Alverca: «Nem nos meus piores sonhos imaginaria ter de fazer esta revolução»
Respira-se um ar de mudança no Alverca. Basta entrar no Complexo Desportivo do clube para se sentir o avultado investimento da nova SAD. Dos balneários, às salas técnicas, ao túnel de acesso ao relvado e às próprias bancadas. Condições que transpiram ambição, para fazerem face aos vários desafios que o Alverca já teve e continuará a ter. Começando por uma remodelação de plantel raramente vista em Portugal.
Pedro Alves, diretor desportivo da equipa, foi o nosso guia para o novo Alverca. E desde o renovado balneário da equipa, falou sobre uma «revolução de 120 dias» que mais «pareceram um ano».
«Nem nos meus piores sonhos imaginaria ter de fazer uma revolução, não só destas condições que vocês estão a presenciar, mas também de um plantel novo. Era muito mais fácil para mim ficar com 14, 15 jogadores da época passada, até porque tinham muita qualidade, se não tivesse qualidade não tinham conseguido um feito tão histórico para o clube após 21 anos.»
«Os 14 jogadores mais utilizados estavam contratualmente ligados ao Santa Clara»
«As pessoas logicamente ficam curiosas porque é que eu, como diretor desportivo, só fiquei com o Diogo Martins. E é fácil», continua Pedro Alves, explicando a ligação que os ribatejanos tinham com o Santa Clara.
A troca de donos da SAD, com o empresário Thássilo Soares (conhecido por Tatá) a comprar a participação de Ricardo Vicintin, motivou grande parte do exílio desses jogadores para os açorianos. «Nós sabemos que a administração antiga, liderada pelo Dr. Ricardo e pelo Bruno Vicintin, tem um clube chamado Santa Clara, no qual tinham oito jogadores emprestados da primeira divisão para a segunda. E na venda do clube, da legitimidade deles, como é lógico, abraçaram mais seis jogadores. Então, oito e seis faz 14, esses 14 jogadores, automaticamente, quando acabou a época, são jogadores do Santa Clara.»
«A família Vicintin criou condições para que o Alverca tivesse quatro subidas de divisão e estivesse preparado, no ano passado, para subir.»
«Eu também faria o mesmo: se há jogadores aqui com condições, deixa-me absorver para o meu clube e tentar fazer disso negócio, porque isto, no fundo, é um negócio. E a partir do momento em que o Alverca subiu de divisão, acaba por ser um rival direto. Eu também faria o mesmo e eles estão na legitimidade de o fazerem. Mas isso levou-nos a ter uma revolução do plantel, ou seja, os 14 jogadores mais utilizados estavam contratualmente ligados ao Santa Clara.»
Vasco Botelho da Costa não quis renovar
Pedro Alves bem conhecia Vasco Botelho da Costa dos tempos em que coincidiram no Estoril e dominaram o escalão sub-23 nacional, com duas Ligas e duas Taças Revelação. «Fui eu que fui buscar o Vasco aos sub-19 do Estoril. Foi bicampeão comigo», recorda. Mas já no Ribatejo, após a subida à Liga, Pedro explica que o jovem técnico quis seguir outro caminho.
«Tem muita capacidade de trabalho e de visão e não tenho dúvidas nenhumas que vai chegar a um patamar alto, mas foi uma decisão dele e nós só tivemos de o aceitar.»
Assim, Pedro virou-se para outro técnico que já bem conhecia: Custódio Castro.
«Já o conhecia, porque ele é da mesma geração que eu, a de 1983, que é a melhor geração do mundo», diz, sempre com bom-humor. «Com o Custódio, metemos as cartas em cima da mesa, aquilo que ia ser o projeto, as nossas dificuldades e foi, sem dúvida alguma, uma pessoa muito direta e muito eficaz em saber aquilo que quer e disse: “Eu aceito o desafio”. E parece que demos as mãos e vamos abraçar esta luta.»
Custódio que chegou ao Alverca a um de junho e, desde então, nunca saiu do clube. «A palavra-chave tem sido solidário», destaca Pedro, «Custódio passou a ser scout. Não sabia o que era essa trefa de analisar os jogadores. Viu como é que nós fazíamos, acompanhou, trabalhou, deu a sua opinião e tem uma característica-chave que eu gosto muito num treinador, que é trabalhar em função do clube e não em função dele mesmo.»
Sem obras, a casa do Alverca seria em Coimbra
Pedro Alves entrou no Alverca a um de março deste ano, uma data à qual o estádio da equipa «não estava preparado para jogar na 1ª divisão», explica.
«A nível de condições, não estaríamos habilitados a jogar no nosso estádio. Tínhamos de jogar em Coimbra, ou seja, íamos jogar 34 jogos fora. Então, aquilo que se fez a um de março, logicamente com uma visão global do dono, dissemos: “Se nós podemos subir onde é que vamos jogar? No nosso estádio. O que é que é preciso fazer? Obras.” E aí, a 1ª equipa foi solidária.»
Aqui entra outro aspeto que marca a restituição alverquense: capacidade de sacrifício. Todos os níveis da estrutura tiveram de o ter, o que fez com que o plantel deixasse de utilizar os balneários para se equiparem, e passaram-no a fazer «em contentores subcontratados», para que os balneários fossem renovados e «para que este trabalho e para que na 1ª jornada, neste caso na 2ª, com o SC Braga, pudéssemos jogar em Alverca. E foi isso que foi feito».
Pedro ainda destaca que, se o Alverca ainda estivesse na Liga 2, as mesmas renovações seriam feitas: «O que estão aqui a ver, devido ao novo investidor, à criação de novas condições de trabalho, isto iria acontecer, mais cedo ou mais tarde.»
«Aqui só há um Alverca, não há o Alverca SAD e o Alverca clube»
Contas feitas aos reforços do Alverca, neste verão, foram 34 no total, de 14 nacionalidades. Mas com tantos novos jogadores, Pedro ressalva que nem todos foram contratados para integram a primeira equipa.
«No meu passado, fui habituado a que não existe clube sem SAD e não existe SAD sem clube»
«Bem, são 34 que no fundo são 28, porque para quem sabe das leis só pode haver 30 inscrições na Liga e nós temos feito 29, no qual são agora hoje 28, porque seis delas são feitas para a nossa equipa B, no qual nós temos uma relação muito especial para com o clube» - e daqui se explica a relação que a SAD quer ter com o clube.
«No meu passado, fui habituado a que não existe clube sem SAD e não existe SAD sem clube», começa por esclarecer, «eu acho que quanto melhores ambas as partes se derem, mais sucesso vão ter. Então nós, como queremos ter sucesso, queremos ter as pessoas do clube interligadas, não só na relação institucional, mas também na pessoal. Essa relação já existe e estamos completamente abertos ao crescimento da mesma.»
Numa altura em que os divórcios entre clubes e SAD não terminam – sendo o caso mais recente na Liga protagonizado pelo Aves SAD, que se separou do Vilafranquense, ou até na Liga BPI, na qual o Damaiense SAD, este ano, se separou do clube da Amadora e vai jogar os jogos caseiro no Estádio Algarve –, Pedro Alves não quer ver o nome do Alverca acrescentado a essa lista.
«O que nós clarificamos aqui dentro é que só há um Alverca, não há o Alverca SAD e o Alverca clube. E isso também se deve à boa relação institucional e pessoal entre a SAD e o clube, no qual acho que publicamente ficar-me-ia bem agradecer, que este trabalho também é do clube, porque as instalações são do clube, à gestão do Presidente Fernando Orge e à sua direção, abriram e acolheram esta nova administração da SAD de forma que pudéssemos e possamos crescer juntos, num só», salienta.
«80% do plantel do Alverca é nosso»
O plantel do Alverca tem uma média de idades de 23 anos, representativa de todo o projeto que Pedro Alves e a restante SAD estão a implementar.
«Na primeira divisão, temos uma receita fixa de €3,6 milhões da televisão, mais apostas, mais sponsors, mais publicidade, estamos a rondar os €5 milhões fixos. Nenhuma sociedade anónima sobrevive com menos de €10 milhões. Vamos supor que isto são €12 milhões no total. Existem €7 milhões para recuperar. Vamos ao bolso esquerdo ou ao bolso direito do dono, ou fechamos as portas. Então, só existem duas formas: gerar valor e condições de trabalho, é o que estamos a fazer e adquirir direitos económicos dos jogadores.»
O recrutamento também foi feito com base naquilo que equipas que desceram da Liga fizeram, ou, se calhar, não fizeram: «Nos últimos três anos, as equipas que desceram de divisão tinham uma média de idades entre os 28 e os 30 anos. Desceram de divisão e venderam zero jogadores.»
«Então, eu prefiro criar o presente e o futuro com os jogadores, que a idade para mim não conta, mas sim com as condições e com as oportunidades de negócios que tivemos. Então, hoje temos 80% do plantel 2025/26 é nosso, com direitos económicos de 50% a 100%. Então, o que vai gerar a receita extraordinária é eu ter esses mesmos direitos económicos, onde possa aportar valor não só ao clube, mas também aos bolsos do dono que suporta muito financeiramente o investimento.»