Veríssimo, António Silva, Mário Branco e não só: presidente da APAF comenta polémicas
Perante mais um momento conturbado para a arbitragem nacional, o presidente da APAF analisa as polémicas mais recentes da Liga. Neste excerto da entrevista a A BOLA, José Borges fala do caso da televisão no balneário de Fábio Veríssimo no Dragão, da queixa da associação que lidera contra António Silva, da expulsão de Mário Branco e não só.
— Tivemos recentemente uma denominada greve de zelo dos árbitros, e também o protesto agora na 11.ª jornada dos escalões profissionais, em que os árbitros entravam em campo antes das equipas. Estas ações, algo discretas, digamos assim, acabam por ter alguma utilidade prática?
— Naturalmente que sim. Tanto que têm este reflexo. Por isso é que estamos aqui hoje e por isso é que nós levámos estas discussões todas à Federação e à Liga. São dois temas diferentes. A greve de zelo foi num sentido de maior pressão para chegarmos a um entendimento com o Conselho de Arbitragem sobre algumas coisas que achávamos que deveriam ser retificadas, e esta agora tem a ver mais com a atualidade daquilo que se está a passar e a impunidade que se tem visto, e da liberdade de expressão que se tem visto em algumas críticas à arbitragem e aos árbitros.
— O FC Porto mostrou-se solidário com o protesto dos árbitros, no jogo de Famalicão, mas na semana anterior tinha existido aquele episódio do vídeo no balneário da equipa de arbitragem do Fábio Veríssimo, que foi reportado no relatório. O que pensa disto?
— É muito difícil dar essa explicação. Não me irei alongar muito nessa explicação, pois são matérias disciplinares, está no Conselho de Disciplina, não me poderei pronunciar muito sobre ela. Mas se o FC Porto decide aliar-se a este protesto é porque, naturalmente, entende que, se calhar, as atitudes praticadas não foram as melhores, ou porque, de facto, também está solidário com a arbitragem e acha que a arbitragem não pode ser tão criticada e tão especulada.
—Uma das propostas apresentadas agora pela APAF pretende, de certa forma, atacar episódios como este, não é?
— Claro. Estes episódios não se podem repetir, não se coadunam com a atualidade do desporto. Faz-nos relembrar algumas coisas do passado e não queremos, de maneira alguma, regredir no tempo. Queremos é evoluir. Temos aqui um trabalho pela frente para fazer, todos. Até a própria arbitragem tem de se incluir nesse todo, e é nesse sentido que nós queremos evoluir.
— A APAF decidiu também fazer uma participação a respeito de António Silva, jogador do Benfica, pelas declarações no final do jogo com o Casa Pia. Não é muito habitual a APAF apresentar reclamações relativamente a jogadores, por norma isso verifica-se sobretudo com dirigentes e treinadores. Teve a ver com aquela declaração da «arbitragem condicionada»?
— Teve a ver com isso. Temos um departamento jurídico que analisa todas essas notícias, textos ou conferências, que vêm denegrir a imagem da arbitragem. Eles avaliam e, se existir matéria que entendam que é para enviar para o Conselho de Disciplina, nós enviamos. Não está em causa se é jogador, treinador, presidente ou se é outro dirigente qualquer. É desde que exista matéria para tal. Esse é o procedimento, que já vinha a ser feito no passado, na APAF. O departamento jurídico é composto por três pessoas ligadas ao desporto, advogados da área do desporto. Temos a inteira confiança nessa equipa e sabemos que essa análise é feita com rigor. São três até para não dar empate na decisão tomada, e a grande maioria dos processos tem sido punida pelo Conselho de Disciplina, o que nos leva a crer que o trabalho está a ser bem feito.
— E que comentário lhe merece a reação do Sindicato de Jogadores, que saiu em defesa do António Silva?
— Acho que o Sindicato de Jogadores tem todo o direito de não concordar com a APAF ter apresentado a queixa. Quando apresentamos a queixa é porque entendemos que há matéria para isso. E o Sindicato de Jogadores não concordar até não me espanta muito. Até porque ele também têm que defender os seus associados, como nós defendemos os nossos. No comunicado fala em pacto. O único pacto que esta APAF tem, esta direção, é com os nossos associados. Não temos pacto com mais ninguém. Respeitamos todos. Queremos ser respeitados da mesma maneira. E é por isso que nós fazemos este tipo de ações. Queremos ser respeitados, acima de tudo.
— Tendo em conta alguns relatórios de jogo recentes, que vieram a público, mas também considerando aquilo que Duarte Gomes e Luciano Gonçalves disseram na conferência de imprensa desta semana, do orgulho sentido quando os árbitros dizem a sua verdade, fica a ideia de que existe uma intenção ou uma mensagem para que os árbitros incluam nos seus relatórios coisas que, porventura, anteriormente eram ignoradas. É assim?
— Eu não sei se, no passado, os árbitros omitiam alguma coisa que se passasse. Eu penso que não, que isso não acontecia. Estes factos que aconteceram recentemente foram relatados e bem, porque só assim é que conseguimos combater algumas coisas menos corretas. Os árbitros têm a obrigação de relatar no relatório tudo aquilo que se passa e que seja da competência deles. E é isso que nós pedimos aos árbitros, porque é dessa forma também que vamos defender a nossa classe. Depois são avaliados em sede própria.
— E que comentário lhe merece aquilo que foi dito por Mário Branco, diretor-geral do Benfica, ao árbitro do encontro com o Casa Pia, Gustavo Correia? São estas situações que a APAF defende que devem ter punição bem mais pesada? Enquadra-se nisso?
— Neste tipo de declarações [as punições] têm de ser sempre mais pesadas, porque são declarações que não são bem-vindas de ninguém, muito menos de uma pessoa que tem uma responsabilidade acrescida para com o futebol.
— Onde é que acaba a liberdade de expressão e onde é que começa a infração disciplinar? Essa avaliação é difícil?
— Eu não acho que seja tão difícil. Quando alguém critica um árbitro porque este cometeu um erro, porque, no seu entendimento, houve uma decisão mal tomada no jogo, de análise de um lance, nós não nos fechamos a essa crítica. Podemos ser criticados, podemos ser avaliados nesse ponto de vista. Quando ultrapassa para aquilo que é a idoneidade do homem, do árbitro e da imagem e da responsabilidade do árbitro, aí já não. Aí nós temos que intervir, porque isso já extrapola um pouco aquilo que é o jogo, a decisão tomada. Isto é para nós, como para qualquer interveniente ao jogo. Também não vemos árbitros dizer que o jogador A, B ou C falhou um golo e que foi propositado. Não, não é. O erro faz parte. E todos nós estamos sujeitos a essa crítica.
— E a liberdade de expressão dos árbitros também não deveria ser outra? A verdade dos árbitros não deveria ser apresentada na primeira pessoa?
— Têm entidades próprias para o fazer, para explicar até algumas decisões que eles tomam dentro do terreno de jogo. Têm uma entidade própria na Federação e no Conselho de Arbitragem para fazer isso. Acho que, para já, deve ser assim, porque não sei se nós, cá fora, estamos preparados para que se mude assim tão radicalmente.
— Concorda com esta estratégia de comunicação da FPF, que tem sido muito personalizada em Duarte Gomes, de analisar os casos de arbitragem num programa televisivo quinzenal, e ainda um outro programa semanal, mais lúdico?
— Concordo. Primeiro, humaniza a imagem do árbitro. Depois explica às pessoas aquilo que naturalmente é preciso ser explicado, que é a regra do jogo. E porque é nisso que temos que nos focar. É na regra do jogo, se a decisão foi bem ou mal tomada, também consoante o que é exigido pelas leis de jogo. E se não houver ninguém que possa explicar isso de uma forma aberta e tranquila, vamos sempre continuar a pensar pela nossa cabeça e pela nossa ideia, que nem sempre é correta.
— E como é que a classe dos árbitros acolheu esta figura que é nova, a do diretor técnico?
— De boa forma. Tudo o que seja uma mais-valia para a arbitragem, acolhemos sempre de boa forma. Tudo o que seja para acrescentar, é bom.
— Mas que benefícios vê, em concreto, neste papel que está a ser desempenhado agora por Duarte Gomes?
— Neste momento, infelizmente, ainda não estamos a ver aquilo que se pretende deste projeto, se calhar. Porque o projeto em si é mesmo desmistificar as decisões que os árbitros tomam, explicar porque é que elas aconteceram, mesmo quando são erradas. Isso é importante também dizer. Os árbitros assumem os erros e sabem reconhecer quando erram. E esse papel é mesmo isso, é explicar às pessoas o porquê do erro. E isso também tira uma subcarga de cima do árbitro.