Jardel, Luisão e Jonas, referências do Benfica (MIGUEL NUNES)

Benfica: 14 nacionalidades e agora zero brasileiros

Bruno Lage gere uma espécie de Sociedade das Nações que, pela primeira vez desde 1983/1984, não tem qualquer brasileiro no plantel. O último foi Arthur Cabral, que saiu para o Botafogo. Os primeiros foram Jorge Gomes e César. Luisão e Jonas na história

Com o fecho desta janela de mercado, confirmou-se o que já se antecipava: o Benfica está sem brasileiros no plantel, desde que o resistente Arthur Cabral se transferiu para o Botafogo (início de junho). Os encarnados já tiveram 93 futebolistas brasileiros, mas agora, pela primeira vez desde 1983/84, não contam com nenhum. Pelo menos até janeiro de 2026, quando o mercado reabrir.

Bruno Lage tem à disposição jogadores de 14 nacionalidades: três argentinos (Otamendi, Barrenechea e Prestianni), dois ucranianos (Trubin e Sudakov), dois noruegueses (Aursnes e Schjelderup), um dinamarquês (Bah), um sueco (Dahl), um bósnio (Dedic), um espanhol (Obrador), um norte-americano (Wynder), um colombiano (Ríos), um luxemburguês (Barreiro), um belga (Dodi Lukebakio), um grego (Vangelis Pavlidis), um croata (Ivanovic) e, claro, dez portugueses (Samuel Soares, António Silva, Tomás Araújo, Leandro Santos, Manu Silva, Bruma, Henrique Araújo, Nuno Félix, João Rego e Diogo Prioste).

A 1 de julho de 1978, no Pavilhão da Luz, em Lisboa, realizou-se uma das Assembleias Gerais Extraordinárias mais concorridas da história do clube (534 sócios votantes e mais de oito horas de reunião). Nela, os sócios do Benfica abriram a porta à possibilidade de contratar futebolistas estrangeiros.

Carlos Pinhão, nas páginas de A BOLA, tentava desmistificar o clima de receio: «Senhores benfiquistas dos velhos tempos, não é caso para cobrir de crepes a bandeira do Benfica! Primeiro, nem se sabe ainda se virão estrangeiros. E, depois, se vierem, também não é tragédia nenhuma. Entendamo-nos: a Assembleia não obriga o Benfica a contratar jogadores estrangeiros, apenas sanciona uma hipótese, ratifica uma intenção, mas pode ser que se não passe da hipótese e da intenção (por ora). É que não é fácil (por ora) arranjar um jogador estrangeiro para o Benfica. Tem de ser bom, tem de ser indiscutível, tem de comer a bola para singrar no clube.» Era assim em 1978.

Porém, o Benfica não teve qualquer jogador estrangeiro na época seguinte (1978/79). O treinador era o inglês John Mortimore, mas os atletas eram todos portugueses. Enquanto isso, o FC Porto contava com os brasileiros Duda, Marco Aurélio e Toninho Metralha e o paraguaio Paco Gonzalez, enquanto o Sporting alinhava com os brasileiros Ailton, Menezes, Zandonaide e Manoel, além do maliano Salif Keita.

Fosse ou não por ter perdido dois campeonatos seguidos para o FC Porto (1977/78 e 1978/79), a Direção liderada por José Ferreira Queimado decidiu passar da teoria à prática e avançou para a contratação de estrangeiros. O primeiro foi Jorge Gomes, avançado brasileiro ex-Boavista (25 jogos e 11 golos em 1978/79 pelos axadrezados).

A estreia de Jorge Gomes deu-se no Estádio do Bessa, num jogo particular frente ao Boavista, a 11 de agosto de 1979. Jogou os primeiros 43 minutos ao lado de Bento, Bastos Lopes, Humberto, Alhinho, Alberto, Pietra, Fonseca, Nené, Shéu e Reinaldo, sendo substituído por Carlos Manuel perto do intervalo.

Era o primeiro estrangeiro do Benfica após a Assembleia Geral de 1978. E o primeiro brasileiro, claro. Quatro meses depois, em dezembro de 1979, ainda com o Benfica na luta pelo título (Sporting e FC Porto com 21 pontos e Benfica com 20, no final da 13.ª jornada), Ferreira Queimado apostou noutro brasileiro: César, avançado de 23 anos do América, naquela que foi a primeira transferência internacional da história do clube.

«Confesso que a minha ida para o Benfica foi uma grande surpresa. Sabia do interesse do Fluminense, pois os seus dirigentes até já haviam falado comigo. O Flamengo estava a tentar vender Cláudio Adão e queria também o meu passe. Isto, sem falar no Santos e no Corinthians. Mas o Benfica foi uma agradável surpresa e estou feliz», disse César ao correspondente de A BOLA no Brasil, Jaime Luís.

Jorge Gomes e César foram, assim, os primeiros estrangeiros do Benfica pós-1978. E os primeiros brasileiros. Em 1981/82 surgiu o primeiro não brasileiro: o (então) jugoslavo Zoran Filipovic. De 1979 a 2025, múltiplos estrangeiros de diversas nacionalidades vestiram de vermelho. A maioria brasileiros.

Muitos deles ficaram eternamente ligados à história do clube. Jorge Gomes e César foram os primeiros campeões nacionais ao serviço do Benfica (1980/81); Mozer, Elzo, Chiquinho Carlos e Wando, os primeiros a marcar presença numa final europeia (Taça dos Campeões de 1987/88); Jonas, o primeiro a conquistar a BOLA de Prata (2015/16); e Luisão, capitão lendário, somou seis Ligas, três Taças de Portugal, sete Taças da Liga e quatro Supertaças, além de mais de 500 jogos de águia ao peito. Sem esquecer craques como Aldair, David Luiz, Ederson, Isaías, Júlio César, Léo, Ricardo Gomes ou Valdo.

De 1979 a 2025, apenas uma vez o Benfica iniciou a temporada sem brasileiros: em 1983/84, quando os estrangeiros de Sven-Goran Eriksson eram o sueco Stromberg, o jugoslavo Filipovic e o dinamarquês Manniche. César saíra em janeiro de 1983 para o Grêmio.

A primeira época com um número elevado de brasileiros foi em 1988/89, com Toni no comando: sete. O guarda-redes Dias Graça, os defesas Mozer e Ricardo Gomes, os médios Elzo, Valdo e Ademir e o avançado Lima.

Este recorde foi batido em 1995/96, com Artur Jorge e Mário Wilson como treinadores: oito. Paulo Pereira, Ricardo Gomes, Paredão e King (defesas), Valdo (médio) e Aílton, Luiz Gustavo e Marcelo (avançados). O mesmo número repetiu-se em 1996/97, com Paulo Autuori, Mário Wilson e Manuel José, então com Ronaldo e Lúcio Wagner (defesas), Jamir, Valdo e Amaral (médios) e Luís Gustavo, Valdir e Donizete (avançados).

O recorde absoluto chegaria em 2009/10, com Jorge Jesus: onze brasileiros. O guarda-redes Júlio César; os defesas Luisão, David Luiz e Sidnei; os médios Ramires, Felipe Menezes e Airton; e os avançados Weldon, Keirrison, Alan Kardec e Éder Luís.

Agora, 16 anos depois, zero brasileiros. Só não é histórico porque houve 1983/1984.