Benfica luta contra ele próprio
Ao Benfica, neste momento, falta identidade. As palavras pertenceram a José Mourinho, depois de a equipa vencer com muita dificuldade o Gil Vicente, na 7.ª jornada do campeonato, mas também podem servir para ilustrar o atual momento do clube, não apenas no plano desportivo.
Alguns episódios que marcaram a Assembleia Geral do clube deste sábado, com sócios impedidos de falar (e não sendo irrelevante, é acessório que se tenha tratado de Luís Filipe Vieira, antigo presidente e novamente candidato nas eleições de 25 de outubro) e até ameaça de pancadaria, transmitem a imagem de um clube confuso, dividido e a lutar contra ele próprio.
Se seis listas candidatas aos Órgãos Sociais, e os sócios que as apoiam, não se conseguem entender em contexto democrático, a expectativa de que o ato eleitoral de dia 25 de outubro decorra de forma tranquila baixa consideravelmente. Ao Benfica e aos seus adeptos parece faltar confiança e clareza quanto ao rumo a seguir, o que naturalmente abala a identidade benfiquista.
Debaixo desta tempestade perfeita, a equipa de futebol procura navegar num arranque de época especialmente difícil, agravado pela troca de treinador. Os maus resultados e o mau futebol ditaram a troca de Bruno Lage por José Mourinho, mas esta decisão, exclusivamente de Rui Costa, clarificou o Benfica num comunicado, encerra nela mesma alguma contradição.
Rui Costa manteve Lage porque entendeu que, sem pré-época e com excesso competitivo dos jogadores, o mais acertado seria apostar na continuidade; mas agora despediu Lage e escolheu Mourinho para trabalhar com um plantel que não foi escolhido por ele (exatamente o mesmo cenário colocado a Lage quando substituiu Roger Schmidt), construído (e a exigir investimento alto) para a ideia de jogo de outro treinador.
Com sinceridade e sem querer ofender o antecessor, José Mourinho já disse que prefere outros princípios de jogo. E, de forma mais ou menos clara, também passou a mensagem de que, apesar de o considerar bom, a este plantel falta muita coisa. É muito jovem, falta experiência, há jogadores que precisam de oferecer mais rendimento, outros precisam de perder a timidez, além do grande desgaste físico que complica a missão. É preciso tempo. As coisas são o que são, e talvez Rui Costa esteja certo quando entendeu que chegara a hora de mudar de liderança no balneário, mas o tempo de que a equipa do Benfica precisa para recuperar capacidade, confiança, identidade, não há.
Vêm aí o Chelsea, o FC Porto, o Newcastle, tormenta competitiva depois de um início de calendário na Liga que em condições normais teria sido favorável às águias: Estrela da Amadora, Tondela, Alverca, Santa Clara, Rio Ave, Gil Vicente... com direito a entrar na Liga dos Campeões contra o Qarabag, adversário da fase de liga mais fácil que lhes calhou em sorte. Correu mal. Correu muito mal, tendo em conta os objetivos da época. Ainda não se percebe bem o alcance do efeito-Mourinho para recuperar o rumo da equipa. Nem o tsunami que pode resultar dos resultados das eleições de outubro.