Abel não dorme
Abel Ferreira tinha razão quando, após a vitória por 4-1 sobre o Fortaleza no fim de semana passado, usou um fator novo, o sono, para criticar um problema antigo, o calendário?
«Nós chegamos [do duelo na Argentina com o River Plate] à academia para tomar o pequeno-almoço às 7h00, sem sequer dormir, qual é o impacto que isso vai ter? Não sei. Falem com os especialistas», pediu.
Cá vai a opinião, especializada, de duas. «O sono é fundamental para a recuperação física, cognitiva e emocional do atleta», começa Cynthia Gobbi, fisioterapeuta pela Sociedade Nacional de Fisioterapia Desportiva e da Atividade Física. «A privação parcial ou total do sono está associada a alterações fisiológicas como o aumento de lactato, marcadores inflamatórios, redução da imunidade e maior tempo de recuperação muscular, além de desequilíbrio autonómico, como o aumento da atividade simpática e redução da parassimpática, o que favorece fadiga, stress e dor aumentada.»
Traduzindo, os jogadores podem revelar excessiva sonolência diurna, fadiga, irritabilidade, défice de atenção e memória, alterações de humor, ansiedade e maior percepção de dor. «Estudos mostram que até 64% dos atletas de elite relatam insónia», diz ainda a especialista.
«E os fatores psicossociais e ambientais, como viagens frequentes, jet lag, fusos horários, horários de treino inadequado, stress competitivo, perfeccionismo e ansiedade, influenciam diretamente na qualidade do sono.»
Para Carla Tavares, Head de Medicina da Volt Sports Science, plataforma de saúde e performance para atletas do futebol de elite, «quando o atleta dorme menos tempo ou tem a qualidade do sono pior do que necessita, podem surgir impactos importantes para a performance». «Estudos demonstram que jogadores que dormem menos de oito horas por noite podem ter até 1,7 vezes mais risco de lesão.»
Mas há solução? Para Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa de entretenimento norte-americana, no atual estado de coisas, não. «Como o Brasil é um país continental, exige deslocações como as da Champions League e distribuídas em três meses a menos do que seria possível por conta dos estaduais.» «Jogos na Europa a cada três dias e em países menores do que estados brasileiros geram um desgaste acumulado muito menor do que o de uma rotina de viagens do Ceará ao Rio Grande do Sul, ou mesmo de Salvador a Cuiabá», completa.
Ouvidos os especialistas, a conclusão é que Abel tem, pois, razão. Apurado desde esta semana para a quinta meia-final da Taça dos Libertadores em seis anos, o português está sempre bem desperto.