Farioli, sete letras apenas
Sete. Este é um número que me faz pensar, e olhar o que o futebol melhor produziu. Não apenas pelos jogadores que envergaram a camisola, mas porque sempre foi desejado ao longo dos tempos. O sete e o dez sempre estiveram na mira dos melhores jogadores, e a componente cabalística do sete foi a melhor, a mais absoluta e acabada demonstração de sucesso.
Agora, o melhor treinador que o FC Porto assumiu nos últimos largos anos conseguiu sete vitórias consecutivas. Sem deixar de ser o melhor da Liga, talvez ainda não seja o melhor em Portugal. Mas falta pouco, em varias versões…
Alinhemos perspetivas: o italiano que André Villas-Boas descobriu no Ajax tem ideias. Sabe como quer que as suas equipas joguem, entende a tarefa hercúlea da gestão de um plantel, percebe as particularidades de um clube latino, habituado a ganhar (verbo tão abrangente que muitos se esquecem do modo certo de o conjugar), domina a comunicação como poucos.
Tem boa imagem, o que lhe permite o benefício da dúvida e, quando abre a boca numa conferência de imprensa, ainda que para fazer face às repetidas e estafadas questões básicas do costume (na maioria das vezes da autoria de desajeitados e pouco experientes profissionais), sabe o que diz. E isso é determinante para o sucesso, mesmo em Portugal. Ter boa imprensa, conseguir o respaldo de alguns media, surpreender pela positiva, não é para todos.
Sobretudo quando se fala pausadamente. Não é necessário um curso rápido de língua portuguesa, basta um inglês técnico eficiente, com um semblante tranquilo, um meio sorriso nos lábios e uma compreensão infinita para com perguntas básicas. E ir, aí sim, para além do básico. Tratar de falar de futebol, do seu métier, com mestria e gosto. Assim tem sido Farioli, percebendo as realidades que o rodeiam e enquadram.
O italiano compreende o momento específico do seu clube. Vindo de um consulado diretivo presidencialista de sucesso infinito ao longo de quatro décadas, com a necessidade emergente de refletir, repensar, alterar modelos de comportamento e organização, e… continuar a ganhar.
Porque essa é a essencial premissa do desporto de alto rendimento, ainda por cima alicerçado numa matriz bairrista, acolhedora mas exigente, participativa mas questionante. Farioli leu bem o guião, e interpretou melhor o cenário onde iria atuar. Sabe que na casa do Dragão o que essencialmente se pretende é ganhar jogos e competições, independentemente da obrigação de formar (segunda via, neste momento, até em face da reconversão estrutural do Centro de Alto Rendimento do Olival), da capacidade de comunicar e da limitação de contratar.
Ademais, esta temporada, Villas-Boas compreendeu em pleno o horizonte da Liga portuguesa, com um Sporting na mesma linha de pensamento e atuação das duas últimas épocas, mas sem o seu principal elemento e despojado da respetiva capacidade goleadora, e com um Benfica em ano eleitoral, com lutas intestinas pelo poder e irregular no modo como abordava a competição.
Foi uma espécie de ri melhor, quem ri por último, a perspetiva do antigo observador, adjunto, treinador e piloto de ralis. E revelou-se (está a revelar-se) conceptualmente correta e ideologicamente ideal.
Do que o FC Porto necessita, numa primeira abordagem, é de confiança.
Na história, retomando um trilho de ligação e interação com a cidade e a região.
Na organização, refazendo, reconstruindo e envolvendo todos num projeto estruturado, com objetivos de curto, médio e longo prazo que reflitam um pensamento adequado no espaço e no tempo.
Nas finanças, modernizando e adequando pensamentos e procedimentos, credibilizando o emblema, fazendo dele great again por uma política gestionária de previsão, sustentação e rigor, sem privilégios e subterfúgios, com racionalidade e consistência.
Nos resultados, recomeçando a construir um trilho vencedor, capaz de aliciar pela transparência e pelo brilho, pela decência e pelo compromisso.
Farioli percebeu tudo isso. O italiano entendeu ser parte de um projeto global e desafiante, em que a vitória a cada noventa minutos representa um passo para que o cimento sedimente no edifício azul e branco, mas que tal só pode (deve) ser alcançado com a tranquilidade de quem sabe o chão que pisa e os escolhos do caminho que escolheu.
Promove a rotação quase total dos elementos ao seu dispor, projetando um quadro de imprevisibilidade e competitividade interna notável.
Suplanta o momento (não esquecendo a sua importância), trocando-o pelo espírito de grupo sob controlo, em que todos sabem o que têm de fazer e qual o respaldo (total) do seu responsável máximo.
Exibe uma extraordinária capacidade de aturar uma imprensa cada vez mais básica e inconsequente, dando a volta por cima com noções importantes de media training, que lhe permitem um discurso fluido, honesto e compreensível.
E ganha. Ponto final. Ganha, a tal magia única da bola que bate na trave e entra, do momento de inspiração no último momento, na leveza de um grupo de jogadores que luta até ao derradeiro apito do árbitro.
Se pedissem a Farioli uma primeira página perfeita, para um livro de memórias, seria escrita com estes ingredientes. Há um Veni, Vidi, Vici no Dragão.
A próxima pergunta é: será suficiente?…