Bagão Félix discorda do uso da 'bomba atómica'
— Falou dos estatutos. Ainda há pouco tempo, disse que o chumbo das contas poderia servir de bomba atómica. Está de acordo especificamente com esse artigo dos estatutos? No segundo ano de mandato pode ser utilizada essa bomba atómica.
— Em primeiro lugar, permita-me que aproveite a sua pergunta, para responder ao atual presidente da mesa da Assembleia Geral, pessoa que considero bastante. Quando fiz essa declaração, ele disse: ‘mas Bagão Félix esteve na comissão de revisão dos estatutos, e portanto não pode agora dizer que não concorda quando esteve lá nessa comissão.’ Para começar, mesmo que tivesse mudado de opinião, não era grave, porque às vezes vemos as coisas de uma maneira agora e vemo-las mais tarde de outra maneira. Mas não foi isso que aconteceu. Esta comissão de revisão dos estatutos era constituída por pessoas de diferentes sensibilidades e coordenadas por Jaime Antunes. E aquele resultado final da comissão de revisão dos estatutos não foi votado, foi uma tentativa, um consenso possível. Se fosse só eu a apresentar os estatutos, não eram aqueles estatutos iguaizinhos. Havia coisas que eu mudaria, assim como os meus colegas também. Eu, não concordando, percebi que esse era um elemento importante para fechar o dossier em termos de apresentarmos à atual Direção um projeto de estatutos. Agora, não concordo com essa norma. Olhe, já agora, deixe-me dizer, comecei por sugerir que além da Assembleia Geral de Sócios houvesse uma Assembleia de Representantes. Conheço bem o sistema de Real Madrid, o sistema de Barcelona, que, aliás, é uma forma de prevenir o caráter mais ou menos imprevisível que as Assembleias Gerais têm num clube de futebol, em geral, não é só no Benfica. Mas percebi que não tinha vencimento. Mas, olha, aí está um exemplo, não é? Não teve vencimento? Respeito isso, pronto, mas sugeri. Estava lá para sugerir e dar a minha opinião e aquilo que achava que era melhor. Agora, quanto às contas, acho que não concordo. E respondo de uma maneira muito simples. Poderia responder com a Assembleia de Representantes. Mas, como não a temos, não posso responder. Mas respondo com um facto muito forte que aconteceu na primeira volta destas eleições. Votaram mais 85 mil benfiquistas. E, depois, podem-se chumbar as contas, que, aliás, ninguém vê, ou que muitas poucas pessoas veem, em Assembleias com 600, 700, 800 benfiquistas.
— No caso das contas foram 1.188.
— Pois, lá está, mil e tal.
— E 655 votaram desfavoravelmente o regulamento eleitoral.
— Agora estou a falar em abstrato. Votam porque o Benfica perdeu na semana anterior. Há outros fatores, que não as contas, que condicionam muitas destas posições. Não todas, mas muitas destas posições. Faz sentido? Isto mostra bem que este tipo de Assembleias, com o poder da bomba atómica, de poder demitir uma Direção, seja ela qual for, com dois chumbos das contas, é uma coisa... Bem sei que é o clube, não é a SAD, atenção. Mas depois tem influência na própria SAD. E depois estas Assembleias também têm outro aspecto, que também esta primeira volta, e espero que a segunda também, provou. O que é que provou? Provou que o Benfica não é só Lisboa. E às Assembleias Gerais, quem vai? Vão as pessoas que vêm ao estádio e que são de Lisboa. Até nesse aspecto é injusto. Independentemente de estar em causa a Direção A, B, C, a Direção que eu consideraria a melhor e a Direção que eu consideraria a pior. Não é isso que está em causa. Portanto, são estas disparidades, estas assimetrias institucionais, que me levam a pensar que esse procedimento deveria ser alterado.
— E de que forma é que se podem ser alteradas para que clube e SAD não se tornem ingovernáveis?
— Não sei. Agora, os novos órgãos sociais podem sempre revisitar os estatutos. Podem sempre revisitá-los, como podem revisitar uma questão que agora também foi muito falada, em que as pessoas têm opiniões diferentes, todas elas legítimas, que é se a proporcionalidade de votos face ao número de anos de sócio é justa ou é excessiva ou não é. Portanto, os estatutos não são um ponto fechado. Pode estar sempre em aberto.
— Já agora, qual é a sua opinião sobre esse assunto?
— A minha opinião é que há um excesso, há uma violação do princípio da proporcionalidade, no sentido em que é excessivo. Isso é um fator histórico, não é? Mas é um fator histórico em que as pessoas só eram sócios de Benfica quando muitas vezes atingiam a maioridade, quando tinham uma profissão, etc. Hoje, não. Hoje, muitos benfiquistas têm 50 votos com 20 e poucos anos de idade. E isso também leva a pensar que sócios fora de Lisboa têm menos essa possibilidade, não é? Mais uma vez, é o peso de Lisboa. Por acaso, o Benfica é Sport Lisboa e Benfica. Mas é um clube não só nacional e internacional, como um clube do mundo. Estas são as regras e são as regras que temos de aceitar e são defensáveis. Mas é só para dizer que não há assuntos fechados a nível estatutário.
— Concorda com a premiação da antiguidade no número de votos?
— Sim, sim, concordo. Concordo por duas razões. Primeiro, porque acho que é um prémio, não é? Embora, com uma proporcionalidade que podia ser diferente. Em segundo lugar, porque é uma forma de prevenir situações de ataque, de manobras, de tomada de posse do clube por pessoas que, estrategicamente, se colocam ou poderiam, em tese colocar-se nessa situação.
— As contas estão assim tão más que justificassem o chumbo na Assembleia Geral?
— Não estive nessa AG. Foi-me dito que só havia duas possibilidades. Votar a favor das contas ou votar contra. Se foi assim, acho um disparate. Por exemplo, se estivesse nesta Assembleia, iria fazer uma abstenção. Uma abstenção violenta, como agora se costuma dizer. Uma abstenção violenta, uma abstenção de protesto. Mas abstenção porquê? Não estávamos a discutir o orçamento, estávamos a discutir contas. Estávamos a discutir a relevação contabilística do que aconteceu. Podemos depois criticar porque aconteceu aquilo, etc. Mas é como a conta geral do Estado a ser discutida no Parlamento. No orçamento, é possível a abstenção, não é? E abter-me-ia por duas razões. Primeiro porque são contas e foi o que foi. E as contas certamente estão corretas do ponto de vista contabilístico. Não há nenhuma infração contabilística. Há as regras legais e fiscais, etc. Mas, por outro lado, estas contas refletem o tal Benfica conformado, pouco ambicioso, com um investimento pouco inteligente ao nível de contratação dos jogadores, que devia ser penalizado. E, portanto, daí uma posição de abstenção violenta, entre aspas.