André Villas-Boas, presidente do FC Porto
André Villas-Boas, presidente do FC Porto - Foto: IMAGO

«Precisamos de presidentes fortes»: para transformar ou para tudo ficar na mesma?

'Tribuna livre' é um espaço de opinião em A BOLA aberto ao exterior, este da responsabilidade de Marco Arraya, docente da Universidade Europeia e investigador em gestão do desporto

No passado Portugal Football Summit 2025, o presidente do FC Porto André Villas-Boas (AVB) debitou (expressão sua) que «precisamos de muita ajuda da Federação, da Liga, precisamos de presidentes fortes, com carisma, com liderança, que debatem estes temas e que não andemos em cimeiras de presidentes onde nada se discute e de onde nada sai».

Esta afirmação apresenta vários conteúdos que merecem atenção e análise. Inicialmente AVB reconhece que sem a cooperação da Federação e da Liga será difícil transformar o futebol português, lançando um possível debate sobre a relevância da regulação bipartida no futuro do futebol profissional nacional. Seguidamente, sinaliza as partes interessadas da indústria do futebol da importância de presidentes fortes com carisma e liderança.

Mas, ficou a dúvida relativamente a quais presidentes, das reguladoras ou dos clubes? Por último referiu a falta de produtividade e decisão das cimeiras de presidentes. Iremos focar-nos na importância de presidentes fortes, deixando os outros temas para futuros espaços de opinião.

A questão da transformação do futebol profissional português é assumida pelos mais diversos agentes da indústria do futebol e AVB ao abordar a necessidade de presidentes fortes com carisma e liderança está provavelmente a sugerir que os presidentes da Federação e da Liga (assumimos que se referia a estes) seja alguém que adapte a sua personalidade, habilidades, competências e forma de atuar ao contexto do futebol português seguindo uma liderança estratégica.

O líder estratégico é aquele que pensa e executa estratégias com propósito, num espírito de missão, com impacto no curto prazo sem descurar as metas de longo prazo, com o evidente objetivo de aumentar a adaptabilidade, a capacidade de inovação, a evolução, e a viabilidade organizacional enfrentando o risco e definindo processos de mudança. Para tal, a liderança estratégica assume a opção estratégica, desenvolve criativamente ideias, estabelece alianças, equilibra os diferentes interesses (neste caso) dos clubes e outras partes interessadas, procura recursos e constrói capacidades organizacionais para executar as coisas certas nos momentos certos sem medo do erro e represálias.

Mas, será este o perfil de líder que AVB deseja ter a liderar a Federação e a Liga? Em que ambos procuram a mudança disruptiva, conscientes que esse é o caminho independentemente das forças dominantes? Não creio e suporto-me em declarações de AVB no Summit 2025.

«Os três presidentes não se podem ver uns aos outros, mas temos um caminho obrigatório a percorrer no sentido de encontrar soluções para o futebol português». O provável entendimento de AVB é que a solução passa obrigatoriamente pelos três grandes, ou seja, sem estarem os três de acordo não podem existir mudanças disruptivas na indústria nacional do futebol. Esta linha é mais evidente quando afirma que «os grandes também não querem ficar a perder, porque a grande mais-valia do futebol português está precisamente neste patamar». Pode-se entender que a força competitiva dos três grandes é suficiente, por exemplo, para no mínimo manterem o nível de contratos atuais numa possível centralização de direitos de media. Isto é, no entendimento de AVB a primeira premissa de divisão contratual é os grandes manterem os valores atuais, o que restar é para distribuir pelos outros clubes. Isto porque, como afirma «os outros clubes da Liga também têm que se posicionar relativamente à especificidade do que é o futebol português».

Regressando ao líder estratégico forte (até poderia ter outro perfil), este no contexto do futebol profissional português em que existe a necessidade absoluta de mudanças estruturais disruptivas no que se refere ao quadro competitivo e à centralização dos direitos de media, deverá agir envolvendo os clubes ativamente no processo, comunicando de forma clara e frequente, promovendo a confiança e mantendo a calma, a coragem e a resiliência na defesa de uma solução que beneficie o aumento de competitividade desportiva através da melhoria dos futuros contratos individuais de media nos denominados pequenos clubes (eventualmente com regras que motivem o investimento e evitem SADs predadoras à caça do dividendo ou transferências de dinheiro via direitos desportivos). Pois, só com melhores recursos financeiros se conseguem atrair melhores jogadores e planteis, e simultaneamente construir academias geradoras de futuros talentos.

No entanto, as contingências atuais do mercado audiovisual sugerem que numa primeira fase os três grandes possam diminuir as suas parcelas do todo. Seguindo Aristóteles (384 a. C.–322 a. C.) para no futuro o todo ser maior que a soma das partes, o bem da indústria justifica um sacrifício temporário dos três grandes. Mas como referiu AVB «eu sou presidente do FC Porto, tenho que defender os interesses do FC Porto, evidentemente», como tal, primeiro eu, depois os outros. E será que defender os interesses do FC Porto é incompatível com os interesses da indústria como um todo? Não terão todos os clubes o mesmo interesse na expansão da competitividade desportiva e consequentemente da marca Liga Portugal?

Giuseppe Tomasi di Lampedusa no livro O Leopardo a páginas tantas afirma «para que tudo fique na mesma, é preciso que tudo mude» esta frase está próxima do que entendemos ser a base de pensamento de AVB sobre um líder forte: é aquele que protege os três grandes, eventualmente dando maior atenção ao FC Porto. Tudo pode mudar, mas o FC Porto tem que manter todos os direitos e até melhorá-los, o que para alguns comentadores foi a prática em uso durante muitos anos.

Os outros que se rendam à realidade. No entanto, a realidade atual requer a filosofia de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844–1900) em que sugere que para haver mudança o indivíduo deve transcender os valores antigos para criar novos (metamorfoses do espírito), num processo que exige a aceitação da incerteza e o fogo da transformação o que vai ao encontro das recomendações da gestão estratégica.

A terminar, até concordamos com AVB relativamente ás necessidades atuais da indústria portuguesa de futebol profissional necessitarem de líderes fortes e carismáticos. Contudo, acrescentamos ao pensamento de AVB que liderem pela integridade e transformem sem medo, com espírito de missão e força de protegerem uma estratégia de crescimento e sustentabilidade para todos. Tendo a honra de executarem o certo no momento certo.