Técnico do Benfica recordou derrota dos encarnados com o Sporting

Benfica sem Ríos, mudança na baliza e resposta aos críticos: Mourinho na íntegra

Treinador defende que não foi dominado por Chelsea e FC Porto, mesmo que outros digam o contrário: «Tenho 1200 jogos no banco!»; diverge de Lage e prefere jogar à sexta-feira

— Começa aqui um ciclo novo. Como foram estes dias de treino, apesar das ausências no plantel? E que Chaves é este que irá enfrentar amanhã?

— Quem ficou trabalhou bem. Quem foi chegando progressivamente foi sendo integrado e nos últimos dois dias deu para trabalhar a especificidade do jogo contra o Chaves. É o típico jogo de Taça de Portugal, onde há uma equipa de uma divisão inferior, mas não de um futebol de divisão inferior. É uma das equipas mais fortes da Liga 2, é uma equipa que se estivesse na Liga não seria, seguramente, muito diferente das equipas da segunda metade da tabela da Liga. É uma boa equipa e que irá exigir de nós seriedade. A começar por mim, a ser capaz de transmitir essa seriedade aos jogadores. Acho que é respeito pelos adeptos do Benfica, o significado que a Taça de Portugal tem na história do clube, e é respeito pelo Chaves, pelos seus jogadores, pelo seu treinador, que têm qualidade, repito, não qualidade de segunda liga. Portanto, há que respeitar esta situação e ir, como eu disse, com seriedade. Se ganharmos, as coisas serão vistas com naturalidade, se não ganharmos, as coisas não serão vistas com naturalidade. Isso tem de ter também um peso. Nós melhoramos, temos vindo a melhorar apesar do pouco tempo de trabalho, temos utilizado bem os jogos para tentar melhorar com os jogos, já que não podemos melhorar muito com o treino, e vamos fazer isso também amanhã. Eu sei que seguramente algum de vocês terá depois a típica pergunta se vou mudar muito a equipa ou se vou dar oportunidades a A, B, C, D ou E. Vou mudar muito pouco.

— Quais são os grandes riscos que o Benfica vai ter neste jogo? E se tiver de escolher entre a Liga dos Campeões e a Taça de Portugal, qual escolheria?  E também questiono sobre a tal peladinha entre equipa técnica, o Aursnes e um ‘gajo qualquer’, como disse antes da paragem.

— A pelada foi boa porque, no fundo, acabámos por ter um grupinho inesperadamente maior do que aquilo que esperávamos. O Enzo [Barrenechea] acabou por não ir à seleção, o Dahl acabou por não ir à seleção, o Joshua [Wynder] foi eliminado nos quartos de final [Mundial sub-20] e voltou. Acabámos por ter um grupo que foi crescendo e nunca tivemos aquela situação de estarmos completamente sozinhos, mais treinadores do que jogadores. Acabou por ser um trabalho positivo para aqueles que não foram. A própria utilização dos jogadores nas seleções nacionais — para muitos deles a não utilização —, acaba por ter um lado positivo e um lado negativo. O lado positivo é que não vêm carregados de minutos, o lado negativo é que muitas das vezes, nas seleções, não se treina muito, ou o treino, posso imaginar, é muito mais virado para a tática específica relativamente a um jogo. E quem não joga normalmente não treina muito. O risco é não jogar bem, é o Chaves fazer um jogo fantástico, que é uma coisa normal de acontecer. O risco é nós não o fazermos e obviamente que a preparação do jogo foi no sentido de tentar evitar isso mesmo. Analisámos muito tempo o Chaves e tentámos trabalhar à volta daquilo que são os pontos mais fortes e os pontos mais fracos. Mas temos de jogar bem, temos de jogar bem, se não jogarmos bem vamos ter dificuldades. 

— Recuando até 2004, perdeu a final da Taça de Portugal para, dias depois, tornar-se campeão europeu. 21 anos depois, como é que encara este regresso à prova rainha?

— Já ia mentir. Eu ia dizer que nunca fui eliminado da Taça de Portugal e já ia mentir, porque fui eliminado da Taça de Portugal com o União de Leiria. Depois, nas duas épocas seguintes, fui a duas finais, ganhei uma, perdi outra e gostava muito de voltar. O Benfica tem uma história fantástica com a Taça de Portugal. Tem uma Taça a menos do que aquelas que deveria ter, porque a Taça da época passada, todos sabemos que devia ter sido do Benfica e não foi, por motivos um bocadinho estranhos, em relação àquilo que normalmente é a essência do jogo. Mas o Benfica tem tradição de Taça. Eu próprio cresci a ir ao Jamor... Primeiro tive a sorte de ir ao Jamor pequenino, ver o meu pai [Mourinho Félix] jogar e depois fui ao Jamor inúmeras vezes. Com o meu pai treinador, uma vez, depois inúmeras vezes vi Benfica-Sporting, vi Benfica-FC Porto, vi Vitória de Setúbal e Benfica, o Jamor continua para mim a ser qualquer coisa...  Como se diz em Inglaterra, está under the skin. É uma coisa que ainda mexe comigo. Nunca tendo jogado na final da Taça de Portugal, como treinador do Benfica, era uma coisa que eu gostava muito de fazer e a pergunta que o seu colega fez antes, o que era mais importante, a Champions ou a Taça de Portugal? Hoje, a Taça de Portugal é muito mais importante do que a Champions. Depois, no sábado, a Champions passa a ser mais importante do que a Taça de Portugal, mas de hoje até amanhã, ao final do jogo, a Taça de Portugal é mais importante.

— O motivo deste ambiente entre os três presidentes [Rui Costa, André Villas-Boas e Frederico Varandas, respetivamente de Benfica, FC Porto e Sporting] é esse estranho fator de que falou agora, que decidiu não dar a Taça de Portugal ao Benfica? 

— Não, eu não quero entrar nesse contexto. Eu limito-me a ser treinador e a olhar para os jogos com olhos de treinador e mesmo que eu não seja o treinador das equipas envolvidas num determinado jogo, não consigo deixar de olhar para aquele jogo sem ter olhos de treinador. E aquela final de Taça foi um trabalho infeliz da equipa de arbitragem, obviamente incluindo VAR, que neste momento é, às vezes, muito mais importante do que os árbitros que estão no campo. Eu limito-me simplesmente a analisar isto com olhos de treinador. Os problemas entre os presidentes dos diferentes clubes… acho que é quase uma coisa histórica, mas depois quando as emoções desvanecem vem, obviamente, o sentimento de que têm de estar unidos em prol do desenvolvimento do futebol português. E na resolução de alguns problemas que têm de ser resolvidos, obviamente, por todos eles. Não é nada de novo, não é nada de alarmante. Não vejo nenhum drama nisso, nem qualquer coisa para me preocupar. Não sei, às vezes os árbitros erram e às vezes erram de maneira decisiva no desenrolar do resultado do jogo. Eu procuro olhar sempre para isso, como disse, na perspetiva do treinador. O treinador erra, os jogadores erram, os árbitros erram. E quando, infelizmente, os erros se traduzem em alterações importantes à verdade do jogo, é um bocadinho mais mediático e é um bocadinho mais difícil de aceitar, mas eu olho para isso com olhos de treinador e não com olhos de comentador ou com olhos de dirigente.

— Promete mudar pouco, uma das mudanças pode ser Samuel Soares no lugar de Trubin?

— Amanhã joga o Samuel, mas não se trata de uma competição para o Trubin e para o Samuel, de todo. Espero, obviamente, ganhar e espero depois jogar com o Atlético na Tapadinha ou com o Felgueiras em Felgueiras. Não posso garantir que é o Samuel que vai jogar esse próximo jogo da Taça de Portugal. É uma decisão relativamente a este jogo. O Samuel é um ótimo guarda-redes. Nos meus cinco jogos aqui ainda não jogou nenhum minuto. Eu fui sempre, não só com ele, mas também com outros jogadores, na direção da estabilidade. Ele nunca jogou, trabalha muito, merece jogar, ficou aqui connosco. O Trubin jogou dois jogos nos últimos 15 dias, o Samuel não jogou. Temos total confiança nele e, sim, o Samuel vai jogar amanhã.

— Benfica não fez golos nos últimos dois jogos (Chelsea e FC Porto) e tem apenas seis em cinco jogos na era Mourinho. Como resolverá esse problema no ataque?

— Nos dois últimos jogos não marcámos golos, mas podíamos ter marcado. Não tivemos 10, 15, 20 oportunidades de golo, mas tivemos as suficientes em jogos desta dificuldade e em jogos desta dimensão. Tivemos o suficiente para fazer golos e para ganhar, ou no mínimo contra o Chelsea fazer golos e empatar. Nos outros jogos, os golos marcados não foram suficientes, mas fizemos três ao Aves e fizemos dois ao Gil Vicente que nos permitiram ganhar jogos. O melhoramento dos nossos números tem a ver com o trabalho que temos de fazer, tem a ver com a introdução de novas ideias, tem a ver com o nível de confiança dos jogadores que têm de melhorar também a esse nível e temos de partir de uma base de estabilidade e a base de estabilidade também é estar bem organizado do ponto de vista defensivo, a equipa sentir-se cómoda, a equipa sentir-se confortável, a equipa nunca se sentir dominada. Podem dizer o que quiserem, eu tenho 1200 jogos no banco, ser criticado por alguém que não tem um único minuto acho que não é dramático, a minha ideia prevalece. Até agora nunca fomos dominados em jogo nenhum, nunca fomos dominados em jogo nenhum, e uma coisa é jogar defensivamente e ser dominado e ter de defender muito e outra coisa é jogar muito bem organizado, com grande consciência, com grande tranquilidade e nunca ser dominado. E nós nunca fomos dominados, nem pelo Chelsea, nem pelo FC Porto.

— O jogador do Benfica que marcou o golo em 2004 que tirou a Taça ao seu FC Porto está agora ao pé de si, banco do Benfica. Falou com ele sobre isso?

— Não falámos desse jogo, mas quando Simão Sabrosa foi para o Barcelona era eu que o esperava no aeroporto, era um menino talentoso do futebol português que ia para um gigante europeu e que tinha à sua espera um português que não era importante na estrutura do clube, mas que era um português que estava na estrutura, que lhe pôde dar a mão desde o primeiro dia, que já estava no clube há dois anos. Portanto, quando ele chega eu já tinha dois anos de clube e criei com ele, não quero dizer aquela relação de pai e de filho, porque eu não sou assim tão velho e ele não é assim tão jovem, mas aquela relação de quase irmão mais velho. A minha relação com o Simão é uma relação de muito carinho. Ainda não falámos desse jogo porque eu tenho uma característica muito importante: lembro-me muito mais dos momentos bons do que dos momentos maus. Mas claro que me recordo. E recordo-me também, a descer as escadarias como vencido — e se calhar quiseram só ser simpáticos —, de muitos benfiquistas a dizerem ‘vá lá, vá lá que agora vais ser campeão europeu’. Não sei se quiseram ser simpáticos, mas tenho essa recordação perfeita de descer como vencido e em vez de ser quase picado ou quase humilhado pelo adepto vencedor daquele jogo e daquela final, de ter sido estimulado positivamente.

— Na última pausa, o Benfica jogou sexta-feira e Bruno Lage disse na altura que preferia ter jogado no sábado. E no seu caso, o que prefere?

— Aqui o erro é só um, é que devíamos ter tocado o Águias da Musgueira, o Oriental, o Cultural da Pontinha, tínhamos tantas opções e toca-nos o Chaves. E tivemos sorte de não nos ter tocado o Ourense [em Espanha, logo a seguir a Chaves], que ainda é um bocadinho mais longe.  Obviamente que tem de ser sexta, já vamos chegar a Lisboa na madrugada de sábado, vamos ter de viajar segunda, vamos ter de jogar terça. Obviamente que prefiro perder um dia relativamente à chegada dos jogadores da seleção e ganhar um dia na preparação para o outro jogo. Eu diria até que a maioria dos jogadores que vai começar o jogo amanhã não é gente que acabou de chegar. Não tenho problema em dizer, o Ríos amanhã não joga, é o último a chegar, não treina com a equipa. Obviamente prefiro jogar sexta e terça do que jogar sábado e terça.