, que avança para liderar a Federação

Carlos Barroca: «Só me pus à disposição da candidatura de Noronha Lopes, não sou sócio do Benfica»

Parte 2 - Após ter terminado a 'missão' de dez anos na NBA, o conhecido treinador e comentador de basquetebol anuncia, em A BOLA, que avança para liderar a FPB. Numa longa conversa, fala da inquietude que não o faz pensar em reforma, o que quer oferecer, onde pretende chegar, explica porque surgiu nas eleições do Benfica, como deseja liderar a FPB, com que tipo de colaboradores quer contar, diz o que acha sobre a continuidade dos selecionadores nacionais e as eleições face ao Comité Olímpico

Este avançar de candidatura, e já referi que o rumor não era de agora, não vinha de há um ano sequer, é muito também pelas pessoas que o apoiam, que têm puxado por si, ou teve esse desejo e foi à procura dessas pessoas? É um misto das duas? Como é que aconteceu?
Acho que é um misto das duas. O basquetebol tem uma história e é uma história fantástica, não é uma história negativa. Nunca houve tanto talento, se calhar, como há hoje. Treinadores, jogadores que estão fora de Portugal, que têm êxito por esse mundo fora, quer nos Estados Unidos, quer na Europa. Não há nenhuma dúvida sobre isso. Nunca tivemos um jogador na NBA, temos o Neemias Queta. A Ticha, por mais anos que passem e mais anos que tenha deixado de jogar, continua a ser a rainha do nosso basquetebol.

O basquetebol já foi, na década de 70 particularmente, a modalidade de referência em Portugal. Era a modalidade onde todas as outras foram aprender, até o futebol.

Temos outras personalidades, como o Carlos Lisboa, que é uma personalidade do ímpar. Não há ninguém em Portugal que não associe basquetebol ao nome Carlos Lisboa. Tem hoje um dos filhos, o Rafael, que é um dos craques da nossa seleção. Ontem, a brincar, mandei-lhe uma mensagem a dizer: o miúdo teve boas referências a crescer. E é verdade, o basquete tem coisas fantásticas. Agora, como transformar isto neste momento fantástico que o basquetebol está a ter, não só em Portugal, mas no mundo inteiro — e perdoe aqui o desvio da conversa, depois faz-me retomar à questão de Portugal —, o basquetebol está num top de popularidade mundial que nunca teve. Nunca houve tanta gente, tanto mundo, e na Ásia tenho algum orgulho de dizer que contribuí, a minha equipa contribuiu - isto não é o eu, é o nós -, contribuímos para que determinados países, onde nem sequer havia história de basquetebol, neste momento os números são avassaladores. Em Portugal também é assim, sendo que há questões práticas, como o aumento do número de praticantes, que é preciso ampliar, como é lógico.

Tenho aqui que fazer um bocadinho de história, que é, o basquetebol já foi, na década de 70 particularmente, a modalidade de referência em Portugal. Era a modalidade onde todas as outras foram aprender, até o futebol.

Até mais tarde com a Liga.
— A Liga trouxe um novo impulso. A primeira liga profissional que houve em Portugal foi a de basquetebol. A primeira modalidade a usar as estatísticas como elemento de valorização e de entendimento do próprio jogo, foi o basquetebol. A primeira associação nacional de treinadores, foi o basquetebol. E, portanto, há um conjunto de personalidades a quem devo o maior respeito: Teotónio Lima, Hermínio Barreto, Jorge Adelino... Por aí fora. Devo estar a esquecer-me de alguém.

Precisamos de pôr os olhos em frente e perceber onde é que queremos estar, como é que vamos lá chegar, que recursos são precisos e o que queremos de facto.

- Curado...
— José Curado, sim. São pessoas que nessa fase eram autênticos líderes, dentro e fora do campo, para que a nossa modalidade fosse a modalidade de referência onde todos iam beber. Alguma coisa se passou, ainda bem que as outras modalidades todas evoluíram. Acho que nós, em alguns aspectos, ficámos um pouco brandos em relação a isso e deixámos de renovar e atualizar como devíamos. Isto não é uma crítica, é um estado. Agora, gostava que o basquetebol, tendo em conta a popularidade e o talento que há em Portugal neste momento, voltasse a ter uma posição ainda mais destacada. Sem crítica ao momento atual, mas ainda mais destacada, valorizada, e que houvesse um sentido comum de o que é que acontece no basquete para chegarmos mais longe, para qualificarmos melhor os nossos recursos. Sejam os jovens praticantes, a comunidade dos pais que estão à volta, treinadores, árbitros ou dirigentes, precisamos de pôr os olhos em frente e perceber onde é que queremos estar, como é que vamos lá chegar, que recursos são precisos e o que queremos de facto.

Seria muito egoísta se voltasse para o meu país e, com todas estas aprendizagens que fiz, e não tentasse, pelo menos, pôr ao serviço do meu país, chama-se cidadania, aquilo que aprendi.

Na NBA fazíamos planos a 10 anos. Eu cumpri com o plano de 10 anos. E ele era criar clientes para o basquetebol na Ásia. Ficaram 50 milhões lançados, mais as cerca de 200 mil escolas e 250 mil professores. Esse trabalho foi feito e já está a produzir resultados.
Seria muito egoísta se voltasse para o meu país e, com todas estas aprendizagens que fiz, e não tentasse, pelo menos, pôr ao serviço do meu país, chama-se cidadania, aquilo que aprendi. É esse o meu objetivo.

A NBA tem um aspecto, que acho notável, que é a transparência total dos números. E é isso que ambiciono, que o nosso basquetebol seja também transparente

Na NBA, e convivemos em muitas coisas na NBA, fica-se muito com a ideia, ao contrário do que as pessoas pensam, que o dinheiro é um objetivo, mas quando chegam a esse objetivo, houve muita coisa que não foi preciso muito dinheiro. Houve muito planeamento, estudos, aplicação, e lá está, ir buscar as pessoas. Claro que depois para irem buscar as pessoas, às vezes as mais competentes, também precisam de dinheiro, mas há muita coisa que envolve o dia-a-dia do jogo, da organização, que não implica dinheiro. E aqui não há muito essa escola, não é?
— É exatamente isso. A questão da integridade, da transparência, das palavras-chave do trabalho em equipa, do fair play dentro e fora do campo, da transparência total. Por exemplo, a NBA tem um aspecto, que acho notável, que é a transparência total dos números. E é isso que ambiciono, que o nosso basquetebol seja também transparente, para que todos os elementos percebam o porquê do que se está a fazer, qual é o objetivo, que haja regras para cumprir, que haja regras para todos, mas que essas regras emanem não, mais uma vez, top-down, mas bottom-up, de baixo para cima.

Não sei se esta frase vai resultar ou não em português, mas em inglês, serviu-me para muita coisa durante os meus 10 anos de trabalho com a NBA: Basketball, short or tall, is a game for all. [Basquetebol, pequeno ou alto, é um jogo para todos]. Diria basquetebol para todos. Para os homens, as mulheres, para quem já não é jogador e quer voltar a jogar a brincar com os amigos mais velhos, para aqueles que vivem numa cadeira de rodas, para os que não querem jogar, mas desejam ter uma atividade fora do contexto normal, para os miúdos que estão na escola, que são mais fáceis de seduzir, porque o basquete é um desporto fascinante. Não há ninguém que agarrando uma bola e lançando-a ao cesto não fique fascinado. Ou porque meteu a bola e quer voltar a fazê-lo, ou porque falhou e desafia-se para conseguir meter a bola no cesto.

E isto não põe de fora ninguém que lá está. Porque todos temos essa capacidade de nos reciclar, assim queiramos. Todos somos capazes de nos adaptar.

Portanto, aquilo que temos que fazer é criar esse edifício todo, o edifício do divertimento e do engagement [compromisso] em idades baixas, mas depois toda a progressão para aqueles que querem só isso, para os que querem mais, para os que pretendem chegar às seleções nacionais. Criar qualidade e pessoas qualificadas para cada fase distinta daquilo que acontece no nosso basquetebol. Não apenas para o serviço dos jogadores, mas para o da arbitragem, dirigentes, porque com mais dirigentes qualificados, o nosso basquetebol vai ser melhor.

E isto não põe de fora ninguém que lá está. Porque todos temos essa capacidade de nos reciclar, assim queiramos. Todos somos capazes de nos adaptar. Essa é a natureza humana.

Se em 1755 Portugal teve um terremoto em Lisboa, que arrasou completamente a cidade, e nessa altura o Marquês de Pombal teve a capacidade de criar, pela primeira vez na história da humanidade, um inquérito às pessoas que sobreviveram para fazer perguntas, portanto, informação. Em 1755 nós, portugueses, somos brilhantes. Vamos então ser brilhantes na nossa modalidade, vamos utilizar o saber daqueles que já estão dentro da modalidade, acrescentar qualificação e dar mais força a cada um.

Isto é tão fácil. A história dos cinco dedos. Se eu encostar-me a si com força, com o dedo, possivelmente vou partir o dedo e não o consigo mexer. Mas o basquetebol tem cinco ao mesmo tempo dentro do campo, e se cinco se juntarem e fizerem força, consigo empurra-lo. Parece uma imagem bélica, mas é apenas para dar um exemplo. Sozinhos não vamos a lado nenhum, ou conseguimos muito pouco, mas se estivermos a trabalhar juntos, o resultado vai ser melhor.

Pus-me à disposição, não sou sócio do Benfica. Aliás, não sou sócio de clube nenhum. Sou sócio de projetos de inovação. Portanto, ser ou não consultor para um projeto desses não iria depender desta nossa posição.

Surgiu como apoiante da candidatura de Noronha Lopes à presidência do Benfica. Creio que era para o projeto europeu e a formação nas escolas do Benfica. Se Noronha Lopes tivesse ganho, estaria agora nesta candidatura a presidente da federação?
— Estava perfeitamente claro desde o início que este era o projeto. Eu, enquanto cidadão, qualquer clube que me procure, aqueles a que estou mais ligado: Atlético, Algés, Queluz, ao longo do tempo tenho feito tudo para ajudar os clubes. A ideia de ajudar um clube com a dimensão do Benfica - até porque isso é uma conversa que já vem de há mais tempo, que tem a ver com um sonho que possuo, de conseguir trazer uma equipa da NBA a Portugal – e surge esse encontro de ideias. Misturado até com outras ligações que possuo no estrangeiro, porque hoje em dia, como deve calcular, tenho muitas ligações no estrangeiro, e surgiu de uma conversa do Benfica querer.

Pus-me à disposição, não sou sócio do Benfica. Aliás, não sou sócio de clube nenhum. Sou sócio de projetos de inovação. Portanto, ser ou não consultor para um projeto desses não iria depender desta nossa posição. Esta posição de concorrer à Federação Portuguesa de Basquetebol era uma decisão que estava tomada. Há bocado perguntava-me se era uma coisa que nasceu de mim, se era uma coisa que nasceu de outros. Nasceu de mim inicialmente, mas depois há uma série de pessoas que se juntaram e que foram dando, digamos, mais peso a isto. Com alguma paciência, porque ainda estava na Ásia a trabalhar e fazíamos chamadas e conversávamos sobre o tema.

 A minha vida é muito ocupada. Mas é muito ocupada nesta coisa que se chama basquetebol, que é a minha vida.

Ultimamente, porque tenho a minha vida ocupada, não sei estar parado, tenho outras atividades, relacionadas com o basquetebol: NBA Basketball School em Portugal, NBA Basketball School na Austrália, aulas na Universidade Europeia, um livro que está a ser publicado nas Filipinas, para crianças, em Janeiro vou voltar no Japão a acompanhar o All-Star Game e fazer ações de formação com miúdos e treinadores. Sou um bicho inquieto e estou sempre a fazer coisas.

Recentemente estive em Abu Dhabi com jogos da NBA e com a NBA Basketball School. Inaugurei na Geórgia uma NBA Basketball School, que é um projeto que me diz muito porque criei-o quando entrei na NBA, a 9 de Abril de 2016, em Mumbai. A minha vida é muito ocupada. Mas é muito ocupada nesta coisa que se chama basquetebol, que é a minha vida.

Já durante esse período, estamos a falar de 2022 para a frente, esta ideia estava cá pronta. E em relação à minha colaboração ou não com esse projeto, se tivessem ganho as eleições, como não sou sócio do Benfica, não estava a apoiar uma candidatura de uma pessoa, mas um projeto que acho que era fantástico para o basquetebol português. Como apoiei o Queluz quando precisou de cadeiras para o espaço ao ar livre, arranjei forma de conseguir o dinheiro para as cadeiras, o Atlético, vamos fazer uma homenagem ao Guimarães e estou à frente disso; ou o Algés, que precisa para apresentar o livro do Jorge Adelino, ou qualquer coisa que precise estou pronto. Chama-se isto disponibilidade.

Porque apoiei um projeto que seria grande para o desporto nacional e grande para o basquete e para Portugal. Seria cobarde se não dissesse que apoio um projeto desses.

E nem vê o Benfica, uma vez que não foi a lista onde estava a ajudar nesse projeto que venceu, a não o apoiar ou ir para o outro lado da trincheira?
Não vejo isso por uma razão muito simples. Porque apoiei um projeto que seria grande para o desporto nacional e grande para o basquete e para Portugal. Seria cobarde se não dissesse que apoio um projeto desses. Como qualquer outro projeto que haja estou de acordo. Sou daqueles treinadores que no tempo em que éramos treinadores, queria que as equipas portuguesas participassem em competições europeias, contrariamente a outros, porque isto de jogar à quarta-feira e ao sábado é muito complicado.

Porque apoiei um projeto que seria grande para o desporto nacional e grande para o basquete e para Portugal. Seria cobarde se não dissesse que apoio um projeto desses.

Agora é ao contrário: à quarta, terça, segunda, vamos é fazer jogos europeus, porque só vamos evoluir se passarmos por isso. Não é por acaso que hoje temos mais treinadores competentes, mais jogadores e dirigentes competentes, porque quando jogamos com quem é melhor, vamos evoluindo. Os resultados das seleções nacionais são o produto disso mesmo. Nunca é uma gota de água do que aconteceu ontem. São os milhões de gotas de água que aconteceram há 20 anos, há 10 anos, que é o caminho que se vai percorrendo. Não estou absolutamente nada incomodado com isso. Aquilo que faço, faço de boa fé e publicamente.

Acho que sou do tempo em que grandes projetos que aconteceram no basquetebol nacional, fiz parte deles. O Troféu RTP, o primeiro que aconteceu em Valença do Minho, fui eu e o António Carlos que organizámos. Outros troféus dessa natureza fomos nós. Torneios internacionais, Mundialito de basquetebol de praia. Porque apoiei um projeto que seria grande para o desporto nacional e grande para o basquete e para Portugal. Seria cobarde se não dissesse que apoio um projeto desses. Bons projetos é tudo o que precisamos.