Miguel Ribeiro tem 47 anos, começou como advogado do Varzim, onde trabalhou seis anos. Passou depois uma época no Marítimo, sete no Rio Ave e vai na oitava temporada como presidente do Conselho de Administração da SAD do Famalicão. Em grande entrevista a A BOLA, fala dos projetos do clube e da SAD; mas também (e sobretudo) do estado atual e futuro do futebol português

«O poder do futebol português está na rua»

Tem 47 anos, começou como advogado do Varzim, onde trabalhou seis anos. Passou depois uma época no Marítimo, sete no Rio Ave e vai na oitava temporada como presidente do Conselho de Administração da SAD do Famalicão. Em grande entrevista a A BOLA, fala dos projetos do clube e da SAD; mas também (e sobretudo) do estado atual e futuro do futebol português

— Que análise faz destas oito épocas na liderança do Famalicão?

— Um balanço positivo, naturalmente. Começámos numa época difícil, porque sabemos o que representa jogar no segundo escalão. Quando se está na Liga 2 a prioridade principal é sair dali o mais rápido possível porque, de facto, a Liga 2 é, talvez, a divisão mais complexa do futebol português. O melhor que nos aconteceu foi termos subido logo na primeira época. Chegados à primeira Liga, começámos muito bem, com uma equipa muito forte, mas a época foi interrompida pela Covid e, de facto, a Covid foi também um modo de pausa nesta rota de crescimento que prevíamos. Nestes últimos dois, três anos, sim, estabilizámos verdadeiramente. Crescemos como clube, crescemos como marca e financeiramente. Em três anos vendemos quase 80 milhões de euros, os quais foram investidos, tanto no plantel, como no Centro de Treinos, e hoje o Famalicão está verdadeiramente em rota ascendente.

— Tem batido às portas da Europa e há também aquele sonho que o Miguel tem de conquistar uma taça, nomeadamente uma Taça de Portugal. O que falta para conseguir dar esse(s) passo(s)?

— A questão europeia, de facto é um objetivo, algo que foi pensado até hoje num processo de evolução. Não queremos ir bater à porta da Conference League, fazer uma pré-eliminatória e vir embora. Nem queremos, no ano a seguir, sermos os candidatos número um a fazer mal. Por isso, queremos fazer um bocadinho como o Rio Ave, que é ir à Europa num ano, no segundo, terceiro… Vamos competir para a fase de grupos, vamos continuar a ser fortes no ano seguinte. A taça é diferente. É uma ambição que temos. Nós e muitos clubes. Já tive a felicidade de jogar uma final da Taça de Portugal com um clube que não os três grandes, no caso o Rio Ave e, de facto, representa muito. Mas estamos muito dependentes dos sorteios, percebemos que às vezes nem sempre é a consequência de um caminho. A entrada via campeonato é diferente, é a consequência de um caminho que entendo que estamos a percorrer.

— O Famalicão quer afirmar-se como quinta potência do futebol português?

— O Famalicão quer continuar a fazer o seu caminho de sustentabilidade, de progresso, de fazer evoluir um clube, de fazer melhorar os jogadores, de respeitar o jogo, de respeitar o mundo e o mercado onde trabalhamos, mas não tem a mínima ambição de entrar no campeonato das medições. A Liga, na sapiência dos seus estatutos, tem lá que é constituída por x clubes que disputam a 1ª Liga e x clubes que disputam a 2ª Liga. Eu acredito pouco nessa pseudonomenclatura do quinto e do sexto e do quarto. Há, objetivamente, três clubes maiores que os outros. Agora, num universo estrutural e institucional, acredito na dimensão muito equilibrada e acho que a equidade deverá presidir.

— Há dias, o presidente do Vitória de Guimarães manifestou o seu descontentamento por ter havido um almoço a quatro com Benfica, Sporting, FC Porto e SC Braga. Como analisa as declarações de António Miguel Cardoso?

— Ver este tipo de acontecimentos, almoços, reuniões, vários grupos, leva-me a acreditar que o poder está na rua. E isso é, verdadeiramente, algo que me preocupa. Está muito claro que as relações entre a Liga e a Federação deverão decorrer através dos presidentes. Mais a mais quando os temas são temas de Liga. Tanto quanto pude saber, os temas assentaram na questão das apostas, uma promessa do presidente da Federação quando era presidente da Liga. E quem vai cobrar esse compromisso, ou essa promessa? São quatro clubes. Agrada-me imenso o tema, desagrada-me imenso a forma. Até porque isso é, claramente, algo que deveria ter sido o presidente da Liga a fazer.

— Desenvolva um pouco o tema, por favor…

— Vão quatro clubes à Federação. A seguir, há outra meia dúzia de clubes que quer reunir grupos de WhatsApp e chamadas para preparar um conselho de presidentes. De repente, parece que cada pequeno grupo vai, à sua medida, reivindicar benefícios ou caminhos ou decisões que são coletivos.

— Há falta de liderança na Liga, neste momento?

— Vou responder ao contrário: eu gostaria que a Liga tivesse liderança. E acredito e espero que o presidente da Liga assuma a liderança que lhe foi conferida pelo voto. É muito difícil operar em Portugal, nas circunstâncias em que operamos hoje, com o barulho que existe à volta dos clubes, o Porto, o Benfica, o Sporting, mensagens permanentes para dentro — eu acredito que, muitas vezes, nenhum dos presidentes dos clubes grandes se reveja verdadeiramente no que diz e o diga muito para dentro. Não acredito que haja um verdadeiro sentimento coletivo de futebol português. Cada um olha por si, cada um está preocupado com as horas que descansa, com o que é que os direitos televisivos podem trazer, com todas as decisões que tenham verdadeiramente impacto apenas no seu clube.

— Não está otimista para a cimeira de presidentes de quinta-feira…

— Estou muito pessimista pelo que vejo, pelo clima crispado entre todos. Não me parece normal quatro clubes irem à Federação com um tema da Liga. Não me parece normal, numa reunião de calendários, quando a Liga apenas tem como tarefa marcar jogos, percebermos que há barulho à volta de tudo. Em relação à arbitragem nem se fala, está caótica, acho que os árbitros vivem em pânico.

— Que soluções têm o Miguel Ribeiro e o Famalicão para apresentar?

— Por princípio respeito os nossos líderes, cabe a eles e às suas equipas estabelecerem as soluções. Do nosso lado estamos muito mais no campo do diagnóstico, do que sentimos.

— Mas pode apresentar ideias, nomeadamente em contexto de cimeira de presidentes…

— Pode, e o Famalicão está sempre na linha da frente a apresentar ideias e soluções. Mas acredito que estas ideias e respetivas execuções terão de ser sempre na esfera dos líderes institucionais. Tenho opinião sobre tudo, mas não me parece correto chegar e dar as soluções nesta entrevista. São vários temas, à cabeça dos quais estará a centralização.

— O seu percurso enquanto dirigente desportivo tem sido reconhecido e o seu nome já foi falado para vários cargos. O que se vê a fazer numa fase seguinte do seu trajeto?

— Tive oportunidades, já depois de estar no Famalicão. Clubes de uma dimensão muito grande. Acontece que estou muito realizado hoje no Famalicão, porque o desafio ainda está a meio. Sou feliz no Famalicão. E isto só é possível porque temos a Quantum Pacific [empresa que detém a maioria do capital social da SAD], que tem uma confiança absoluta, uma confiança absoluta na propriedade, e eu, como presidente do Conselho de Administração, sinto-me em paz e motivado para fazer cada vez mais aqui.

— Permita-me abordar o tema de forma mais concreta. Falou-se no interesse do Benfica no Miguel, falou-se que havia clubes que desejavam a candidatura de Miguel Ribeiro às recentes eleições da Liga...

— É normal, porque o futebol português tem produzido bons jogadores, tem produzido bons treinadores e também tem produzido bons dirigentes. O José Boto ganhou agora a Libertadores, há diretores desportivos na Arábia Saudita, no Qatar, há o Luís Campos no PSG. Repare, o futebol português tem, na direção desportiva, o vencedor da Libertadores e da Champions League. Ora, se atestado maior fosse necessário… É normal que alguém com o meu perfil vá tendo umas propostas.

— Já falou um pouco sobre a Quantum Pacific, principal acionista da SAD do Famalicão. Permita-nos centrar esta questão em Idan Ofer, o rosto desse investimento. Por ser israelita e havendo um cenário de guerra no Médio Oriente, isso de algum modo condiciona o Famalicão?

— Absolutamente nada. Para nós, é um não tema, a presença da Quantum Pacific é o grande motor do Famalicão. É uma presença de investimento, é uma presença de acionista maioritário, tal como em Portugal inteiro, desde a banca à eletricidade, passando pelos seguros, carregado de investimento estrangeiro. Cada vez temos melhores SAD em Portugal. Acredito que, num futuro breve, estas SAD que operam hoje são claramente o futuro do futebol português e vão dominar. É pelas SAD que vamos criar algum equilíbrio, aproximar-nos dos três clubes maiores. A forma como o Moreirense vai operar, como o Famalicão já opera, como o Rio Ave vai operar, o Casa Pia, o Alverca, o Santa Clara...

— Mas isso deve-se a uma maior credibilidade dos acionistas que agora estão no futebol português? Porque há vários casos de insucesso nos últimos anos e alguns deles em clubes históricos.

— Houve uma primeira fase que as SAD tinham uma versão SOS. As SAD chamavam-se SAD, mas aquilo era SOS. Chegavam e vinham pagar contas de clubes absolutamente destruídos. E eles, naturalmente, caíram. Passados alguns anos, e acho que o Famalicão foi fundamental, modéstia à parte, para demonstrar que era possível construir uma SAD em que a identidade do clube, a identidade de uma região, a identidade de um conselho estivesse presente. O Famalicão e Famalicão andam sempre juntos. O impacto que o Famalicão, a SAD do Famalicão e o futebol que o Famalicão tem na sua comunidade é estratosférico, é talvez o maior impacto que existe em Famalicão.