«O poder do futebol português está na rua»
— Que análise faz destas oito épocas na liderança do Famalicão?
— Um balanço positivo, naturalmente. Começámos numa época difícil, porque sabemos o que representa jogar no segundo escalão. Quando se está na Liga 2 a prioridade principal é sair dali o mais rápido possível porque, de facto, a Liga 2 é, talvez, a divisão mais complexa do futebol português. O melhor que nos aconteceu foi termos subido logo na primeira época. Chegados à primeira Liga, começámos muito bem, com uma equipa muito forte, mas a época foi interrompida pela Covid e, de facto, a Covid foi também um modo de pausa nesta rota de crescimento que prevíamos. Nestes últimos dois, três anos, sim, estabilizámos verdadeiramente. Crescemos como clube, crescemos como marca e financeiramente. Em três anos vendemos quase 80 milhões de euros, os quais foram investidos, tanto no plantel, como no Centro de Treinos, e hoje o Famalicão está verdadeiramente em rota ascendente.
— Tem batido às portas da Europa e há também aquele sonho que o Miguel tem de conquistar uma taça, nomeadamente uma Taça de Portugal. O que falta para conseguir dar esse(s) passo(s)?
— A questão europeia, de facto é um objetivo, algo que foi pensado até hoje num processo de evolução. Não queremos ir bater à porta da Conference League, fazer uma pré-eliminatória e vir embora. Nem queremos, no ano a seguir, sermos os candidatos número um a fazer mal. Por isso, queremos fazer um bocadinho como o Rio Ave, que é ir à Europa num ano, no segundo, terceiro… Vamos competir para a fase de grupos, vamos continuar a ser fortes no ano seguinte. A taça é diferente. É uma ambição que temos. Nós e muitos clubes. Já tive a felicidade de jogar uma final da Taça de Portugal com um clube que não os três grandes, no caso o Rio Ave e, de facto, representa muito. Mas estamos muito dependentes dos sorteios, percebemos que às vezes nem sempre é a consequência de um caminho. A entrada via campeonato é diferente, é a consequência de um caminho que entendo que estamos a percorrer.
— O Famalicão quer afirmar-se como quinta potência do futebol português?
— O Famalicão quer continuar a fazer o seu caminho de sustentabilidade, de progresso, de fazer evoluir um clube, de fazer melhorar os jogadores, de respeitar o jogo, de respeitar o mundo e o mercado onde trabalhamos, mas não tem a mínima ambição de entrar no campeonato das medições. A Liga, na sapiência dos seus estatutos, tem lá que é constituída por x clubes que disputam a 1ª Liga e x clubes que disputam a 2ª Liga. Eu acredito pouco nessa pseudonomenclatura do quinto e do sexto e do quarto. Há, objetivamente, três clubes maiores que os outros. Agora, num universo estrutural e institucional, acredito na dimensão muito equilibrada e acho que a equidade deverá presidir.
— Há dias, o presidente do Vitória de Guimarães manifestou o seu descontentamento por ter havido um almoço a quatro com Benfica, Sporting, FC Porto e SC Braga. Como analisa as declarações de António Miguel Cardoso?
— Ver este tipo de acontecimentos, almoços, reuniões, vários grupos, leva-me a acreditar que o poder está na rua. E isso é, verdadeiramente, algo que me preocupa. Está muito claro que as relações entre a Liga e a Federação deverão decorrer através dos presidentes. Mais a mais quando os temas são temas de Liga. Tanto quanto pude saber, os temas assentaram na questão das apostas, uma promessa do presidente da Federação quando era presidente da Liga. E quem vai cobrar esse compromisso, ou essa promessa? São quatro clubes. Agrada-me imenso o tema, desagrada-me imenso a forma. Até porque isso é, claramente, algo que deveria ter sido o presidente da Liga a fazer.
— Desenvolva um pouco o tema, por favor…
— Vão quatro clubes à Federação. A seguir, há outra meia dúzia de clubes que quer reunir grupos de WhatsApp e chamadas para preparar um conselho de presidentes. De repente, parece que cada pequeno grupo vai, à sua medida, reivindicar benefícios ou caminhos ou decisões que são coletivos.
— Há falta de liderança na Liga, neste momento?
— Vou responder ao contrário: eu gostaria que a Liga tivesse liderança. E acredito e espero que o presidente da Liga assuma a liderança que lhe foi conferida pelo voto. É muito difícil operar em Portugal, nas circunstâncias em que operamos hoje, com o barulho que existe à volta dos clubes, o Porto, o Benfica, o Sporting, mensagens permanentes para dentro — eu acredito que, muitas vezes, nenhum dos presidentes dos clubes grandes se reveja verdadeiramente no que diz e o diga muito para dentro. Não acredito que haja um verdadeiro sentimento coletivo de futebol português. Cada um olha por si, cada um está preocupado com as horas que descansa, com o que é que os direitos televisivos podem trazer, com todas as decisões que tenham verdadeiramente impacto apenas no seu clube.
— Não está otimista para a cimeira de presidentes de quinta-feira…
— Estou muito pessimista pelo que vejo, pelo clima crispado entre todos. Não me parece normal quatro clubes irem à Federação com um tema da Liga. Não me parece normal, numa reunião de calendários, quando a Liga apenas tem como tarefa marcar jogos, percebermos que há barulho à volta de tudo. Em relação à arbitragem nem se fala, está caótica, acho que os árbitros vivem em pânico.
— Que soluções têm o Miguel Ribeiro e o Famalicão para apresentar?
— Por princípio respeito os nossos líderes, cabe a eles e às suas equipas estabelecerem as soluções. Do nosso lado estamos muito mais no campo do diagnóstico, do que sentimos.
— Mas pode apresentar ideias, nomeadamente em contexto de cimeira de presidentes…
— Pode, e o Famalicão está sempre na linha da frente a apresentar ideias e soluções. Mas acredito que estas ideias e respetivas execuções terão de ser sempre na esfera dos líderes institucionais. Tenho opinião sobre tudo, mas não me parece correto chegar e dar as soluções nesta entrevista. São vários temas, à cabeça dos quais estará a centralização.
— O seu percurso enquanto dirigente desportivo tem sido reconhecido e o seu nome já foi falado para vários cargos. O que se vê a fazer numa fase seguinte do seu trajeto?
— Tive oportunidades, já depois de estar no Famalicão. Clubes de uma dimensão muito grande. Acontece que estou muito realizado hoje no Famalicão, porque o desafio ainda está a meio. Sou feliz no Famalicão. E isto só é possível porque temos a Quantum Pacific [empresa que detém a maioria do capital social da SAD], que tem uma confiança absoluta, uma confiança absoluta na propriedade, e eu, como presidente do Conselho de Administração, sinto-me em paz e motivado para fazer cada vez mais aqui.
— Permita-me abordar o tema de forma mais concreta. Falou-se no interesse do Benfica no Miguel, falou-se que havia clubes que desejavam a candidatura de Miguel Ribeiro às recentes eleições da Liga...
— É normal, porque o futebol português tem produzido bons jogadores, tem produzido bons treinadores e também tem produzido bons dirigentes. O José Boto ganhou agora a Libertadores, há diretores desportivos na Arábia Saudita, no Qatar, há o Luís Campos no PSG. Repare, o futebol português tem, na direção desportiva, o vencedor da Libertadores e da Champions League. Ora, se atestado maior fosse necessário… É normal que alguém com o meu perfil vá tendo umas propostas.
— Já falou um pouco sobre a Quantum Pacific, principal acionista da SAD do Famalicão. Permita-nos centrar esta questão em Idan Ofer, o rosto desse investimento. Por ser israelita e havendo um cenário de guerra no Médio Oriente, isso de algum modo condiciona o Famalicão?
— Absolutamente nada. Para nós, é um não tema, a presença da Quantum Pacific é o grande motor do Famalicão. É uma presença de investimento, é uma presença de acionista maioritário, tal como em Portugal inteiro, desde a banca à eletricidade, passando pelos seguros, carregado de investimento estrangeiro. Cada vez temos melhores SAD em Portugal. Acredito que, num futuro breve, estas SAD que operam hoje são claramente o futuro do futebol português e vão dominar. É pelas SAD que vamos criar algum equilíbrio, aproximar-nos dos três clubes maiores. A forma como o Moreirense vai operar, como o Famalicão já opera, como o Rio Ave vai operar, o Casa Pia, o Alverca, o Santa Clara...
— Mas isso deve-se a uma maior credibilidade dos acionistas que agora estão no futebol português? Porque há vários casos de insucesso nos últimos anos e alguns deles em clubes históricos.
— Houve uma primeira fase que as SAD tinham uma versão SOS. As SAD chamavam-se SAD, mas aquilo era SOS. Chegavam e vinham pagar contas de clubes absolutamente destruídos. E eles, naturalmente, caíram. Passados alguns anos, e acho que o Famalicão foi fundamental, modéstia à parte, para demonstrar que era possível construir uma SAD em que a identidade do clube, a identidade de uma região, a identidade de um conselho estivesse presente. O Famalicão e Famalicão andam sempre juntos. O impacto que o Famalicão, a SAD do Famalicão e o futebol que o Famalicão tem na sua comunidade é estratosférico, é talvez o maior impacto que existe em Famalicão.
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