Samu e Mora os despertadores de jogo que estava adormecido
Barcelos tem uma relação curiosa com o desvirtuamento do espírito da Taça de Portugal. Há três anos foi casa do Varzim na recepção ao Sporting, na última época acolheu o Tirsense, que recebia o Benfica, e agora deixou que o Celoricense fosse anfitrião, na morada do galo, do FC Porto, curiosamente numa noite em que houve Taça em Viseu, onde o Gil Vicente foi eliminado da prova rainha do nosso calendário. O motivo é sempre o mesmo, a criação de maior riqueza, mas a magia da Taça, de levar os principais clubes aos quatro cantos de Portugal (motivo que os torna obrigatoriamente forasteiros na primeira ronda em que entram), esvai-se. Sem deixar de considerar ponderosas e respeitáveis as razões dos clubes que andam de mala às costas, o espírito da Taça não é esse. Mas, mais do que para esses clubes, essa é matéria a discutir e decidir nas sedes que elaboram os regulamentos.
FC PORTO EM FORÇA
Não foi, por certo, por temer uma equipa que disputa o quarto escalão, recentemente vinda dos Campeonatos Distritais, que Francesco Farioli apresentou um onze de luxo em Barcelos, face ao Celoricense. O técnico italiano entendeu que tinha de equilibrar os minutos de cada jogador, nesta semana pós-seleções, e acabou por escalar uma equipa muito perto das suas escolhas ideais, faltando apenas Diogo Costa e Samu para o ramalhete ter ficado completo.
Do outro lado, o Celoricense fez o que pôde, repetindo um modelo visto em muitas equipas da I Liga, quando defrontam os conjuntos mais poderosos, ou seja, um 5x4x1 de linhas muito juntas e bloco bem baixo. A esta fórmula, Rafael Seixas agregou ainda um elemento, uma disciplina posicional sem mácula; e os seus jogadores juntaram outro, uma tremenda decisão, sem violência (exceção feita a uma entrada muito feia, sobre William Gomes, na fase final da partida), em cada duelo que disputaram.
Com este figurino, quando Bednarek abriu o ativo, logo aos nove minutos, na sequência de um pontapé de canto apontado da esquerda por Gabri Veiga, o espectro da derrocada madrugadora do Celoricense andou a pairar no ar. Porém, nem a equipa de Celorico de Basto se desuniu, nem os dragões se sentiram mais motivados, certos de que a eliminatória não lhes fugiria. Daqui resultou uma partida muitas vezes aborrecida, uns porque não tinham mais para dar, os outros porque achavam que já tinham dado o suficiente. E a verdade é que a partir da meia hora, sem que o FC Porto puxasse pelos galões, a equipa do quarto escalão começou a aventurar-se um tudo nada na frente, obrigando Cláudio Ramos a aplicar-se para deter um remate de Renteria (34) e a ganhar o primeiro pontapé de canto, aos 39 minutos.
Era impossível que Farioli estivesse satisfeito com a prestação da sua equipa, mas aproveitou o intervalo apenas para realizar uma mudança, cautelar, de Kiwior por Prpic, enquanto que Rafael Seixas trocava Renteria (alguma questão física, porque estava a dar luta) por Gustavo. O que é certo é que o FC Porto agitou-se um pouco, e Francisco Moura, aos 50 minutos, e Varela aos 51, estiveram perto de ampliar a vantagem. O Celoricense começava a dar sinais de estar perto daquele limite que lhe permitia ir combatendo a intensidade de jogo de um grande do nosso futebol, e Francesco Farioli decidiu dar o ‘coup de grace’ no adversário quando, com uma hora de jogo, mandou a campo agitadores natos.
E ASSIM TUDO MUDOU
As entradas de Samu, com um poder físico e um sentido de baliza que colocam Denis Gul a apreciável distância, Rodrigo Mora, perito em fazer a cabeça em água aos adversários, e William Gomes, provavelmente o jogador com maior margem de crescimento da nossa Liga, que coincidiram com a quebra física do adversário, dinamitaram o Celoricense que, por mais que Seixas mexesse na equipa, deixou de ter pedalada para acompanhar os portistas. E foi assim que em onze minutos Samu assinou um ‘hat-trick’, com assistências de Prpic, Mora e William Gomes. De repente, a pergunta mais pertinente passou a ser, ‘em quantos é que vai acabar a degola?’ Mas, com o resultado consolidado, o FC Porto voltou a baixar a intensidade, ficando-se a dever, mesmo assim, uns quantos golos, especialmente em duas situações (82 e 84 minutos), a primeira feita de um ‘slalom’ à Messi de Rodrigo Mora, e a segunda de um bom trabalho coletivo, que o mesmo Mora esteve perto de concluir com êxito.
Não estando a eliminatória já em discussão, e perante a entrega do Celoricense, provavelmente acabou por haver alguma justiça poética no facto da turma do quarto escalão não ter saído vergada por um castigo maior. Quanto aos dragões, Farioli cumpriu os objetivos de gestão ativa do plantel, Samu foi a estrela da companhia, e Mora e William Gomes continuam a bater, leve, levemente, como quem chama por eles, à porta da titularidade.