Duas jornadas à porta fechada
No Brasil, repetem-se as cenas terríveis nas bancadas dos estádios, de gritos homofóbicos e racistas a brigas entre adeptos, de cadeiras arremessadas para o relvado a adeptos com pistolas à cintura. Qualquer dia, as autoridades civis e desportivas decretam jogos, ou mesmo jornadas, à porta fechada.
Uma claque organizada, por exemplo, cantou em coro 'LGBT não pode bater penálti', para nítido constrangimento do cobrador em causa.
Adeptos junto à linha lateral chamaram um jogador de 'x-tudo', que significa, nos cardápios brasileiros, um hambúrguer com todos os ingredientes e, na gíria local, alguém gordo demais.
Ofensas raciais ou relacionadas à proveniência do jogador, seja de um bairro mais pobre da cidade ou de uma região mais vulnerável do país, são registados às centenas.
Os árbitros são chamados de pedófilos, de tarados, de pervertidos e de outros insultos irreproduzíveis.
A polícia já teve de intervir em 46 ocasiões, apenas em agosto, por ameaças de morte entre adeptos. Um, a jogar em casa, desfilou no setor dos visitantes com a arma à cintura. Outros, detonaram uma bomba que causou ferimentos ligeiros em espectadores. Uma mulher alcoolizada caiu da bancada, ferindo-se a ela e a mais adeptos. Apanha bolas e auxiliares são alvo constante do lançamento de líquidos. Um jogo foi até interrompido após um monte de ténis velhos ter sido atirado para o relvado.
Qualquer dia, como foi escrito no início do texto, as autoridades civis e desportivas decretam jogos, ou mesmo jornadas, à porta fechada.
Pois esse dia chegou: por decisão do tribunal de justiça, a federação decidiu fechar os portões em duas jornadas.
Os estádios do Brasileirão vão estar, então, vazios? Não, os casos acima não foram registados nos muito policiados jogos da Série A. Nem nos menos vigiados encontros das séries B, C, D ou dos estaduais disputados nos rincões mais recônditos do imenso Brasil.
O caso é, futebolisticamente falando, menos mediático — mas, socialmente falando, mais grave ainda: o campeonato punido com duas jornadas à porta fechada por gritos homofóbicos, racistas e preconceituosos, em cujos estádios circulam adeptos armados com pistolas e bombas a ameaçarem-se uns aos outros em bancadas de onde chovem objetos que atingem os jogadores e outros protagonistas é o Paulistão de… sub-12.
«Registámos episódios inaceitáveis de conduta de adultos nos jogos dos atletas das categorias mais jovens, em vez de respeito e alegria nas bancadas, vimos maus exemplos», disse Mauro Silva, campeão do mundo pelo Brasil em 1994 e espanhol pelo Deportivo em 2000, hoje vice da federação paulista, para justificar a suspensão.