O ridículo visível
D ENTRO de vinte dias, a 28 de junho, realizar-se-á o primeiro treino orientado por Jorge Jesus, tiro de partida para a temporada desportiva 2021/2022 e que o universo benfiquista aguarda com inusitada ansiedade, por desejar ver arrumado (não esquecido) um capítulo deprimente na história da águia e começar outro obrigatoriamente melhor do que este, em que muito se prometeu e nada se cumpriu. Foi um zero total em termos de conquistas.
A próxima época já levanta fervura, principalmente em relação ao Benfica, o qual, fruto da sua negligência competitiva, vai ter de entrar em ação mais cedo do que os seus rivais por imperativo de calendário, estando obrigado a disputar a terceira pré-eliminatória e depois o play-off para reservar lugar na Liga dos Campeões Europeus, um objetivo que, logo em agosto, para começo de conversa, vai influenciar os meses subsequentes: ou entra na Champions, e permite que o clube respire fundo, em face das contrapartidas financeira e desportiva, ou não entra, e será o prenúncio de outro ciclo negativo e de mais sofrimento para os adeptos.
Não quero dizer que assim será. Não tem de ser, mas é irrecusável que a ninguém passaria pela cabeça que a época agora concluída fosse o que foi: um fracasso absoluto com um investimento sem precedentes, como habilmente apregoam os grupos de associados mais ou menos organizados que se querem aproveitar do trabalho e da obra de Luís Filipe Vieira, por acaso reeleito há pouco mais de meia dúzia de meses, nas eleições mais concorridas de sempre, com quase dois terços dos votos (62,59%).
O Benfica continua a oferecer condições de excelência, ao nível do que melhor se conhece no mundo, é dono do seu invejado império patrimonial e é sinónimo de estabilidade. Não passou ao lado da pandemia, mas tem sido capaz de resistir-lhe, evitando o recurso a soluções de emergência por outros adotadas e revelando assinalável capacidade de combate que advém da sóbria política de gestão nos mandatos de Vieira.
Então, o que correu mal? A contratação do treinador, acho que é uma evidência incontornável. Pronto, dirão, lá está este tipo, que sou eu, a embirrar com Jesus.
Admito que não lhe gabo o estilo, nem a personalidade, mas também ele pouco se tem esforçado para me fazer mudar de opinião. Reconheço-lhe méritos, que os tem, mas na área do treino de competição os desafios estão em permanente evolução, por isso dou mais atenção à gente jovem que está a emergir, com saber e conhecimento, ideias novas, mentalidades arejadas e com mais futuro.
N O mesmo dia que foi noticiada a renovação de contrato entre o FC Porto e Sérgio Conceição, com discursos confluentes e agregadores, em que o presidente portista afirmou que o treinador não vai receber «nem mais um euro do que recebia no contrato anterior» e este retorquiu que no seu horizonte «está sempre o sucesso do FC Porto», nos corredores da Luz uma plataforma de conteúdos, chamada BPlay, inventou O rival invisível, em dois episódios, segundo li, que mais não é do que um conglomerado de desculpas que foram sendo dadas para esconder o indesculpável.
A pandemia foi tramada para o Benfica, pronto, mas até à linha de fronteira entre a normalidade e o presumível colapso (a 15 de janeiro), para o Campeonato a equipa de Jesus perdeu dez pontos em 14 jornadas, além de ter sido eliminada da Liga dos Campeões e de ter sido derrotada na final da Supertaça. Na Liga Europa, teve três empates (dois com o Rangers e um com o Standard Liège) e ficou em segundo lugar no grupo, o que não é registo elogioso. Portanto, sugere a sensatez que se mude de página…
Longe de mim, no entanto, a intenção de ofender quem quer que seja, mas a autoria do projeto apenas promoveu o ridículo visível, com uma lamechice fora de prazo e que até pode ferir a sensibilidade de cidadãos anónimos, simpatizantes ou não do Benfica, que sentiram na pele os efeitos deste maldito vírus. «Quantos caíram hoje?», perguntou o treinador ao médico. Como?...
O mundo de Jesus resume-se ao perímetro do seu umbigo. Até compreendo que diga ou faça coisas sem pensar, mas há limites.
Este documentário, ou o que se quiser chamar-lhe, quando devia estar a abrir as janelas para um tempo de esperança, de retorno às vitórias e aos títulos, faz exatamente o contrário, trazendo à colação desculpas mil vezes ditas e reditas para colocar no vírus o ónus de todas as culpas e começando a preparar as pessoas para a eventualidade de a Liga dos Campeões não passar de uma miragem, tal como no ano passado. Dir-me-ão que a finalidade não foi essa, mas parece…
Já o escrevi há mais de dois meses, numa altura em que se percebia que alguma coisa devia ser feita para desacelerar o percurso descendente do futebol encarnado. Ninguém ligou, mas insisto: é urgente Luís Filipe Vieira falar e colocar ponto final nesta aparente desordem. Os benfiquistas precisam de ouvir a sua voz. A única em que os verdadeiros adeptos acreditam.