Apresentação da equipa FC Porto W52 Quintanilha, em 2020 - Foto: Paulo Santos
Apresentação da equipa FC Porto W52 Quintanilha, em 2020 - Foto: Paulo Santos

Esta também é uma história de jornalismo

Uma sentença que é um marco na história do desporto em Portugal e as memórias de quem ainda vivia a adrenalina de dizer a verdade primeiro que todos os outros

Esta também é uma história de jornalismo: quando me pedem um exemplo do que é a paixão por esta profissão vem-me sempre à memória as chamadas, mensagens e conversas ritmadas e acaloradas do saudoso Fernando Emílio sobre os constantes casos de doping que infelizmente mancharam o ciclismo, uma grande modalidade que tanto amava.

Recordei-me dele quando soube da sentença decretada ontem pelo tribunal a Adriano Quintanilha e Nuno Ribeiro, o antigo patrão da W52-FC Porto e o então diretor desportivo da equipa, respetivamente. Das constantes cachas que ele dava sobre este caso, dos ataques que sofria por escrever nada mais que a verdade e do gosto que ele, já numa idade que pedia sopas e descanso, tinha por toda aquela adrenalina, totalmente adaptado ao conceito da informação no imediato. De publicar primeiro. De escrever a informação certa. De marcar a agenda.

Foi graças a ele e à sua determinação que fui acompanhando de muito perto um feio enredo que abala as fundações de um desporto de longa tradição em Portugal, talvez mesmo dos mais populares no verdadeiro sentido do termo, aquele que se entranha nas mais diferentes camadas da sociedade, mesmo que apenas de forma espaçada no tempo. Mas basta passar os olhos pelas ruas e estradas na Volta a Portugal para entender o impacto que tem na população. Não varia muito do retrato da final da Taça de Portugal – a festa do povo. À antiga. Como deve ser, permitam-nos.

O processo ainda irá decorrer os seus trâmites em sede de recurso, mas a decisão do tribunal de Paços de Ferreira em determinar a prisão efetiva de dois altos responsáveis de uma equipa de ciclismo é tão reveladora da gravidade dos atos como merecedora de uma profunda reflexão que deve abranger todos, dos clubes à federação, passando pelas mais altas instâncias que tutelam este grande ecossistema.

Apesar de nunca ter sido um grande especialista de ciclismo do ponto de vista enciclopédico, não há desportista pelo qual tenha mais admiração que alguém disposto a desafiar os limites do ser humano numa prova de duas ou três semanas, numa luta diária contra tudo: elementos, concorrência, o próprio. É por isso que os desempenhos de João Almeida têm audiências notáveis nos media. Porque como qualquer povo, os portugueses gostam dos seus heróis. Só não gostam de batota. O jogo sujo que fazia o Fernando subir pelas paredes porque manchava uma modalidade pelo qual ele lutava tanto. Um abraço para ti, Emílio, estejas onde estiveres.