Joe Grahovac - Foto: St. Bonaventure
Joe Grahovac - Foto: St. Bonaventure

Dormiu no carro e quase ficou sem-abrigo: agora é uma estrela nos Estados Unidos

O nome Perry Webster provavelmente não significa nada para 99% das pessoas em Portugal. Trata-se do técnico da equipa universitária de Fullerton, que treina o herói desta história, um jovem com uma aparência e um nome invulgares: Joe Grahovac

Imagine-se na pele do treinador Perry Webster. Uma manhã, enquanto toma o pequeno-almoço num restaurante local, com o sol de outono a brilhar, é 19 de outubro e recebe uma mensagem de um nome familiar: «Olá, treinador Webster. Daqui fala Adrian Wojnarowski, o novo diretor-geral de St. Bonaventure. Gostaria de ter a oportunidade de nos conhecermos quando tiver tempo. Queremos criar programas vencedores onde os jogadores sejam treinados como os seus. Espero que esteja bem e aguardo o nosso encontro quando for mais conveniente.»

Em qualquer outro dia, seria invulgar para um treinador de uma pequena universidade júnior da Califórnia receber uma mensagem aleatória de um famoso insider da NBA que se tornou diretor-geral de um programa mid-major. No entanto, Webster sabia exatamente porque é que Wojnarowski o estava a contactar.

«Assumi que ele tinha ouvido falar do Big Joe», pensou Webster.

Big Joe, tudo menos um basquetebolista comum

Big Joe é Joe Grahovac, um poste de 23 anos, com 2.08 metros de altura, caloiro na Fullerton College. Webster tinha recebido inúmeras chamadas sobre Grahovac desde que dominou um torneio júnior em setembro de 2024. O que intrigava os recrutadores ainda mais do que a sua habilidade cativante era a sua história de vida invulgar. Nunca jogou basquetebol no ensino secundário? Foi descoberto num ginásio 24 Hour Fitness? Quem é, afinal? Adicione a isso um cabelo afro ruivo exuberante e uma barba espessa e terá um jogador cuja aparência, jogo e peculiaridades, lembram o original gigante ruivo Bill Walton. Com a inevitável vibe de praia.

Mas, a sério, quem é este rapaz? Foi o que Woj, como todos o chamam, perguntou quando um amigo lhe mostrou um vídeo daquele torneio júnior enquanto estava no lobby do hotel Wynn, em Las Vegas. A sequência era mais ou menos assim: Big Joe apanha um ressalto e lidera o contra-ataque. Big Joe penetra pelo meio e assiste um colega de equipa em corrida. Big Joe levanta-se e acerta um triplo fácil. Big Joe salta e afunda um alley-oop. Wojnarowski reagiu a dicas como estas ao longo de toda a sua carreira profissional. Agora, queria a história completa. Conseguiu o número de telefone de Webster e enviou-lhe uma mensagem.

Quando Webster ligou de volta, explicou os detalhes sobre Grahovac e revelou o plano que tinha para o basquetebolista. Ou seja, queria que Grahovac terminasse a escola e obtivesse um Associate Degree num ano, em vez dos habituais dois (trata-se de um grau de ensino inferior ao Bachelor's Degree, que é um curso universitário de quatro anos, mas superior ao ensino secundário, algo como uma Escola Superior). A maioria dos treinadores teria desistido, mas não Wojnarowski, que organizou uma viagem à Califórnia para ver Big Joe ao vivo. E não se arrependeu.

Wojnarowski estava sentado à beira do campo a 1 de novembro do ano passado, quando Grahovac fez a sua estreia universitária. Marcou 22 pontos com 10/15 lançamentos, sete ressaltos, três desarmes de lançamento, duas assistências e um roubo de bola na vitória por 72-59 contra o Mira Costa College. Woj, que pensava ter visto quase tudo, mal podia acreditar nos seus próprios olhos. Quando deixou a ESPN em setembro de 2024 para trabalhar para a universidade, nunca poderia ter imaginado que conseguiria recrutar um jogador do calibre de Grahovac, muito menos convencê-lo a deixar o sul da Califórnia e ir para a pequena e fria cidade de Olean, no estado de Nova Iorque. No entanto, foi para lá que Grahovac se dirigiu alguns meses depois. Mais precisamente, a 16 de abril de 2025, o primeiro dia do período de transferências de primavera.

Num mundo onde cada pedaço de informação é escavado e consumido — um mundo que o próprio Wojnarowski ajudou a criar —, a história de Big Joe parece um regresso a tempos passados, quando ainda se podiam encontrar joias escondidas. Grahovac é invulgar, mas é extremamente talentoso e está tão espantado quanto todos os outros com a rapidez com que tudo isto aconteceu. Da noite para o dia, passou de jogador de basquetebol de rua para a NCAA.

«Honestamente, ainda não me parece real. Só será real quando estiver lá em Nova Iorque, no quarto, com as malas nas mãos. Por enquanto, é tudo completamente irreal. Realmente ainda não consigo acreditar», disse Joe Grahovac no início deste ano.

Cresceu sem televisão, aprendeu com vídeos de Magic Johnson

A meio da primeira parte do segundo jogo da época, Grahovac cometeu a sua segunda falta. Quando um dos treinadores lho comunicou, Big Joe perguntou: «Quantas é que tenho, afinal?»

Algumas semanas depois, Grahovac segurava a bola no topo da área enquanto era agressivamente marcado por um adversário. O árbitro marcou-lhe cinco segundos. No tempo morto seguinte, Webster começou a discursar, mas Grahovac interrompeu-o: «Espera, espera. O que é que me marcaram agora?»

Há muito que Grahovac não sabe, mas não se pode confundir a falta de conhecimento com a falta de inteligência ou sabedoria. Grahovac pode parecer uma personagem de desenho animado, mas tem a alma de um poeta. A razão pela qual não sabe mais sobre basquetebol é porque a sua família não tinha televisão por cabo enquanto crescia em Santa Ana, Califórnia. Aprendeu mais sobre o jogo a ver vídeos de Magic Johnson no YouTube. Por isso, queria ser base, embora fosse quase sempre um dos jogadores mais altos em campo. Grahovac começou a jogar em equipas recreativas, apenas por diversão. Tentou entrar na equipa da sua escola primária, mas sob a pressão das instruções rigorosas dos treinadores, recuou e desistiu antes do início da época. Tentou novamente como caloiro no ensino secundário de Tustin, com apenas 170 centímetros de altura. Desta vez, aguentou exatamente dois jogos.

Não gostava de treinadores que tentavam impor-me responsabilidades. Estava mais interessado em relaxar e jogar videojogos

Os seus pais separaram-se antes do seu nascimento e, embora visse o pai aos fins de semana, foi maioritariamente criado pela mãe, que não era dada a forçá-lo a passar por situações desagradáveis. Joe ficou tão perturbado com a experiência na equipa que a mãe marcou uma reunião com o diretor adjunto e perguntou se ele poderia ser transferido para a Foothill High School a meio do ano letivo. «Ela estava preocupada porque o meu humor mudou. Eu era uma criança muito ansiosa. Estava constantemente stressado por causa do basquetebol», disse Grahovac ao Hoops HQ.

No início do último ano do ensino secundário, tinha crescido para 2.01 metros. O treinador de basquetebol da Foothill já o andava a convencer há algum tempo a ir aos treinos, e ele, finalmente, cedeu. Desistiu depois de um jogo, sem dizer nada ao treinador nem responder às suas mensagens: «Eu pensei: acabou. Acabou mesmo para o basquetebol.»

Dormia na carrinha

Grahovac terminou o ensino secundário com uma média baixa.

Calculava propositadamente o que não precisava de fazer para passar à justa. Não tinha intenção de ir para a universidade. Honestamente, pensei que seria um sem-abrigo. A sério. Pensei: não tenho nada, não tenho motivação na vida. Talvez faça vídeos de jogos no YouTube ou apenas viva perto da praia e relaxe. Deixei tudo para trás

Começou a trabalhar para o pai, que tem a sua própria equipa de construção, como pintor, por 10 dólares à hora. Depois trabalhou na entrega de fardos de feno, mas teve de desistir por ser alérgico ao feno. Depois disso, arranjou emprego num armazém, onde carregava sacos de proteína. A maioria dos seus colegas eram ex-reclusos envolvidos num programa de liberdade condicional. Quando não estava a trabalhar, jogava basquetebol no ginásio local 24 Hour Fitness. Entretanto, cresceu mais alguns centímetros, para 2.08 metros, mas manteve as suas habilidades de base, dominando facilmente os adversários. Era tudo diversão, sem pressão.

Enquanto andava à deriva, as tensões em casa aumentavam. Grahovac vivia com a mãe, o namorado dela, a tia e um primo. Acabou por sair de casa e dormiu na carrinha durante um mês e meio. Durante o dia, ia trabalhar, à noite jogava basquetebol, e depois dobrava o seu corpo comprido e magro no banco do passageiro e dormia debaixo de um cobertor.

Não fazia nada a não ser pensar onde encontrar água e comida. Acho que isso mudou completamente a minha perspetiva de vida. Percebi que o único lugar onde era realmente valorizado era o campo de basquetebol. Todos os dias ia ao 24 Hour, tomava banho no ginásio e convivia com as pessoas de lá. Todos me diziam: 'Homem, tens de jogar basquetebol'. Pensei: 'Sabes que mais, vou tentar, mais uma vez'

A oportunidade surgiu quando, um dia, foi convidado para um jogo de basquetebol mais competitivo e fechado. Isso levou a um convite para jogar na Drew League durante o verão de 2021, uma liga pro-am em Los Angeles (trata-se de uma liga que se realiza todos os anos, desde 1973, em Los Angeles, durante o verão, e é específica porque nela participam tanto amadores como profissionais). Quando chegou o outono, jogava em todas as ligas de adultos que conseguia encontrar: «Havia algo naquela luta e competição que eu adorava.»

Na primavera de 2023, foi convidado a inscrever-se no Future College Prep, um programa de basquetebol pós-graduado independente no sul da Califórnia. Os diretores concordaram em perdoar-lhe a propina de cinco dígitos em troca de ajudar na manutenção do ginásio. Mais tarde, nesse outono, recebeu um convite para se inscrever na Vanguard University, uma universidade cristã NAIA, mas não gostou do ambiente e saiu após algumas semanas. Passou o resto do inverno a treinar com treinadores locais e a jogar com amigos. Pensou que talvez ainda tivesse um caminho para uma carreira profissional, mas não através da universidade.

Destaques no YouTube lançaram-no para o estrelato

Em várias ocasiões, os seus lances em campo, especialmente da Drew League, tornaram-se virais nas redes sociais. Ele estava ciente disso e gostava, mas não acreditava que isso o levaria a algum lado. Um amigo enviou um vídeo a Marshall Johnson, treinador adjunto em Fullerton. Johnson estava num restaurante de fast-food com o treinador Webster e mostrou-lhe o clipe. Ambos se perguntaram o mesmo: quem é este tipo? Webster encorajou Johnson a convidar Grahovac para uma visita, mas demorou duas semanas a convencê-lo a ir.

No final, Big Joe cedeu. Visitou o campus com Webster e depois sentou-se atrás do banco durante um jogo dos play-offs: «Pensei: este tipo é muito intenso. Vi o quão a sério eles levam o basquetebol. Percebi que me faltava isso no jogo.»

Duas semanas depois, regressou para uma nova visita e participou num treino aberto. Os treinadores demoraram cerca de cinco minutos a perceber que tinham encontrado um tesouro. Webster teve o cuidado de não se intrometer demasiado na vida privada de Grahovac. Simplesmente explicou-lhe que os jogadores de basquetebol universitário podiam agora ganhar dinheiro a sério e que alguém como ele podia ter um futuro promissor neste desporto. Dado que Grahovac já tinha 22 anos, Webster disse-lhe que deveria fazer tudo para concluir o Associate Degree num ano. «Posso mudar a tua vida em 12 meses», prometeu Webster. Havia apenas uma condição.

Tens de estar em todos os treinos. Em todos os treinos de equipa. Em todo o trabalho no ginásio. Tens de chegar a horas, sempre. É assim que funciona para todos aqui.

Apertaram as mãos e concordaram em tentar. Desde então, Grahovac nunca mais se atrasou. Webster sabia que, após o torneio de setembro de 2024, Grahovac deixaria de ser um segredo. Nos dias que se seguiram, ambos foram inundados com chamadas, mensagens e mensagens diretas de recrutadores de várias universidades. Algumas semanas depois, Grahovac notou que a conta @wojespn o tinha seguido no Instagram.

Tinha aquele pequeno visto azul, o que significa que tem algum estatuto, suponho. Clico no perfil — bum, um milhão de seguidores (na verdade, mais de 2,2). Enviei isso ao meu treinador e perguntei-lhe: 'Sabes quem é este tipo?' Ele disse-me: 'Irmão, é o Wojnarowski. É o homem mais influente no basquetebol do mundo'

Quando se conheceram, a confiança de Grahovac não foi conquistada pela fama, mas sim pela autenticidade de Wojnarowski. «É uma pessoa muito terra a terra e um trabalhador árduo», disse Grahovac. Webster acrescentou: «Joe é alguém para quem as relações são importantes. Ele quer que as pessoas sejam honestas. Woj foi aberto e transparente desde o início. Isso foi algo que realmente apreciámos.»

Wojnarowski transmitiu o que descobriu ao treinador principal de St. Bonaventure, Mark Schmidt, que depois falou com Grahovac por telefone e foi visitá-lo a Fullerton. A partir desse momento, combinaram falar todas as noites de domingo.

«Gostei do sotaque dele (de Nova Inglaterra). Ele preocupa-se em vencer. Isso é o que é importante para mim», disse Grahovac, que teve altos e baixos durante a época, mas trabalhou como um louco e progrediu semana após semana: «É como uma esponja. Procura feedback. Quer ser treinado. E é muito inteligente. Não é preciso repetir-lhe as coisas mais do que uma vez.»

O basquetebol não era o problema, mas sim a escola

A maior questão era se Grahovac conseguiria cumprir as suas obrigações académicas. Webster introduziu-o gradualmente nas aulas durante o verão, mas Grahovac assumiu um horário extremamente pesado no outono, com mais três disciplinas durante o inverno. No final de dezembro de 2024, Grahovac sofreu um colapso físico e emocional. A lutar contra uma constipação, queixou-se a Webster durante o jantar de que tinha 27 trabalhos para entregar até à manhã seguinte. Webster sugeriu-lhe que tirasse uma noite de folga e considerasse desistir de uma disciplina para aliviar a carga. Na manhã seguinte, Webster enviou-lhe uma mensagem a perguntar se estava bem. Big Joe respondeu que tinha terminado todos os trabalhos e que se veriam no treino. Um gesto que mostra a sua resiliência, vinda das suas raízes.

Wojnarowski visitou Fullerton mais algumas vezes, não tanto para ver Grahovac jogar, mas para demonstrar o seu empenho. Também montou um sólido pacote financeiro baseado em contratos NIL (Name, Image and Likeness). No início de fevereiro de 2025, Grahovac e Webster, juntamente com Sandeep Hingorani, vice-presidente executivo da BallerTV, viajaram para St. Bonaventure. Foi a primeira vez na vida que Grahovac andou de avião. Grahovac nunca tinha visto tanta neve na vida, mas quando chegou a Olean, gostou da comunidade, do ambiente rural, da atmosfera em torno do programa e do que ele chama de «agressividade subtil dos nova-iorquinos». Ficou impressionado com o facto de, apesar de ser dia de Super Bowl, um grande número de adeptos ter comparecido ao jogo.

Quando regressaram à Califórnia, Grahovac disse a Webster que queria assinar por St. Bonaventure. Webster disse-lhe para pensar nisso durante uma semana. Seis dias depois, Grahovac ligou a Schmidt e Wojnarowski e disse-lhes que queria fazer parte da equipa. Grahovac queria que a notícia permanecesse em segredo até ao final da época para não desviar a atenção. Embora estivesse ciente de que nada era oficial até Grahovac assinar, Wojnarowski continuou a vir o máximo que as regras da NCAA permitiam. Grahovac terminou a época como o melhor marcador da equipa, com uma média de 15,9 pontos por jogo, com 62,0% de lançamentos de campo (39,2% nos triplos), bem como 6,6 ressaltos, 2,7 desarmes de lançamento e 2,6 assistências.

Grahovac sabe que ainda tem muito trabalho pela frente e que o caminho que escolheu não foi nada fácil. Ainda há momentos em que desanima. «Fico deprimido quando as coisas ficam difíceis e penso: 'Homem, não sei se quero fazer isto'», disse.

No entanto, quando esses velhos impulsos de desistir surgem, Grahovac reprime-os. Porque esta já não é apenas uma história de basquetebol. Depois de viver muito tempo do dia para a noite, Grahovac finalmente joga a longo prazo. Desta vez, a sério.

Gostaria de chegar à NBA, mas não serei um fracasso se isso não acontecer. O universo funciona para aqueles que o amam em troca. Tive a sorte de, como adulto, ganhar dinheiro a jogar um jogo de criança, o que é completamente insano. Com a minha história e a forma como jogo, acho que posso realmente inspirar algumas pessoas