Ronald Araújo, jogador do Barcelona
Ronald Araújo, jogador do Barcelona - Foto: IMAGO

Quando a cabeça quer ter juízo

'Para lá da linha' é uma opinião semanal

Há duas semanas que Ronald Araújo não faz uma publicação nas redes sociais. Parece muito para qualquer pessoa nos dias que correm, mas é também um período coincidente com uma decisão muito pública: o jogador do Barcelona pediu ao clube um tempo sem treinar e jogar, a fim de tratar da sua saúde mental.

De repente, jogar num dos maiores clubes do mundo – com dificuldades financeiras, é certo, mas com um estádio novo - não é suficiente. E por isso parar para tratar a mente como se faz para tratar uma lesão física, já não é, felizmente, num mundo tão masculinizado, um tabu, e merece o mesmo tipo de respeito pelo tempo necessário para a cura de uma qualquer rotura muscular.

Merece elogios a forma como o jogador uruguaio partilhou esta luta, que teve um gatilho público (não sabemos se houve mais): no início do mês, Araújo ficou ligado à derrota por 0-3 frente ao Chelsea, para a UEFA Champions League, depois de ter sido expulso aos 44 minutos. Não voltou a treinar desde então. A expulsão valeu muitas críticas - o abuso online a jogadores é outro dos tentáculos deste polvo. Veja-se o que diz Damián Benchoam, psicólogo do Nacional do Uruguai: «Joga no Barcelona, na seleção uruguaia, é capitão, tem estabilidade económica… quando tens todas essas coisas, pode haver um vazio existencial, porque às vezes não há um desafio que te faça sentir bem.»

Não será por acaso que Araújo é um dos capitães do Barcelona: é um papel de relevo, que traz responsabilidade. A decisão suscitou natural apoio de colegas, mas também de adversários - algo que deveria ser igualmente natural. Como o guarda-redes do Real Madrid, Thibaut Courtois: «Somos pessoas, somos humanos. O abuso que ele sofreu nas redes sociais depois do jogo contra o Chelsea é o início de tudo. Depois, lamentamo-nos quando um jogador está mal a nível mental.»

Recentemente, Araújo, que é bastante religioso, viajou até Israel numa «viagem espiritual». O plano, segundo a imprensa espanhola, é visitar alguns locais sagrados, igrejas, um modo de voltar a si próprio.

Num mundo sempre a olhar para a frente – basta ver como, em qualquer entrevista rápida após uma partida, jogadores e treinadores «olham logo para o próximo jogo» - não sobra tempo para o agora. Não será por acaso que muitos jogadores, ao longo dos últimos anos, só foram admitindo problemas depois de deixar de jogar - temos a exceção recente do português Fábio Silva -, quando o balneário já não era o sítio onde passavam mais tempo. Casos como André Gomes - «infeliz quando esteve no Barcelona» - Adriano, Iniesta, Soucek, Piccini, Deisler, que deixou de jogar com 27 anos, Robert Enke, antigo guarda-redes do Benfica, que se suicidou com 32 anos.

Um jogador completo tem de estar bem dos músculos e do cérebro. É bom saber que há quem publicamente o assuma - e que o clube o apoie.