Após ter terminado a 'missão' de dez anos na NBA, o conhecido treinador e comentador de basquetebol anuncia, em A BOLA, que avança para liderar a Federação

Carlos Barroca: «Vou candidatar-me à presidência da federação»

Parte 1 - Após ter terminado a 'missão' de dez anos na NBA, o conhecido treinador e comentador de basquetebol anuncia, em A BOLA, que avança para liderar a FPB. Numa longa conversa, fala da inquietude que não o faz pensar em reforma, o que quer oferecer, onde pretende chegar, explica porque surgiu nas eleições do Benfica, como deseja liderar a FPB, com que tipo de colaboradores quer contar, diz o que acha sobre a continuidade dos selecionadores nacionais e as eleições face ao Comité Olímpico

Natural de Riachos, em Torres Novas, onde nasceu há 66 anos, começou a jogar basquetebol aos 5, em Lourenço Marques, Moçambique. Continuou a fazê-lo quando regressou a Portugal. Desde então foi internacional júnior, jogou nos seniores, foi treinador, licenciou-se em Educação Física, foi selecionador nacional de escalões de formação, empreendedor grande no basquetebol, fazendo eventos e trazendo a Portugal equipas, curiosidades e estrelas, criando uma pedrada no charco naquilo que se fazia no país, muito cinzento ainda na modalidade. Foi dirigente, consultor desportivo, apresentador, comentador de televisão, diretor do desporto escolar, professor universitário e trabalhou nos últimos dez anos na NBA, de onde se reformou há cerca de ano e meio.

Reforma, não acredito seja muito uma palavra na sua vida, porque daquilo que conheci, conheço há muitos anos - e a conversa vai ser um bocado entre duas pessoas que se conhecem há bastantes anos -, nunca o vi fazer só uma coisa. Vi-o sempre metido em mais duas, três, e a ver se ainda tinha tempo para uma quarta ou quinta.

Carlos Barroca, figura do basquetebol nacional, do desporto, e mesmo quem não seja ligado a este é difícil que em Portugal não saibam quem é, sobretudo quando ouvem a sua voz.

E, aos 55 anos, quando saí de Portugal, os meus amigos diziam que era maluco. Aos 55 já estamos a pensar na reforma. Tive, se calhar, os 10 anos mais fantásticos da minha vida, a conhecer realidades completamente diferentes, a trabalhar com os melhores do mundo. Foi uma fase da vida que, em vez de ser de relaxar, foi de progredir.

Este regresso a Portugal, há cerca de ano, ano e meio, tinha saudades da família, especialmente dos netos, que sei que são aqueles com quem convive hoje em dia e de quem não abdica tempo? Tinha saudades do país, quis voltar para ter uma vida mais calma, sem tantas viagens de um lado para o outro?

— Não, isso não é o que interessa. O que interessa é que há tempos para fazer as coisas todas na nossa vida e há, digamos, quase que sequências lógicas de coisas que vão acontecendo. Há pessoas que chamam coincidências. Eu acho que são coisas que se preparam umas para as outras. Sempre disse na minha vida que tudo o que faço é preparar-me para aquilo que vem a seguir. E, aos 55 anos, quando saí de Portugal, os meus amigos diziam que era maluco. Aos 55 já estamos a pensar na reforma. Tive, se calhar, os 10 anos mais fantásticos da minha vida, a conhecer realidades completamente diferentes, a trabalhar com os melhores do mundo. Foi uma fase da vida que, em vez de ser de relaxar, foi de progredir. Continuo a ser uma pessoa muito inquieta, muito curiosa e muito de fazer mais do que falar. Costumo dizer que se fossemos feitos para estar parados sempre no mesmo sítio, em vez de pés tínhamos raízes. E nós não temos raízes, temos pés. Gosto mais de fazer do que de falar.

Portanto, achei que era a altura de voltar, por várias circunstâncias, mas por um tempo próprio porque o que estava a fazer já era repetitivo e gosto de fazer coisas novas porque isso estimula, cria desafio e eu gosto de desafios.

Desde a primeira vez que saí em 1989, na altura para ser adjunto na Universidade de Pace, que sempre prometi a mim mesmo que tudo o que aprendi só serve se inspirar outros, motivar outros

Então não vou perder muito tempo com os seus pés para fazer coisas novas e vou perguntar já a grande questão que tinha. Desde que regressou, e se bem me lembro até muito antes disso, nos últimos anos tem circulado muito o rumor que poderá candidatar-se a presidente da federação de basquetebol, que irá ter eleições no primeiro semestre, no máximo, do ano que vem. Já decidiu se vai avançar, se os pés o vão levar a esse caminho?

— A menos que haja alguma coisa extraordinária que suceda  na minha vida, na nossa vida, penso que isso vai acontecer, vou candidatar-me. Não com o sentido do cargo ou do posto, porque o cargo e o posto não servem de nada se não estiverem encaixados naquilo que são as valências, os valores com que quero viver. E desde há muito tempo, desde a primeira vez que saí em 1989, na altura para ser adjunto na Universidade de Pace, que sempre prometi a mim mesmo que tudo o que aprendi só serve se inspirar outros, motivar outros e para, tanto quanto possível, transformar as coisas no meu próprio país. Esse é o sentido.

Neste caso não sou político, sou um apaixonado pelo basquetebol, portanto a minha vida continua a ser essa de paixão. E por isso sim, esta entrevista é mais ou menos para dizer isso mesmo: vou candidatar-me à presidência da Federação Portuguesa de Basquetebol.

O facto de ter sido internacional e ter sido treinador de uma seleção de jovens, quem passa por isso percebe o que é o peso da camisola da Seleção Nacional. Quem trabalha como eu no Ministério da Educação e representa Portugal em reuniões na Europa percebe o que é representar o país. Portanto, tudo o que sei e faço, o objetivo é poder utilizar isso para melhorar, qualificar, inspirar. Neste caso não sou político, sou um apaixonado pelo basquetebol, portanto a minha vida continua a ser essa de paixão. E por isso sim, esta entrevista é mais ou menos para dizer isso mesmo: vou candidatar-me à presidência da Federação Portuguesa de Basquetebol. Quer que diga com mais alegria, eu digo com mais alegria.

Nada do que é feito é feito sozinho. Quem faz sozinho faz limitadamente e tem pouco tempo de duração. Nada que se faz na vida sozinho significa. É bom ter gente, é bom envolver gente, é bom envolver, tanto quanto possível, em larga escala.

Não, se disse, disse. Queria é saber se é importante para o basquetebol que seja agora presidente?
— É importante, porque acho que o basquete, neste momento, tem mundialmente… e tenho aqui um problema que é o eu e o nós. Por exemplo, quando estava a apresentar quem é o Carlos Barroca, parece que é o eu. Nada do que é feito é feito sozinho. Quem faz sozinho faz limitadamente e tem pouco tempo de duração. Nada que se faz na vida sozinho significa. É bom ter gente, é bom envolver gente, é bom envolver, tanto quanto possível, em larga escala. Gosto muito de pensar que aquilo que fiz no desporto escolar foi importante porque foi um envolvimento da classe de professores de Educação Física e das escolas que se envolveram nisso. Não sei se a pergunta está a ser respondida ou ainda quer refiná-la.

Não, se está a levar para as pessoas que o acompanham, ia até perguntar se já tem uma equipa ou se já escolheu elementos para a sua equipa?
— As equipas escolhem-se, para mim, com um primeiro princípio, que é trabalhar com boas pessoas. O basquetebol português tem excelentes pessoas. O basquete português tem excelentes praticantes, comunidades de pais que apoiam a prática dos filhos. Treinadores, veja-se os treinadores das nossas seleções nacionais são portugueses e este ano foi um ano de ouro para o basquetebol português, com resultados fantásticos. Temos tudo isso. Temos dirigentes associativos que são o legado de vida do basquetebol. Temos presidentes da federação e eu, desde que estou em Portugal, 1974, conheci o Máximo Couto, Hugo dos Santos, Mário Saldanha e o Manuel Fernandes, que ainda está no seu posto e vai culminar em 2026 porque já acumulou três mandatos, e que antes foi diretor técnico nacional.

Não podemos viver no passado, temos que viver no futuro. E se queremos viver no futuro, temos que pensar que para isso temos de nos ajustar ao que são os desafios de hoje, para amanhã poderem ser melhores.

É muito fácil olhar e criticar o lado menos positivo das pessoas, mas gostaria de olhar para o lado bom e dizer que todos os que gostamos do basquete devíamos ser eternamente gratos àqueles que dedicaram vidas e recursos para que o basquetebol acontecesse. A função de uma federação é essa, é proporcionar inspiração, visão, capacidade de ativar as pessoas no seu lado bom, porque quer queiramos quer não, todos temos lado bom e lado mau.

É muito simples. Aquilo que se tem que fazer é tentar criar formas de chegar às pessoas, ao lado bom das pessoas, para que isto possa ser mais e melhor para todos. Qualificando pessoas, sobretudo. Dando instrumentos atuais, e hoje atuais é olhar para as questões da inteligência artificial, para a questão da tecnologia, em quanto isso pode ajudar a modalidade. A digitalização de um processo paralelo àquele que é o sucesso dentro do campo tem que acontecer dentro do basquetebol. Não podemos viver no passado, temos que viver no futuro. E se queremos viver no futuro, temos que pensar que para isso temos de nos ajustar ao que são os desafios de hoje, para amanhã poderem ser melhores. Isto não é nenhuma crítica ao que se passa atualmente, é apenas dizer que é preciso viajar para conhecer o que se passa lá fora. É preciso ter escuta ativa para aprender com outros que estão mais à frente. É preciso mudar para ter resultados diferentes e continuadamente diferentes.

Mas nomes para apresentar ainda não tem, da sua equipa?
— O modelo?

E essa é uma parte importante quando se pensa numa federação, que é qual é a visão para o basquetebol português. É uma visão para fazer mais um campeonato amanhã ou é uma visão para chegar àqueles que são a essência da modalidade

O modelo não, nomes. Porque às vezes o modelo pode ser bom, mas as pessoas que os aplicam são muito importantes em qualquer projeto. São elas que decidem e daí quando a NBA veio buscar o Carlos Barroca a Portugal para trabalhar com eles, e já durante anos o levava para África para fazer os campos e tudo mais, o modelo eles tinham, precisavam era de alguém para o aplicar, não é?
— E cumpri o que pediram para, até ao final de 2025, que é o ano em que estamos, atingirmos 40 milhões de miúdos a praticar basquetebol na Ásia. No final de 2023 tínhamos chegado aos 50 milhões. Esse projeto foi cumprido e nada como nós na vida, se nos dedicamos a um projeto, ser capaz de entregar aquilo que é suposto fazer. E essa é uma parte importante quando se pensa numa federação, que é qual é a visão para o basquetebol português. É uma visão para fazer mais um campeonato amanhã ou é uma visão para chegar àqueles que são a essência da modalidade, que são os praticantes, os árbitros, treinadores e os dirigentes que estão no clube. Como chegar a eles e envolvê-los na decisão para que isto não seja uma coisa da federação, mas de todos os elementos do basquetebol.

As pessoas que estão no basquetebol há dezenas de anos merecem ter uma palavra e serem ouvidas e não fazerem apenas parte do produto final. Esse é o propósito.

Eu, por exemplo, já criei, ontem, tal como com certeza deve ter preparado as suas perguntas, um e-mail: carlos.barroca2026.com, que quero pôr à disposição de qualquer pessoa que tenha ideias, queira participar, dar sugestões, queira criticar, para estar à vontade. Vivemos hoje num mundo de comunicação e quem não consegue comunicar, não consegue perceber que há mais validados do que o mundo que temos na nossa cabeça.

A minha equipa vai ser uma excelente equipa. Uma equipa onde se vai trabalhar em grupo, onde se vai trabalhar aproveitando o máximo que cada um pode dar. Mas há um tempo de comunicação que não é este ainda. Hoje é tempo de dizer: este é o projeto, isto é o que queremos fazer, queremos unir as pessoas. Queremos que o processo de decisão não seja um processo de cima para baixo, mas muito mais de baixo para cima. É dar sugestões, envolver as pessoas. As pessoas que estão no basquetebol há dezenas de anos merecem ter uma palavra e serem ouvidas e não fazerem apenas parte do produto final. Esse é o propósito.

A equipa direta que vai trabalhar comigo está a ser preparada, a seu tempo vai ser apresentada, a seu tempo o programa também vai ser apresentado com determinadas metas, que é outra coisa que acho que é importante, que é o que é que queremos fazer e qual é a nossa visão. Sendo que o que pretendemos fazer e a nossa visão é uma coisa que tem que ser auscultada, partilhada, dividida e trabalhada com as pessoas que estão dentro do basquetebol.

Tal como um treinador tem de recrutar bem os seus jogadores para ter a equipa que quer treinar, a federação tem que ter pessoas competentes em áreas-chave porque isto não se progride se não houver pessoas com competências, com o sentido que tenho: serem curiosas, inquietas, de quererem criar mais, de quererem fazer mais.

Vai ser, portanto, um presidente o tempo inteiro?
— Não vejo outra maneira de ser.

Sim, mas há federações que não os têm.
— Mesmo quando tinha três ou quatro coisas para fazer, acho que o único grande defeito que tive na vida, se calhar por isso aconteceram coisas que a outras pessoas não acontecem, como por exemplo ser convidado para trabalhar na NBA, é que todas as coisas que fazia, fazia a 120 por cento. Só há uma maneira de fazer as coisas na vida: ou se faz bem ou se faz mal. E, portanto, fazer bem torna tudo mais fácil. E o fazer bem tem a ver com o recruiting. Tal como um treinador tem de recrutar bem os seus jogadores para ter a equipa que quer treinar, a federação tem que ter pessoas competentes em áreas-chave porque isto não se progride se não houver pessoas com competências, com o sentido que tenho: serem curiosas, inquietas, de quererem criar mais, de quererem fazer mais.

Para ter visão não é preciso ter orçamento, para ter credibilidade e transparência não é preciso ter orçamento. Para construir sonhos, não é preciso ter orçamento. Os valores são construídos a partir de modos de viver e atuar para que essa transformação seja realidade. Este é o tipo de equipa que quero.

E isto tudo debaixo de uma coisa que na NBA para mim é a chave, que é a questão da transparência, da credibilidade. E muitas dessas coisas nem sequer têm a ver com os aspectos financeiros, da quantidade de dinheiro que existe ou não na federação, dos patrocínios, tudo isso. A parte comercial é essencial, a parte digital é essencial, a parte dos valores é decisiva. É assim, para ter visão não é preciso ter orçamento, para ter credibilidade e transparência não é preciso ter orçamento. Para construir sonhos, não é preciso ter orçamento. Os valores são construídos a partir de modos de viver e atuar para que essa transformação seja realidade. Este é o tipo de equipa que quero. Multidisciplinar, mas com saberes específicos de áreas em que é preciso, mas com pessoas que saibam sorrir, negociar e atuar dentro dos valores que atrás foram estipulados.

Portanto, um presidente profissional remunerado. Como acontece em muitas federações hoje em dia?
— Sim, isso para mim...

Hoje em dia é normal, até porque para a federação de basquetebol tem vindo os dinheiros que sabemos do jogo, como a de ténis e futebol, num outro campeonato, é claro. São daquelas coisas em que será preciso ter mais atenção e gestão.
— Não se pode fazer gestão ou fingir que se faz gestão. Portanto, para se alcançar resultados, e quem sou eu para criticar quem faz de uma maneira ou de outra, mas como assumo que fazer uma coisa dessas é uma atividade profissional, assumo igualmente que assim os estatutos permitam e a lei permita, que sim, que deve ser uma atividade remunerada.