Mercado vai mudar e os grandes portugueses serão prejudicados
Qualquer presidente de clube de pequena e média dimensão (todo o ecossistema português, portanto) deveria estar muito preocupado com a ameaça que paira nas instâncias jurídicas do Velho Continente sobre a alteração profunda no mercado de transferências de jogadores no espaço da União Europeia (e também no Reino Unido). Se as previsões de muitos juristas estiverem corretas, a médio prazo os futebolistas poderão vir a rescindir unilateralmente com os seus clubes de uma forma que hoje seria impensável, tornando as cláusulas de rescisão um anacronismo e reduzindo drasticamente os valores das transferências.
Por enquanto isto está apenas no plano hipotético, mas neste mês houve um comunicado em conjunto da UEFA, FIFPro (sindicatos), Associação das Ligas Europeias e Associação dos Clubes Europeus no qual se pede um diálogo social com a União Europeia com o propósito de encontrar uma cura para a ferida aberta após o caso Diarra.
Recorde-se que em outubro de 2024 o Tribunal de Justica da União Europeia deu razão ao médio francês na ação que tinha interposto, em 2015, contra a FIFA, por ter sido impedido de rescindir unilateralmente com o Lokomotiv e assinar pelo Charleroi, da Bélgica, um ano antes. O ex-jogador do Real Madrid não só ficou impedido de jogar durante um ano como ainda foi obrigado a pagar 10,5 milhões de euros de indemnização ao clube russo.
Na sentença, a instância máxima da UE declarou que o artigo 17.2 do regulamento de transferências da FIFA «obstaculiza a livre circulação de jogadores e restringe a concorrência dos clubes», ou seja, viola os valores fundamentais do espaço europeu.
Na sequência dessa decisão houve outra ação contra a FIFA, em agosto de 2025, pela Players’ Justice Foundation (PJF), uma fundação com sede nos Países Baixos e que conta com o apoio do advogado Jean-Louis Dupont, que defendeu Lass Diarra e Jean-Marc Bósman em 1995 (que viria a criar a Lei com o nome do avançado belga). Tendo por detrás também o suporte das federações neerlandesa, francesa, alemã, belga e dinamarquesa, a PJF pede uma indemnização de valores bíblicos, que pode beneficiar cerca de 100 mil futebolistas que tenham jogado na UE e no Reino Unido desde 2002. De acordo com a queixa, o regulamento de transferências da FIFA tirou, em média, cerca de oito por cento de rendimento a todos os jogadores ao longo de mais de 20 anos.
Além das questões financeiras, a Players’ Justice Foundation também questiona a própria jurisdição da FIFA no espaço europeu, considerando que este modelo de justiça privada não se coaduna com o enquadramento da União.
Ainda será prematuro tirar conclusões, mas é cada vez mais certo que alguma coisa vai mudar e que os jogadores vão ter maior margem para rescindir os seus contratos sabendo de antemão quanto têm de pagar (e se têm mesmo de fazê-lo).
Em suma, uma aproximação do quadro legal dos futebolistas ao regime laboral dos cidadãos comuns da União Europeia dará ainda mais poder aos clubes que podem pagar maiores salários, logo será mais prejudicial aos emblemas que têm a venda de passes de jogadores como principal fonte de riqueza. Ainda não há projeções oficiais de perdas, mas é plausível admitir quebras de 20 a 30 por cento (perspetiva moderada) ao ano.
Isto levará, mais cedo ou mais tarde, a um reajustamento dos modelos de negócio dos clubes de ligas como a portuguesa, exportadoras por natureza e necessidade. Num momento em que se discute mais a fundo a centralização dos direitos televisivos, nunca como agora faz sentido um olhar ainda mais abrangente sobre o caminho que se quer trilhar. Se não ocorrerem mudanças profundas nos próximos dois/três anos, o definhamento pode tornar-se uma realidade para muitos.