Inabilidade, impreparação ou incompetência?
Chamemos-lhes episódios, ocorrências ou acontecimentos. Os que identifico infra decorreram nas últimas semanas e envolveram os três clubes mais representativos da Liga Portugal: FC Porto, Benfica e Sporting. Independentemente de preferências ou amores clubísticos individuais, há juízos e avaliações que se devem colocar para lá e a salvo desse circunstancialismo que, não raras vezes, tolda o discernimento avaliativo. Adepto, sócio ou mero simpatizante do produto futebol acompanha com interesse e entusiasmo as várias incidências que, semana após semana, preenchem horas de comentário televisivo e alimentam as parangonas dos diários da especialidade.
Vamos, então, dar mais um contributo para o debate, socorrendo-nos da fita do tempo:
Episódio 1: 5 de outubro, minuto 88 do jogo que colocou frente a frente FC Porto e Benfica, no Estádio do Dragão. Deniz Gul é ostensivamente agarrado por António Silva, dentro da grande área. O árbitro do encontro, Miguel Nogueira, nada assinala, decisão que é corroborada pelo videoárbitro, Bruno Esteves. O jogo terminaria empatado a zero.
Episódio 2: 31 de outubro, Sporting recebe o Alverca em Alvalade na 10.ª jornada. Minuto 52, o defesa-central Diomande empurra e carrega Marezi pelas costas. Lance para livre direto. Acresce que o jogador do Alverca seguia na direção da baliza, a curta distância, sem que nenhum outro defensor pudesse intervir na jogada. Dada a circunstância, Diomande deveria ter sido expulso. Como é consabido a análise à amostragem de cartões vermelhos diretos faz parte do protocolo de verificação do VAR, que, ao atuar por omissão neste lance, incorreu em erro manifesto. Árbitro do encontro, António Nobre, coadjuvado pelo VAR Rui Oliveira.
Episódio 3: 1 de novembro, minuto 45+1. No final da primeira parte, Sudakov, com uma entrada dura, a destempo, acaba por atingir o pé e a canela de Samu, capitão do Vitória, que sai visivelmente maltratado do lance. Decisão do árbitro da partida, João Pinheiro: admoestar o jogador encarnado com o cartão amarelo. Ainda no mesmo jogo, corria o minuto 56 da segunda parte, e o jogador Fábio Blanco tem, à semelhança do que ocorreu com Sudakov, uma entrada dura sobre Leandro Barreiro. Decisão do juiz da partida: exibir cartão vermelho direto ao jogador do Vitória.
Episódio 4: 8 de novembro, jogo nos Açores que coloca Santa Clara e Sporting na disputa pelos três pontos. Minuto 90+3 do tempo complementar, com o jogo empatado a 1 golo, Geovany Quenda, numa disputa com o defesa do Santa Clara, atira, ele próprio, a bola pela linha de fundo… numa decisão esdrúxula, o árbitro assistente Ângelo Correia, assinala pontapé de canto a favor do Sporting (!). Deste lance nasce o golo de Morten Hjulmand, aos 90+4', que acaba por selar a vitória e a conquista dos três pontos para a equipa de Alvalade.
Quatro lances que ajudam a retratar de forma fiel o nível de desempenho de alguns árbitros nacionais a atuar nas ligas profissionais. Lances similares, a merecerem interpretações diametralmente opostas das leis de jogo, que redundam em decisões incompreensíveis para o público em geral.
Numa fase em que se discute a eventual profissionalização da arbitragem em Portugal, seria conveniente iniciar o processo por uma avaliação rigorosa e independente das capacidades e competências que, individualmente, cada juiz vai evidenciando semanalmente. Vale a pena questionar se, no atual quadro de profissionais, não constará um ou outro perfil que manifestamente não reúne as condições mínimas necessárias para alcançar um desempenho satisfatório na função.
Seja por incapacidade de, à luz dos regulamentos, ajuizar de forma célere e assertiva uma ocorrência de jogo, seja pela dificuldade em manter o controlo emocional, em ambiente de elevada pressão, de modo a assegurar que todas as decisões, tidas durante os 90 minutos, merecem idêntica equidade de avaliação. Ocorram aos 10', 15' ou aos 90+3'da partida.
O atual Conselho de Arbitragem e a direção técnica nacional vêm demonstrando a intenção de renovar e requalificar o corpo de arbitragem existente, apostando no rejuvenescimento da classe. A este propósito sublinhe-se que cerca de 40% dos atuais árbitros têm três anos ou menos de experiência na Liga e 25% contam apenas com dois anos ou até menos. 67% dos videoárbitros têm menos de 50 jogos no desempenho da função e cerca de 30% só se estrearam na presente época desportiva.
Surge, por isso, a dúvida se a Liga Portugal é o ecossistema adequado para proporcionar estágios profissionais a agentes desportivos, cujas decisões têm implicações profundas no normal desenrolar da prova e impacto decisivo na classificação final da competição.
Processos de aprendizagem que podem custar pontos às equipas em contenda e fazer perigar muitos milhões de euros de investimento aos clubes, devem decorrer em ambiente controlado, preferencialmente em salas de aula, e em competições não profissionais. Em alternativa sugere-se a mobilização de ex-atletas de futebol profissional que, findo o percurso enquanto jogadores, demonstrem abertura e interesse em iniciar um percurso na arbitragem, isto com a vantagem de fazer coincidir no mesmo perfil experiência dentro do retângulo de jogo e conhecimento da legislação. Fica a sugestão.