«Deixemos os rapazes jogar à bola»
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O meu Vitória comemora esta semana o 103.º aniversário. É sempre altura de balanços e de lançamento prospetivo do futuro. E penso sinceramente que é disso que se trata quando nos debruçámos sobre a polémica que assolou este início de temporada, que nos fez entrar numa crise de ansiedade totalmente desnecessária, que só prejudicou a equipa e o seu rendimento potencial. É preciso saber manter alguma serenidade. E confiança. Isto porque, concorde-se ou discorde-se, está consolidada a revolução no plantel ou, dito de outra forma, foram substituídas as principais figuras dos últimos anos e que tantas alegrias nos deram — Bruno Varela, Toni Borevkovic, Bruno Gaspar, João Mendes, Tomás Handel, Tiago Silva, Nuno Santos — mas interessa olhar sobretudo para o que construímos, para as alternativas que se encontram nessas posições.
Em primeiro lugar, a muito relevante dimensão etária. A média de idades daqueles que cima listei encontra-se nos 29,4 anos. Se considerarmos que para os seus lugares entraram Juan Castillo (22), Miguel Nóbrega (25), Tony Strata (21), Miguel Nogueira (20), Mitrovic (20), Beni (23), Oumar Camara (18), temos nestes uma média de idades de 21,3 anos. A diferença é avassaladora do que isso significa em termos de futuro para o nosso clube. E a gestão de um clube futebol encerra vários cambiantes, mas um deles é claramente o investimento, a aposta em valores que tenham margem de progressão para poderem produzir desportivamente e financeiramente.
Tal como disse no meu artigo de 29 de julho, esta época trata-se da «construção do Vitória não do imediato mas do futuro próximo… saibamos ter a paciência que estes processos sempre implicam e iremos, estou certo, colher os frutos que merecemos». Claro que pode correr mal, mas aí é onde entra a dimensão de confiança em quem tem dirigido os nossos destinos. Por isso, se confiamos, tal como concluí no meu último artigo (antes ainda dos jogos com E. Amadora e SC Braga), «deixemos os rapazes jogar à bola».
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Agora o jogo contra o SC Braga. Um grande jogo de futebol, não tanto em oportunidades de golo mas em intensidade, em divisão de oportunidades, em empenhamento dos jogadores das duas equipas e em atmosfera. O dérbi do Minho vive-se ao nível de espetáculo e de intensidade como o que acontece em qualquer confronto entre os três chamados grandes. É um grande espetáculo em qualquer parte da Europa, é assim que deve ser visto e potenciado. No terreno de jogo, vi um Vitória focado, dedicado e com uma disposição muito inteligente em campo.
Luís Pinto teve a sagacidade de montar um sistema tático que soube interpretar a postura de posse que o SC Braga de Carlos Vicens apresenta procurando adaptar-se às fragilidades que esse sistema também pode apresentar. O Vitória consentiu domínio territorial colhendo para si as mais flagrantes oportunidades de golo. Percebe-se um ascendente do treinador face a estes jogadores que talvez não tivesse face aos anteriores. E isso é obviamente importante. E ganhámos um centro de terreno. A dupla de centrais Óscar Rivas e Rodrigo Abascal consolidou-se e demonstra grande segurança e entendimento. A dupla de meio-campo Beni e Mitrovic demonstra um entrosamento e solução defensivas e ofensivas que nos dão segurança para o que temos pela frente. Temos ali dois casos sérios em qualidade e soluções.
De resto, nem vou perder tempo a comparar o investimento das duas equipas, que coloca o SC Braga a léguas do Vitória. Vou apenas dizer que essa capacidade de investimento no plantel representa competência do SC Braga e incompetência do Vitória, no que conseguiu construir ao longo dos últimos 20 anos. E ainda que essa diferença, pelo que se viu em campo, representa competência do Vitória em, com muito menos conseguir fazer muito mais, e incompetência do SC Braga, apesar da diferença desmesurada de meios, não conseguir transformá-la em diferença nas quatro linhas.
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Uma palavra importante para o futebol feminino. Algumas épocas depois da sua criação como projeto essencialmente de formação, o Vitória estreou-se na 1.ª Divisão de futebol feminino com a receção ao Benfica. Uma afirmação de um projeto que o Vitória não poderia deixar de ter, que assume agora a dimensão compaginável com os pergaminhos do clube, numa época que será naturalmente de adaptação (o resultado do jogo, 1-5, é disso exemplo), mas esta ascensão representa a consolidação da aposta firme que o clube fez no futebol feminino que será assim mais uma bandeira da afirmação de Guimarães e do futebol do Vitória. Deixemos as raparigas jogar à bola!