«O jovem do Liverpool sabe que tem de se destacar apenas no campo»
Vítor Matos (Foto: IMAGO/Action Plus)

ENTREVISTA A BOLA «O jovem do Liverpool sabe que tem de se destacar apenas no campo»

INTERNACIONAL04.01.202408:30

Vítor Matos acredita que os ‘Reds’ podem ter um novo Alexander-Arnold a caminho, embora ache injusto colocar esse peso nos miúdos da formação, face à dimensão que a grande referência atingiu

LIVERPOOL – Trent Alexander-Arnold é o mais recente grande produto da formação do Liverpool. Hoje, muito mais do que um lateral, nem que seja pela capacidade de desempenhar várias posições em campo, tornou-se a referência a que se aspira em Kirkby. Vítor Matos é o responsável pela ponte entre os sub-18 e sub-21 e a equipa principal, e abriu a porta A BOLA a alguns dos segredos e à filosofia da cantera dos Reds.

- «A pior coisa que podemos fazer a um jovem é colocá-lo em campo cedo demais.» Estas palavras são de Jürgen Klopp e justificam grande parte da presença do Vítor num clube como o Liverpool…

- Espero que tenha vindo ajudar em parte desse processo. Partiu de uma necessidade que o clube tinha. Jürgen e Pep sentiram que havia uma grande necessidade de ligar aquilo que acontecia na altura na equipa de sub-23, hoje sub-21, com a primeira equipa. Algo que fosse congruente em termos de ideia de jogo e de metodologia de treino. Há depois um conjunto de pequenas funções que estão ligadas a essa, entre elas a lógica de eu, o treinador dos sub-21 e o diretor de formação estarmos em constante diálogo por forma a termos os melhores jogadores, aqueles em que o clube acredita, mais perto da primeira equipa, e com um projeto individual dedicado.

«Deram-me uma oportunidade única»

4 janeiro 2024, 08:00

«Deram-me uma oportunidade única»

Vítor Matos chegou ao Liverpool em 2019 para ser treinador de desenvolvimento e adjunto de Klopp; continua a absorver todas as 'master classes' do alemão; a história da camisola do Benfica que espelha a química entre os vários elementos da equipa técnica

Arnold abraçado por Guardiola no jogo entre Liverpool e Manchester City (Foto: Newscom World/IMAGO)

- E essa lista de eleitos é estanque?

- Não, não é estanque, nem poderá ser. Em muitos casos, existem momentos em que um jovem com menor rendimento a curto prazo, mas que a médio, longo prazo perspetivamos que cresça, não estará no momento certo para ser exposto à primeira equipa e é melhor mantê-lo no escalão imediatamente abaixo. Ou ao contrário. Ou seja, tem rendimento a curto prazo, consegue já na idade dele e no escalão superior ser bem-sucedido em muita coisa e, como tal, é necessário equacionar ao que vai ser exposto. Todo este diálogo, todo este projeto, do meu lado pela primeira equipa e do lado deles também pela formação… foi uma das razões para a minha vinda. A outra passou pela necessidade de ter mais um treinador de campo na primeira equipa. 

- Um jogador sabe se deixa de fazer parte de um determinado contexto, mesmo que temporariamente?

- O que está muito bem definido por nós é que sabe a que plantel vai pertencer…

- Mas não sabe se pertence a uma lista especial do clube…

- Não, mas sabe se vai pertencer ao plantel da primeira equipa, sub-21 ou sub-18. E esta decisão relaciona-se com o local onde tem o equipamento: se antes do treino com a primeira equipa vai buscá-lo à formação; se já tem cacifo ou um espaço no balneário da primeira equipa; se em termos contratuais isso está previsto; se tem os benefícios de ser da primeira equipa, como bilhetes de acesso ao jogo e outras coisas, ou não. Isto é muito claro para cada jogador. Temos atletas que estão constantemente a treinar com a primeira equipa, mas continuam no plantel sub-21 e outros que, embora estejam na primeira equipa, sentimos que precisam de exposição em jogo e vão tê-la nos sub-21. Isso está sempre muito claro. O que acontece é que, ao fim de um período, vamos supor seis ou oito semanas, avaliamos o momento e, em função desse momento, podemos dizer: ok, faz sentido isto… Um dos grandes problemas que temos de contemplar é o número de jogos a que vai estar exposto ou não em função do calendário da primeira equipa, porque nós temos muitos em pouco tempo. Questionamos: ‘Qual é o estímulo de treino que vai ter?’ Ou se faz sentido não estar na equipa principal, mas sim nos sub-21, e treina uma semana completa com um primeiro jogo no fim de semana, e volta a treinar lá mais uma semana e joga mais um encontro; ou se faz sentido estar com a primeira equipa, ir ao banco uma e duas vezes e já não ter exposição em termos de jogo. Temos de ponderar o que isso vai influenciar o seu rendimento e desenvolvimento. Quando sentimos necessidade de, apesar de estar na primeira equipa, precisar de ter um processo de treino, treino, treino e jogo, então nas próximas semanas treina com os sub-21, é chamado alguns dias aos trabalhos da equipa principal, mas estará com os mais novos. Faz dois jogos e depois voltamos a falar, volta aqui e continua tudo normal. É sempre uma lógica de desafio, daquilo que também é melhor individualmente, e o que perspetivamos para ele a curto, médio prazo. É feito sobretudo assim com estes jogadores porque o impacto neles tem de ser mais a curto e médio prazo, não a longo prazo como se fosse um sub-16. 

Conor Bradley e Curtis Jones, dois produtos da academia do Liverpool (Foto: IMAGO/PA Images)

- Falámos sempre em modelo e nunca em esquema. Em entrevistas anteriores, disse que não era muito relevante jogar no mesmo sistema nos sub-18, sub-21 e primeira equipa, embora isso pudesse ajudar. O importante seria sim implementar os princípios de jogo base da primeira equipa. 

- O que tem de estar por trás disso é a decisão do clube, que pode passar por olhar para a formação com o principal objetivo de formar para colocar jogadores na primeira equipa, e então há uma cultura e uma identidade já muito definidas de como a equipa deve jogar. Tudo o resto, em termos de recursos humanos, ideia de jogo, funciona para esse lado. Algo também válido é o projeto do dono ou do diretor desportivo ser de aproveitar o mercado, criar recursos financeiros através deste, e a formação tem de ter também essa perspetiva. Nesse sentido, a primeira equipa tem muitas vezes de se suportar com o mercado secundário e usar jogadores para valorizar e vender. São duas situações… que têm implicações em como deve ser depois o projeto de formação. Em Inglaterra, há uma cultura muito forte do jogador sair por empréstimo, porque cria mercado para o futebolista e porque financeiramente também gera recursos. É um mercado secundário com muito peso aqui e é olhado como uma forma de desenvolvimento. Nós procuramos uma adaptabilidade, e tem que ver com a visão do clube, mais cedo áquilo que é a primeira equipa, em termos de ideia de jogo e de treino. Queremos que os sub-18 e sub-21, os únicos escalões com competição formal semelhante a Portugal, uma vez que os restantes apenas participam em torneios e jogam particulares, estejam mais relacionados com a primeira equipa. E aí, aquilo que nos preocupa são os princípios macro. Aqueles que qualquer pessoa identifica em Anfield quando vê a equipa a jogar e que pode reconhecer quando se desloca à Academia. Estas coisas identificáveis têm de estar lá. Há pequenas coisas que a estrutura, quando é a mesma, ajuda, em termos de dinâmicas e pequenas dinâmicas. Torna mais fácil que isso aconteça, não há que esconder, mas aquilo que nos preocupa mais é que se reconheçam um conjunto de coisas que sejam independentes de uma estrutura ou outra, porque estas são pontos de partida. O que muda é a dinâmica em si e essa sim é a prioridade.

- O exemplo até acho que foi dado por si. Se houvesse dois bons avançados o esquema não seria relevante porque quereria potenciar ambos…

- Mesmo em questões de posição, às vezes a oportunidade é uma necessidade. O que nós tentamos é que no plantel da equipa principal, quando construído, exista espaço para jogadores da formação. Essa é a visão do clube e do treinador, o que, por si só, já gera oportunidade. Muitas vezes também surge uma necessidade de momento que vai gerar uma oportunidade para um miúdo da formação. Em muitas situações, o que acontece nestas idades é que um jogador que joga nos sub-21 a extremo direito irá jogar como defesa direito em função da necessidade da equipa principal. O que procuramos é que sempre que existe a necessidade de olhar para o jogador no que à sua posição diz respeito a prioridade deve ser a primeira equipa. Ou seja, quando perspetivamos o plantel e a sua estabilidade durante dois ou três anos e temos um talento, perguntamo-nos onde o vamos potenciar no imediato para que quando chegue à primeira equipa jogue naquela posição. Isto não quer dizer, para não ser mal entendido, que vai ser exposto a jogar como extremo direito, o que lhe vai criar uma série de necessidades e problemas, para depois jogar a defesa direito. Isso é outra coisa. Mas a forma como perspetivamos onde está a jogar no escalão abaixo tem de ser a primeira equipa se a prioridade for colocá-lo a jogar ali. Se temos dois avançados bons como é que os potenciamos? Jogam os dois, óbvio. Ajustamos em termos estruturais. Mas na primeira equipa como é que vamos fazer? Ou decidimos depois e um terá um processo de empréstimo e o outro seguirá para a equipa principal? No entanto, talvez para um deles, da forma como está montada a primeira equipa, faça sentido que jogue por fora. Porque não expô-lo já a jogar por fora, ver qual será a resposta no seu escalão, para depois podermos tomar a decisão mais tarde? Ou seja, todas estas decisões têm de ser constantemente pensadas, e um treinador de uma equipa B ou de uma segunda equipa tem de ter essa sensibilidade. Porque depois, em conjunto com o diretor da formação e o diretor desportivo, e de acordo a visão do clube, é muito mais fácil para tomar a decisão de emprestar, vender ou ficar no plantel principal. 

Harvey Elliot (Foto: IMAGO/Action Plus)

- É uma visão mais focada no individual do que em Portugal. Talvez por cá ainda se pense muito no modelo holandês… 

- É um modelo que faz todo o sentido para o Ajax enquanto clube e visão. A formação é para criar para a primeira equipa. Há uma cultura forte de como querem jogar, atacar, defender e, se é para sustentar isso, então é para começar de baixo. E quanto mais de baixo for em termos etários melhor…

- E Portugal copiou?

- Não sei…

- Na minha geração sempre que se falava de um exemplo de formação a ser seguido pelos grandes vinha o do Ajax à baila como maior referência…

- E o Barcelona… Porque são exemplos fortes de como um projeto de formação pode sustentar a primeira equipa. Está mais do que provada a importância da formação em termos de sustentabilidade para os clubes. Não sei como está hoje a formação em Portugal, mas quando estive no FC Porto o projeto era forte, com uma ideia congruente entre formação e equipa principal. Sabíamos que tipo de jogador queríamos criar e qual o mais atrativo para o mercado, que pede e valoriza cada vez mais os criativos. Às vezes, as dificuldades passam por decidir sobre aquilo que queremos para o clube. Sei que em Portugal muitas vezes o projeto é ter de ganhar o jogo seguinte, mas continuo a acreditar que é possível os dois. E isso tem muito a ver com a forma como nós olhamos para o futebol, para o treinador, para o mercado e para a visão que temos para o clube.

- Como se explica a um jogador jovem como Harvey Elliot que a terra continua a girar depois de uma lesão grave em plena momento de afirmação. Ou a Curtis Jones?

- Boa pergunta. Depende muito da personalidade de cada um. No caso em concreto do Harvey e do Curtis, são jovens e têm tanta fome dentro deles, tanta vontade de querer jogar e de estar que a maior preocupação é gerir esta expetativa, dizendo que tudo vai ficar bem, que é preciso tempo e dar os passos certos. E os passos certos quem tos vai explicar são as pessoas responsáveis pelo departamento médico no clube, são elas que te vão conseguir guiar na melhor altura.

- É que é o pior momento…

- Sem dúvida. Mas é preciso não deixar que entrem em frustração com o momento em si, porque muitas vezes estamos a pensar que vai correr como se espera e não corre. E são esses momentos os mais difíceis para os jogadores, porque criam dúvidas. Por exemplo, na Bélgica, o Kaide Gordon jogou depois de 18 meses parado, e este processo é muito, muito difícil. É preciso ter as pessoas certas à volta. Kaide veio connosco para uma pré-época sem estar sequer pronto a estar em campo, mas simplesmente debatemos… Numa idade com muita coisa a acontecer, quisemos dar-lhe essa segurança de que continuava a pertencer ao plantel principal, que estávamos a cuidar dele e que ele estava connosco. Estes pequenos gestos, estes detalhes fazem muita diferença. Depois, é o dia a dia, e andares por perto. Não estás constantemente lá, mas ele sabe que a qualquer momento pode vir falar connosco. Costumamos dizer que são momentos em que o jogador tem de se sentir um pouco como a esposa que espera 20 anos que o seu homem volte da prisão. Ou da guerra. Vamos continuar à espera. O jogador tem de sentir que vamos continuar à espera dele. Esse sentimento de pertença é importante.

Stefan Bajcetic (Foto: IMAGO/Sportsphoto)

- Além desses, há vários outros nomes já a aparecerem no plantel principal, casos de Marcelo Pitaluga, Jarrell Quansah, Conor Bradley, Stefan Bajcetic e Ben Doak… Consegue traçar o perfil atual de cada um? 

- Diferentes momentos, diferentes trajetos. O Marcelo é guarda-redes, fomos contratá-lo ao Brasil. Tem tido um bom desenvolvimento e está numa fase em que emprestá-lo será importante, porque será exposto constantemente a jogos, a ser o número 1. É diferente fazer um jogo ou ir jogar aos sub-21 quando necessário, mas não se é o número 1 em termos de responsabilidade, de grupo, na forma como te relacionas com os defesas, etc., e ele está a entrar nesse patamar. O Jarrel teve um desenvolvimento e crescimento incríveis. A nossa ideia foi sempre que se desenvolvesse junto da primeira equipa, onde há uma ideia do que gostamos de ver num central. Ele precisava de tempo para encontrar soluções para as dificuldades, tinha de se ajustar. E isso só seria possível se fosse exposto à forma como queremos jogar, como treinamos, e conseguiu-o. Isso fez com que decidíssemos emprestá-lo em janeiro, na altura a um clube de League One, o Bristol Rovers, e teve um desempenho fantástico. Regressou, fez pré-época e em função das necessidades temos visto o desempenho que tem tido. O Conor Bradley é muito semelhante em termos de projeto ao Quansah. A diferença é que o Conor se mostrou, desde muito cedo, um lateral ofensivo, com muita qualidade de cruzamento e de capacidade no 1x1 no último terço e uma qualidade técnica acima da média. Quando o víamos nos sub-18 e sub-21, na altura sub-23, onde havia a necessidade de jogar com extremo, havia que estimulá-lo sobretudo em termos defensivos, tanto de entendimento como de execução. Foi emprestado um ano ao Bolton e foi o melhor jogador. Teve um ano fantástico, chegou, sofreu uma lesão e só agora está a voltar à equipa. É daqueles casos que tem tudo à frente, mas ainda tem de dar alguns passos. Mas o clube faz isso muito bem. A proximidade que existe… O Jürgen faz isso muito bem. A forma como ele se relaciona com estes jogadores é fantástica. O Stefan [Bajcetic]…

- Que foi uma solução de recurso…

- Foi uma necessidade…

Jarrell Quansah ao serviço da seleção inglesa sub-21 (Foto: IMAGO / Uk Sports Pics Ltd)

- Queimou etapas nessa altura?

- É uma decisão tomada quando sabes que tens um ali talento e que vai dar perfeitamente. Dizes: ‘vamos arriscar e vamos conseguir.’ E esteve fantástico. No ano passado, fez jogos incríveis para a idade, com um rendimento fantástico. Consegue-se perspetivar um bom futuro para ele. Nunca houve necessidade de ir a empréstimo, pelo que já falámos. Na formação, jogava a central e, nesta lógica de chamar jogadores à equipa principal, houve um treino em que dissemos uns para os outros: ‘tem coisas, se calhar conseguimos pô-lo a jogar no meio’. O primeiro toque dele, o seguimento que consegue dar à bola, não ver só ao perto, mas também para além daquilo que está a três ou cinco metros dele… O que fizemos foi expô-lo logo nos sub-21 na posição 6. E se os sub-21 não jogassem com 6? Se a prioridade era vê-lo a equipa tinha de se ajustar. Há pequenas coisas que nos têm de fazer ponderar, sobretudo nestas equipas- Se a prioridade era observá-lo imediatamente, porque poderia acontecer a curto prazo, foi o que fizemos. E a partir daí tem sido fantástico. Ainda tem muito para evoluir e por onde crescer, mas é incrível. 

- O Ben Doak…

- Em função daquilo que foi o ano passado em termos de rendimento quer na Youth League quer nos sub-21, e do seu perfil, porque é muito rápido, bom pé direito, pé esquerdo, forte no 1x1, sentimos a necessidade de expô-lo a treinos na primeira equipa para ver ser resolvia os problemas da mesma maneira ou se alterava a resposta. Teve um impacto muito grande, porque é muito explosivo, muito aquele diamante em bruto, e agora está numa fase em que pensa: ‘OK, agora estou a treinar na primeira equipa com regularidade, mas tenho de ter rendimento aqui ou nos sub-21?’. Estas questões fazem com que, por vezes, haja menor regularidade, mas acho que que está a voltar a encontrar a sua identidade, o entendimento de jogo, do que um extremo do Liverpool tem de ter em termos de preocupações ou do tipo de problemas que pode resolver já nesta idade e que o vão ajudar a ter mais rendimento no futuro. Está nesta fase, está connosco.

- Isso leva-nos à pergunta de muitos milhões de dólares: algum deles pode ser o próximo Alexander-Arnold?

- Se falamos em termos de jogadores da formação sustentarem-se na equipa principal, esperemos que sim. Trabalhamos para que exista essa possibilidade para todos eles… A forma como o plantel foi pensado, a forma como olhamos também para a formação para todos eles. Por nós, seria fantástico que acontecesse. Mas também é injusto colocar-lhes essa pressão, esse peso em cima.

- Mas vê esse potencial?

- Sim. O Trent é fantástico. Tem características que, se calhar, mais nenhum lateral direito do mundo tem neste momento. E a forma como cresceu, sendo um miúdo da cidade, um scouser… Chegou à primeira equipa, um sonho fantástico, teve o desenvolvimento que teve, ganhou a versatilidade e o entendimento do jogo que apresenta no momento… Aquela forma como consegue isolar jogadores a 60, 80 metros, a qualidade de passe e de cruzamento, a liderança que se começar a ver nele, é um jogador fantástico e não é fácil que se consiga ter sempre isso num projeto de formação. Agora, se é possível? É possível. Vai acontecer? Não sabemos.

Ben Doak em ação frente ao Saint-Gilloise (Foto: IMAGO / Isosport)

- Klopp é aquele treinador que, pelo carisma e capacidade de motivar os outros, é capaz de extrair logo de imediato boa resposta dos miúdos?

- É um sonho para qualquer jogador jovem ter um treinador como o Jürgen. Primeiro, porque acredita. Acredita muito no jogador da formação e nos jovens. É um treinador que dá a oportunidade, mas ao mesmo tempo é exigente. É alguém que, acima de tudo, lhes permite serem livres em termos de identidade nestas alturas. Colocar um jogador jovem uma vez não é apostar na formação, é preciso dar continuidade. E o Jürgen tem esta visão, esta ideia para o Liverpool, e é fantástico. Ele sabe que pode exigir no treino e no jogo, mas tem de ter algum carinho devido à idade e ao momento que eles vivem. Mas tem muito a ver com o projeto da formação também. É importante esta ideia de que tens de sobressair pelo futebol, não pelo carro ou a roupa que vestes. Por exemplo, um jogador que ainda pertence aos sub-21 tem de vir todos os dias com o equipamento de treino. E quando vai à primeira equipa tem de vir na mesma com o equipamento vestido. Só quando passa à primeira equipa aí sim pode vir como quiser. São detalhes que te ajudam a criar uma cultura. Isto é importante. Quando eles vêm sabem que a forma como têm de sobressair é cabeça para baixo e treinar. É isso que nós tentamos, procuramos desenvolver estas pequenas coisas.

- Porque Inglaterra ainda não replicou as equipas B?

- Por diferenças políticas relacionadas com a forma como estão estruturadas as ligas. Uma é organizada pela Premier League e as outras pela EFL [English Football League], não é como em Portugal. E isso gera logo diferenças. Depois porque no mercado existe um grande poderio dos Big 8 da Premier quando comparados a uma League One, ou seja o investimento que iria existir poderia criar aqui alguma… Enquanto em Portugal, o número de equipas B foi relevante mas baixo, aqui até clubes do  Championship teriam facilmente uma equipa B, o que iria aumentar exponencialmente o número de equipas. É algo que faz sentido e traria benefícios, mas que, em função do mercado secundário que existe em Inglaterra, da forma como as ligas estão organizadas e da cultura do clube de um nível mais baixo, em que mesmo os da League Two têm 10 mil, 5 mil adeptos nas bancadas, obrigaria a uma ponderação muito grande. São decisões que levam o seu tempo.