As lendas valem muito
S EGUNDO a imprensa britânica, a família Glazer, proprietária do Manchester United, não hesitou em avançar para Ronaldo quando, alertada por Sir Alex Ferguson, percebeu que a possibilidade de CR7 assinar pelo vizinho e rival City não só era real como estava iminente - é fácil imaginar a reação dos adeptos red devils quando percebessem que o proprietário não tinha feito tudo para inviabilizar essa transferência: nunca lhe perdoariam! Mas Ronaldo é uma marca de tal maneira universal e vendável que o investimento feito nele pelos Glazer (cerca de 55 milhões em dois anos) será amortizado num ápice - basta pensar que a loja do Man. United em 12 horas faturou 38 milhões com a venda da camisola 7 e que o clube, só nesse lapso, amortizou um quarto (!) do investimento total. As lendas são assim e se há coisa que a família Glazer percebe é de negócio: as lendas valem muito!
Ronaldo fez bem em não trair a sua história com o Manchester United, embora fique a dúvida: iria trair se Alex Ferguson não se tivesse chegado à frente e puxado dos galões de segundo pai? Ronaldo com o azul do City seria uma visão de horror para milhões de adeptos red devils espalhados pelo Mundo! Era como se Peyroteo tivesse ido para fora e voltasse para acabar a carreira no Benfica. Ou se Eusébio tivesse escolhido jogar no Sporting depois da aventura americana. Não acredito que Cristiano, por muito grande que fosse a vontade de deixar a Juventus, não tivesse consciência disso. Eu adoro o Liverpool e admiro Cristiano, mas não gostava de o ver em Anfield - Ronaldo pertence à história do United, ponto; é o clube onde se tornou o melhor futebolista do Mundo e onde se vai tornar, em breve e em definitivo, o Maior Goleador da História - será como red devil que superará os alegados 821 golos de Josef Bican (imaginem o filão para os marketeers do United). É claro que Cristiano teria mais hipóteses de ganhar títulos no Manchester City e até de marcar mais golos (basta pensar na quantidade de oportunidades que a equipa de Guardiola cria por jogo…). Mas os adeptos do United nunca lhe perdoariam a traição. Há coisas que não valem a pena. Pelo estrago que causam na imagem.
O frenesim que tomou conta do futebol inglês com o regresso de Ronaldo diz tudo sobre o impacto que este jogador continua a ter no futebol aos 36 anos. Só a aura de lenda explica o instantâneo recorde de vendas na loja do United e a exceção que a liga inglesa abriu para que o número 7 de Cavani voltasse para as costas de Ronaldo. Falou mais alto a emoção de ter de volta um jogador que fez história na Premier e marcou uma era com essa camisola mágica, antes usada por George Best, Eric Cantona e David Beckham. A liga inglesa sabe o que faz e por que abriu a exceção. As lendas valem muito e dão carradas de dinheiro a ganhar. Justificam tratamento especial.
PS - A outra lenda viva do futebol português, José Mourinho, completa 1000 jogos como treinador no próximo domingo, com o Sassuolo, em Roma. Mourinho é, sem discussão, um dos maiores treinadores de sempre: está no GOAT da área técnica ao lado de Shankly, Busby, Michels, Herrera, Menotti, Ferguson, Cruyff, Sacchi e Guardiola, sendo o único que ganhou todas as competições nas três maiores potências futebolísticas da Europa: Inglaterra, Espanha e Itália (assim como Ronaldo é o único futebolista com esse superpleno). Muitos parabéns, Special.
HEI! A SELEÇÃO GANHOU
J UNTO-ME ao coro dos que lamentam a falta de qualidade do jogo da Seleção Nacional e a aparente incapacidade de Fernando Santos em encontrar um esquema, uma solução onde convivam harmoniosamente a extraordinária capacidade de finalização de Ronaldo (única, inimitável…) e as melhores características de outros jogadores importantes. No entanto, como membro de uma geração que se habitou a celebrar insuportáveis vitórias morais (foi quase, foi por pouco… por um bocadinho), recuso-me a fazer tábua rasa do essencial. E o essencial, em futebol, é ganhar. Ora Portugal ganhou estes últimos três jogos. Contra adversários fraquinhos, é verdade, mas ganhou. Os dois primeiros (Irlanda e Catar) a jogar pouco e de forma inconvincente; o de ontem, em Baku, com uma exibição mais sólida e determinada. Uma vitória que mantém a Seleção na rota de qualificação automática para o Catar. No momento em que escrevo este texto, a campeã mundial França vai numa série de cinco empates seguidos e a campeã europeia Itália não ganha há quatro jogos. A crítica é um direito, mas não se perca de vista o mais importante.
Que a Seleção, como um todo, vale bastante menos que a soma das partes, parece a toda gente um facto indiscutível. No entanto, não falta quem, para sublinhar esse facto, se preste a exageros. Como aqueles que se têm repetido à exaustão, como se fosse verdade que Portugal tem um plantel como nunca teve, repleto de craques e génios com lugar nas melhores equipas europeias; não é verdade: a Seleção de Portugal tem quatro jogadores indiscutivelmente de topo - Ronaldo e Pepe (ambos em fase final de carreira), Bruno Fernandes, boss do United (belo jogo ontem), e Rúben Dias, boss da defesa do City. Depois há Diogo Jota a ganhar galões no Liverpool, mas ainda longe de ser uma figura de relevância mundial, à frente de um pelotão de valores seguros mas que, santa paciência, não fazem (ainda não fazem ou deixaram de fazer) parte da verdadeira elite internacional. Uma coisa é jogar em bons clubes nas ligas de topo. Outra coisa é ser figura primordial - aquela que pesa, que desequilibra, que influencia, que decide - numa equipa de topo. Sejamos honestos. Quantos temos na Seleção com esse perfil?
Pois.
NOVOS DESAFIOS PARA O CAMPEÃO
F C PORTO no sábado e Ajax logo a seguir no ansiado regresso à Champions: testes importantes à competitividade e consistência deste novo Sporting e um desafio novo para Rúben Amorim, que será confrontado num curto espaço de tempo com duas equipas de perfil Champions: primeiro o FCP, rival forte talhado para estes momentos de grande tensão; e o porventura mais acessível Ajax, que há pouco mais de dois anos esteve literalmente a um segundo de chegar à final da Champions (Ajax esse que tem muito mais experiência que o SCP na prova rainha do futebol europeu). O Sporting tem sido a verdadeira besta negra de Sérgio Conceição (roubou-lhe cinco títulos em confronto direto), mas entretanto ganhou outras responsabilidades e uma pressão muito maior como campeão em título: passou de outsider a alvo que todos querem abater. Veremos como convive com a nova realidade. Para já, os sinais são positivos. O FCP voa de Alvalade para o Metropolitano de Madrid onde o espera o campeão espanhol, adversário teso e encorpado, cliente frequente das etapas mais adiantadas da Champions. É o primeiro de uma série de duelos entre quatro pesos pesados da competição (Liverpool, Milan, FC Porto e Atlético) num grupo em que, acredito, todos vão perder pontos. Um desafio à altura dos pergaminhos europeus do FCP.