Vamos lá dizer mal do Benfica
Estará o Benfica assim tão mal, serão as pessoas do Benfica — do presidente aos jogadores, dos treinadores às equipas das modalidades, do diretor financeiro ao animador do estádio — assim tão incompetentes que se justifique o crescimento, o fortalecimento e o mediatismo do desporto nacional que se transformou bater no Benfica?
Para os sócios que votaram nas eleições mais concorridas de sempre — facto desvalorizado até por alguns benfiquistas mais interessados em colher louros de uma piadola que valorizar manifestação rara de envolvimento democrático na vida de um clube desportivo — não está e por isso elegeram, de forma tão transparente como esmagadora, Rui Costa.
Passado mais de um mês das eleições é ainda difícil encontrar alguém que, sem mas ou meio mas, afirme, objetivamente, que Rui Costa ganhou as eleições. Que foi Mourinho que as ganhou, Noronha Lopes que as perdeu, há explicações para todos os gostos, todas ignorando que talvez tenha sido mesmo reconhecido o trabalho de Rui Costa, com mais méritos que erros, estes também reconhecidos pelo próprio.
O fenómeno de bater no Benfica não é novo, mas ganhou novo fôlego. É uma das expressões do estado geral de indignação, por tudo e por nada, da sociedade, alimentado pelo reforço emocional proporcionado por gostos e likes de falanges nas redes sociais — talvez alguém com mais conhecimento possa perceber se há aqui motivos para se identificar o reflexo condicionado da experiência de Pavlov com cães.
Às vezes até parece ser o Benfica o saco de boxe para que se descarreguem frustrações, objeto de ódio de quem padece de complexo de inferioridade. Não querendo explorar esse campo especulativo, o que é clarinho é que o escrutínio que se usa para o Benfica é muitas vezes ignorado para outros e o que se acusa no Benfica ou ao Benfica não se vê, convenientemente, nos outros.
O espaço mediático — como as eleições do Benfica poderiam ter ensinado — é apenas uma perceção da realidade e não a reflete na essência. Mas, para todos os efeitos, é nele, mesmo que delirante, que também vivemos, por ele também somos influenciados e até decidimos. Escapar disso, afundados em romantismos, é cada vez mais difícil. E é, como tal, nesse espaço que o Benfica também tem de jogar e defender-se quando é atacado.
A chegada de Mourinho ao Benfica só intensificou o fenómeno descrito. E quando o Benfica contratou Mourinho sabia que estava a contratar o pacote completo — não apenas um dos melhores treinadores do mundo, como alguém com capacidade de comunicação única para lidar com as difíceis circunstâncias do momento atual, apesar de dizer umas bacoradas de vez em quando.
A 25 de setembro escrevi que Mourinho voltou ao futebol português com pezinhos de lã, mais maduro, conciliador, generoso nos elogios, prudente nas críticas, argumentativo nas explicações, como uma espécie de senador, mas que o Benfica precisava de um Mourinho combativo, desafiador, provocador, cru, irritante e arrogante. Este último, entretanto, também já chegou.
Mourinho vai sempre pôr a falar as pessoas do que quer. Chegará a altura em que responderá a quem o acusa de se vitimizar, mesmo que quem o tenha feito também tenha desvalorizado que, até agora, foi noutra latitude que um treinador, em bom português, apesar de ser italiano, reclamou estar a jogar contra tudo e contra todos. Mourinho deixou escapar sem resposta as recentes afirmações de Frederico Varandas, para quem na casa do Sporting não se chora — percebe-se porque Mourinho não estava em Portugal quando o presidente dos leões disse que os sportinguistas estavam traumatizados e tinham muito azar com o árbitro João Pinheiro, que o árbitro Tiago Martins estava condicionado pelo FC Porto; ou quando Varandas foi ao túnel do estádio do Famalicão pedir satisfações ao árbitro Luís Godinho.
Nenhum clube — ainda menos o Benfica por ser o maior em Portugal, mais interesse despertar e mais pessoas mobilizar — pode escapar à crítica, positiva ou negativa, ao mais exigente escrutínio, nenhum dos dirigentes, jogadores ou treinadores podem eximir-se de responsabilidades do actos que cometem, das políticas que executam. É até imprescindível, no exercício democrático, que isso aconteça. Não me parece, com franqueza, que presidente, treinador ou jogadores se incomodem com críticas justas ou honestas, já me parece que possam ficar incomodados com omissões convenientes, acusações injustas e diferentes pesos e medidas na análise de desempenhos. O mesmo acontecerá com qualquer um que esteja a ler este texto.
Quanto ao resto é como dizia Ronald Koeman, depois de uma derrota com o Bayern em 2021, quando treinava uma equipa do Barcelona dizimada por lesões: «Es lo que hay.» É o que temos.