Como insultos racistas deram origem à alcunha do Flamengo
Das águias do Benfica aos merengues do Real Madrid, passando pelos xeneizes do Boca Juniors, praticamente todos os clubes têm uma alcunha. Habitualmente uma forma de identificação entre a tribo de cada equipa, remete para pormenores de variadas origens, desde a cor do equipamento até ao próprio processo de fundação.
Contra a corrente, o Flamengo abraçou uma alcunha colocada não pelos próprios adeptos, mas sim pelos... rivais. Na primeira metade do século XX, a massa associativa, marcadamente negra e de classe social média-baixa, era apelidada de urubu, ave característica da América do Sul.
Os insultos racistas viraram triste tradição em clássicos do futebol brasileiro, até 1 de junho de 1969. Em dia de duelo escaldante entre Flamengo e Botafogo, quatro amigos, com idades compreendidas entre os 18 e 20 anos, fartaram-se das injúrias dos rivais e decidiram agir. Victor, Romilson, Luiz Octávio e Erick abraçaram a alcunha maldosa e contrabandearam um urubu vivo desde uma lagoa do Rio de Janeiro até ao interior do Estádio Maracanã.
Durante a partida, a ave, adornada com uma bandeira afeta ao Flamengo, foi libertada e aterrou no centro do relvado, ao ritmo de cânticos da bancada da equipa da casa: «Urubu! Urubu! Urubu!». Abençoado pelo voo, o Fla venceu por 2-1 e quebrou um jejum de quatro anos sem triunfos frente a um dos principais rivais, que tinha sido campeão no ano anterior.
Face aos acontecimentos épicos de 1 de junho, os adeptos do Flamengo consideraram a imponente ave de penas pretas um amuleto da sorte e, à espera do mesmo desfecho, lançaram outra no fim de semana seguinte, durante outro clássico contra o Vasco da Gama.
A partir de junho de 1969, o Urubu tornou-se de forma unânime na mascote do Flamengo, em substituição do marinheiro célebre marinheiro Popeye, e num símbolo rubro-negro contra o racismo e discriminação.
O casamento entre o Flamengo e a gloriosa ave reflete-se nas mascotes Uruba e Urubinha, que fazem as delícias das bancadas do Maracanã desde 2008. O centro de estágios do clube, inaugurado em 2014 sob o nome de George Helal, é carinhosamente apelidado de Ninho do Urubu.
*Artigo recuperado a propósito da vitória do Flamengo na final da Libertadores