«O Estado não volta atrás na centralização de direitos TV só porque o clube A ou B quer»
— Gostávamos que nos falasse um pouco mais a fundo sobre a centralização…
— É um momento decisivo para o futebol português, que se pode dividir em dois ou três pontos. Há um ponto fundamental a abrir, que será talvez o tema mais polémico: o da distribuição. Trazer para esta parte da conversa o quanto valem os direitos televisivos só é trazer toxicidade à discussão, porque neste momento a discussão é apenas a grelha. Como se vai distribuir. Por isso não vamos trazer para cima da mesa se é para distribuir 5, 10, 20, 50 ou 100. Vamos tratar deste tema.
— Mas terá ideia de um valor justo pelo conjunto dos direitos…
— Não consigo, do ponto de vista institucional, legal e objetivo, estruturar uma resposta diferente desta que vos dou. A divisão é feita em percentagem, com regras. As regras caminham para a equidade. Não falo em igualdade. Quando falo em equidade é, havendo naturalmente um bolo a distribuir por igual por todos, olharmos depois para a tabela classificativa, para a presença social, para o que está a ser feito em Inglaterra, em Espanha, o que foi feito em França, o que está a ser feito em Itália, na Alemanha, na distribuição do remanescente. A comercialização é outra coisa. Nós temos de nos focar no que [20]26 está a pedir, a chave de distribuição. A Federação e a Liga — porque não é apenas a Liga, a Federação é parte no diploma. E este, digo-vos já, não acredito que seja adiado, cancelado, chame-se-lhe o que se quiser, não acredito. Acredito que o [20]26 e o [20]28 vão ser cumpridos, porque vivemos num Estado de direito.
— Até porque é imperial para os clubes…
— Não, acho que não é por isso. Acho é que vivemos num Estado de direito. E um Estado de direito que legislou não vai voltar atrás porque o clube A ou o clube B reivindicou. Entendo o momento, mas isto não é feito de momentos, é feito por decisões.
— Onde é que o Miguel coloca o Governo no meio desse comentário?
— O Governo já fez o que tinha a fazer.
— Mas mediante esta indefinição...
— Acredito que o Governo tem tanto com o que se preocupar que isto não será um tema.
— Não poderá, no limite, ter de ser necessária nova intervenção, porventura decisiva, do Governo?
— Acredito e espero que não, porque seria muito mau sinal. Seria sinal de que os clubes, em sede própria, não tinham chegado a entendimento. Foi-nos dado o poder para decidir, e só será devolvido ao Governo se nós não tivermos capacidade de decidir. Estamos a decidir um dos temas mais importantes da história do futebol português! Nós não podemos centralizar ou olhar para o futebol português e discuti-lo na base do «um mais um mais um mais um mais um» até perfazer trinta e tal clubes da Liga. Por isso falo da importância de uma liderança forte, que tenha a capacidade de agregar as várias vontades que estão em cima da mesa em nome de um bem comum. Algo que melhore o futebol português e não o clube A, B C. Basta olhar da nossa fronteira para fora e percebemos que a centralização foi algo que trouxe, verdadeiramente, melhoria coletiva. Olhamos para o ranking, procuramos as respostas e uma das respostas do ranking está aqui, numa melhoria coletiva que permita aos clubes serem mais competitivos. O poder tem de deixar de estar na rua. É aqui que entram as instituições que foram legitimadas pelo voto. Se olharmos para este tema clube a clube, acreditem que isto vai ser um desastre.
— Em tese, como vê a relação entre o clube que recebe mais e o clube que recebe menos? Porque no final do dia é assim que se faz a conta.
— Já nem quero ir a Inglaterra, que tem aqueles rácios de dois ou dois e meio, entre o que recebe mais e o que recebe menos. Há um primeiro bolo que naturalmente terá de ser distribuído por igual. E depois vamos trabalhar em cima dos outros 50 por cento. A presença social, questão dos shares, a pontuação, naturalmente. E aí vamos majorar cada um deles. Naturalmente quem está em primeiro vai receber muito mais, o segundo muito mais e por aqui abaixo, cada um muito menos.
— Como analisa, não só nesse tema como noutros, as presidências atuais de Reinaldo Teixeira na Liga e de Pedro Proença na Federação?
— A presidência de Reinaldo Teixeira na Liga tem meses e vai ter aqui estes pontos importantes, nomeadamente a questão da centralização. É um mandato muito complexo, porque é curto. Reinaldo Teixeira venceu umas eleições intercalares, o que só vai dar até 2027, e isso acredito que também limite um pouco a atuação. Acho que terá de ser feito muito mais. A competição não está melhor… Espero que quinta-feira, no conselho de presidentes, ele nos dê um sinal efetivo de qual é o futuro, porque é a penúltima cimeira antes da apresentação da grelha. A não ser que deixe para a última… Acredito e espero que o mandato de Reinaldo melhore em relação ao que foi até aqui.
— E Pedro Proença?
— Herdou uma federação forte, até hoje está a fazer bem, está a ter a capacidade de manter, desportivamente, uma federação de sucesso. Acredito, porque o conheço bem, que também vai querer fazer, na senda do que fez Fernando Gomes. Eu estou há 24 anos na Liga e nós somos uma geração que sucede a uma geração muito forte de dirigentes: Pinta da Costa, Luís Filipe Vieira, Fernando Gomes, Valentim Loureiro, outros players à volta do futebol, como Joaquim Oliveira. Estamos a falar de um futebol português forte, que tomou decisões importantes. E um dos grandes desafios desta geração atual é também honrar o que foi feito até aqui. Acredito que Pedro Proença continua a senda do que estava a ser feito numa federação de sucesso. Acho que tem desafios com o futebol profissional muito, muito importantes. Tem o Conselho de Arbitragem, algo de fundamental para um futebol português melhor. Acredito numa arbitragem melhor, menos errática, com uma relação melhor entre o VAR e os árbitros. Os árbitros ainda apitam em sobressalto.
— Mas isso não é cultural? Tem a ver com a própria dimensão dos clubes? Será sempre assim?
— Acho que vamos conseguir evoluir. Não é o erro que está em questão, porque errar vamos errar sempre. A forma como nós trabalhamos e condicionamos o árbitro pré e pós-jogos é que eu acredito que terá de mudar. O Conselho de Arbitragem tem um papel fundamental no pré na forma como o jogo é preparado, na forma como as instruções são dadas aos árbitros, na forma como o quadro de árbitros é construído e protegido. A relação VAR-árbitro é algo que já deveria ter evoluído, porque já temos anos suficientes de experiência.
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