Que caminhos para o treinador português?
Nos últimos anos, criou-se a narrativa de que Portugal tinha dos melhores treinadores de futebol do mundo. A verdade é que, durante largos anos, José Mourinho venceu tudo o que havia para vencer, conquistámos o Euro-2016 com Fernando Santos, vencemos a liga francesa, cipriota, sul coreana, equatoriana, grega e ucraniana, bem como vários campeonatos no continente africano. E o Brasileirão tem sido dominado, nas épocas mais recentes, por técnicos portugueses, bem como no Médio Oriente e por aí fora.
Nas ligas mais fortes, as denominadas top-5 (Inglaterra, Itália, Espanha, França e Alemanha), temos 6 treinadores portugueses em 96 possíveis em 2025/2026. Pode-se ver o copo meio cheio ou meio vazio, dado que Portugal será o quarto país mais representado (à frente de Inglaterra, que terá apenas quatro treinadores), mas, por outro lado, deixámos de ter treinadores na liga espanhola e italiana, sendo que na alemã nunca tivemos presença assídua, algo que pode levar-nos a questionar as razões destes fluxos ou a falta deles.
Curiosamente, a Premier League é das ligas de topo aquela que tem mais treinadores estrangeiros do que nacionais: apenas 3 em 20. Espanha e Itália, pelo contrário, onde cerca de 65% dos treinadores das suas ligas são dos respetivos países, sendo que em Portugal esse número sobe para os 78%. Dos 6 portugueses a treinar nas melhores ligas, 4 estão na Premier League e 2 em França. Outro dado curioso: somos o segundo país mais representado com treinadores fora do seu país nestas ligas de topo (8 espanhóis, 6 portugueses, 4 austríacos e 4 argentinos). E existe apenas um treinador africano nestes 96.
Voltando a Portugal, tem-se verificado uma fuga de muitos treinadores portugueses para outros campeonatos mais periféricos e secundários em termos competitivos. Quais serão as razões? A (des)sintonia com a cultura organizacional? O método de trabalho e de treino? Redes de influência e capacidade de penetração nesses mercados?
A nível europeu, e a seguir às Ligas top-5, não estamos representados nas duas ligas que disputam connosco o 6.º lugar no ranking (Bélgica e Países Baixos), sendo que nas ligas seguintes (Turquia e Grécia), José Mourinho e Rui Vitória são os nossos dois representantes. Depois temos o Brasileirão, o campeonato não europeu melhor posicionado, que tem contado com a presença de vários treinadores e campeões portugueses, bem como na Arábia Saudita, Catar ou Emirados, que vão subindo nos rankings mundiais, mas ainda longe dos registos competitivos das ligas de topo. Curiosamente, nos EUA temos já duas treinadoras portuguesas, ao contrário dos treinadores.
No Brasileirão, a explicação pode ser mais simples, ainda que redutora: a língua e a facilidade de adaptação a uma cultura social e organizacional muito semelhante. No Médio Oriente, a cultura de trabalho e o nível estrutural exigem treinadores pacientes, capazes de ajudar os clubes a melhorar a organização, estruturar departamentos e criar bases sólidas. Nestes contextos, o treinador português não surge apenas como treinador, mas, por vezes, um pouco como diretor desportivo e até geral. A capacidade de adaptação relacional e social, aliada à habilidade de fazer muito com pouco, encaixa-se muito bem nestes cenários.
Tal como em Portugal houve uma tendência para treinadores brasileiros, existem outras razões que podem explicar o fluxo para outros mercados. A Alemanha nunca foi um destino para portugueses (na minha opinião, muito devido à diferença na forma como observamos e gerimos alguns temas da cultura de trabalho e organizacional), sendo que em Espanha, curiosamente, temos uma taxa de penetração muito baixa.
Novos tempos exigem novas ferramentas e práticas: evolução na área da comunicação, uma visão mais holística do treino inserido no contexto da organização e do propósito, uma gestão de imagem mais eficiente. Não falo de vender o que não se tem, mas sim de potenciar o que existe e aqui temos muito a melhorar. Como disse Paulo Jorge Pereira, selecionador de andebol, «o treinador português é pouco corporativo». Não podia estar mais de acordo. Os espanhóis têm um verdadeiro doutoramento nessa área: antes de competirem entre si, competem com outras nacionalidades. Ganharam, com todo o mérito, esse espaço no estrangeiro (não apenas no futebol), sobretudo a partir dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992. Isto é um elogio. No máximo, uma daquelas invejas boas.
Outro dado: 4 dos 5 selecionadores nacionais das ligas top-5 são da respetiva nacionalidade. Nas ligas europeias de segunda linha, há selecionadores estrangeiros em Portugal, Grécia, Turquia e Bélgica, sendo os Países Baixos a única exceção. Não entro na discussão sobre se não existem portugueses melhores para esse cargo, mas sei que as duas situações são perfeitamente compatíveis, sendo um ângulo e uma narrativa que precisam de ser trabalhados. Definir uma estratégia eficiente que valorize o treinador português exige que a maioria dos players esteja alinhada. Mas Portugal dá provas diariamente de que o trabalho coordenado e em equipa nas organizações desportivas (e não só) é algo muito complexo.
Por fim, dois pontos:
I — Há necessidade de um trabalho de qualidade na divulgação do que faz. É preciso que os treinadores (e também diretores, agentes, etc.) olhem uns para os outros como parceiros e não como inimigos. Não se trata de perdoar os erros ou de os esconder, mas de dar mais e melhor visibilidade ao tanto de bom que já se faz.
II — Existe em Portugal uma certa aversão a trabalhar e a procurar compreender áreas como a cultura organizacional e de trabalho dos clubes e países, as ligações e redes de liderança nas organizações, e a necessidade de melhorar (e muito) a comunicação para além da existente com os atletas. E se existe área onde a evolução técnica, tecnológica e cultural é constante, exigente e muito competitiva, é a do rendimento desportivo e organizacional. E observamos diversas práticas que, embora não descurando o conhecimento técnico e tático do treinador, continuam a desprezar demasiado estas ferramentas.