«Fico orgulhoso por ser um caso de sucesso depois de deixar o futebol»
Miguel Garcia (Foto: Miguel Nunes/ASF)

ENTREVISTA A BOLA «Fico orgulhoso por ser um caso de sucesso depois de deixar o futebol»

NACIONAL29.12.202309:00

Antigo lateral-direito do Sporting acredita num leão campeão esta temporada

O eterno herói de Alkmaar, hoje com 40 anos, deixou os relvados em 2016 e desligou-se da área, apostando no ramo imobiliário. Uma conversa diferente, na qual exorta os futebolistas a apostarem na sua formação demonstra o orgulho de ser um caso de sucesso e também vai à área das remunerações.

— Após mais de duas décadas (formação incluída) como futebolista, o que ficou da experiência dentro dos relvados? 

— Primeiramente fica sempre o Moura porque foi onde aprendi a dar os primeiros toques na bola; as pessoas que me ensinaram, o Zé Correia e o Pelica, porque a partir daí é que desenvolvi as minhas características como jogador e depois, sem dúvida alguma, o Sporting, clube no qual passei a maior parte do tempo como jogador e por tudo o que me proporcionou e me ter tornado o jogador que fui e a pessoa que me acabei por tornar dentro e fora de campo.

— Mas ‘cortou’ completamente com o futebol? 

— Não cortei, trabalho indiretamente com a área. Surgiu porque como jogador desenvolvi paixão pelo ramo imobiliário. Na altura, falávamos no balneário com os mais velhos, como Sá Pinto, Pedro Barbosa ou Rui Jorge e eles aconselhavam-nos a fazer investimento imobiliários ou gestores de conta para termos as nossas poupanças e comecei a ganhar o bichinho do investimento imobiliário, comecei a ter formações, comecei a ver que poderia ter ali outra fonte de rendimento para não depender só do futebol. Depois tive uma lesão no joelho que me impediu de jogar durante um ano e meio e comecei a apostar cada vez mais na minha formação no imobiliário e acabei por tirar uma licenciatura e especializar-me neste ramo. É uma área que me permite ter mais liberdade temporal para dedicar mais tempo à minha família e filhos, porque estive muito tempo sem eles quando joguei no estrangeiro. É o que me estou a ver a fazer porque o futebol sempre foi uma das minhas grandes paixões e através da empresa consegui interligar um bocadinho o futebol e o ramo imobiliário.

— O seu caso é a prova de que se pode ter um nível de vida bem aceitável mesmo não estando ligado ao futebol. É como que uma lição para ex-futebolistas?

— Penso que para chegar à I Liga tivemos de passar por um processo de treino, então, quem está a jogar ao mais alto nível de aprender. No imobiliário é igual: tive de fazer formação, tirar licenciatura, fazer alguns investimentos para aprender. Foi um caminho que desenvolvi até constituir a Global Pro Quick com o meu sócio Nuno Garcia, que é advogado. O que aconselho a toda a gente é tirarem formações, aprenderem, porque se não apostarem na formação é sempre mais difícil alcançar o sucesso.

— Diz-se que ganha mais dinheiro na imobiliária do que como jogador de futebol. É verdade?

— Isso foi o Carlos Martins que disse [risos]. É assim: como jogador passamos por várias fases e dependendo do clube, depende o salário. No imobiliário também, mas vai-se crescendo duma forma gradual. Claro que hoje ganho muito mais do que há cinco anos quando iniciei a empresa porque vamos ganhando mais experiencia; já sabemos os nichos de mercado mais interessantes, vão surgindo mais oportunidades. A experiência e o dinheiro estão muito relacionados e hoje ganhasse muito mais do que inicialmente. Em relação ao futebol, ainda nem fiz essas contas, mas posso dizer que se ainda não ultrapassei o que ganhei estou lá perto.

— E está nesta área há cinco anos e a carreira de futebolista durou muito mais…

— Sim, o futebol durou aí 15 anos. No ramo imobiliário pode ganhar-se muito dinheiro quando se tem formação, algum capital e dedicação a 100 por cento. 

— Fica orgulhoso por ser um caso de sucesso no pós-futebol?

— Claro, mas isto deve-se tudo à dedicação e ao compromisso que temos connosco próprios.

— A disciplina do futebol é boa para depois se transportar para essa área?

— Sem dúvida alguma. A disciplina nos negócios é muita a que se tem como profissional de futebol. Se tiveste sucesso no futebol devido à forma como o encaraste, vais ter também nos negócios.

Miguel Garcia (Foto: Miguel Nunes/ASF)

— Ainda há muita iliteracia financeira entre os jogadores de futebol?

—_Cada vez há menos. Na minha altura, do meu ano ou até um bocadinho acima não me lembro de muitos jogadores que tenham completado o 12.º ano. Eu completei o 12.º ano à noite, em Alcochete, com o Hugo Valdir, mas foi uma decisão nossa. Muitas vezes era incompatível estudar porque os treinos eram de manhã e de tarde e quando te tornas profissional apostas especificamente na tua carreira e estudar depende de ti próprio.

— É um combate dum jogador contra si próprio?

— Também, é o orgulho de teres um objetivo, de dizeres: ‘Ok, este é o meu objetivo e vou concretizá-lo independentemente de ser profissional ou não, porque, naquela altura, ter o 12.º ano era um orgulho porque ninguém tinha’. A malta chegava ao 10.º ano e desistia.

— Resistir às tentações é o mais difícil?

— É difícil porque, por exemplo, quando fui para a primeira equipa do Sporting ganhava 1800 euros e tinha um Seat Ibiza comercial e ao meu lado havia Porsches, Mercedes, BMW’s e a tentação era: deixa-me, pelo menos, ter um BMW ou um Mercedes para não parecer tão mal. Com 1800 euros não dá para comprar muita coisa, mas depois era um bocadinho a vergonha dos outro terem carros de luxo e eu ter um Seat Ibiza. Independentemente de ser um carro muito bom e gostar muito dele. Depois comprei o Cupra TDI, mas não deixava de ficar um patamar abaixo dos outros jogadores. É preciso ter cabeça, ter alguém que te aconselhe, senão perdeste completamente.

Miguel Garcia (Foto: Miguel Nunes/ASF)

— Chegou a emprestar dinheiro a colegas seus para pagarem empréstimos de casa?

—  Isso aconteceu na Turquia porque havia jogadores que não ganhavam assim tanto e não tinham literacia financeira. Mas, mesmo na minha altura, o que noto é que não tínhamos ninguém ao nosso lado para nos ajudar. O meu exemplo: saí de casa com 14 anos, nunca tive os meus pais ao meu lado quando comecei a ganhar algum dinheiro, nem tive essa oportunidade deles me ensinarem a gerir o meu dinheiro, tive de aprender sozinho. E, como eu, havia centenas de miúdos na mesma situação. Alguns tinham mais cabeça do que outros, mas depois temos colegas ao nosso lado que um tem um carro, outro tem roupa, o relógio… e é muito tentador seguir esses exemplos independentemente do salário que tenhamos.

— O que lhe vem à cabeça quando se lembra de 5 de maio de 2005. quando, na meia-final diante do AZ_Alkmaar, no final do prolongamento, marcou o golo que apurou o Sporting para a final da Liga Europa?

— Um momento muito especial. Fica para sempre para todos os sportinguistas que viram o tal golo na Holanda.

— Revive muitas vezes o momento?

— Revivo porque encontro muitos sportinguistas em todo o lado e toda a gente me fala daquele momento porque toda a gente tem uma história por trás daquele golo. O que partiu uma jarra, o que saltou e virou a mesa… o que estava nos EUA a ouvir, há sempre uma história por trás desse golo. Por mais que me abstraia desse momento sou sempre relembrado com alguma regularidade. No estádio quando vou ver os jogos, há sempre alguém que relembra o herói de Alkmaar.

Miguel Garcia (Foto: Miguel Nunes/ASF)

— É o momento da sua carreira futebolística?

— É porque nunca fui de marcar muitos golos e esse valeu por muitos. Foi o momento mais alto da minha carreira e é gratificante ser reconhecido por esse golo. Muitos só se lembram de mim por causa desse golo, mas não há problema porque foi importante para mim e para o Sporting.

—Os seus filhos têm noção da dimensão desse golo? 

— Já vão tendo um bocadinho porque quando estão comigo há pessoas a dizer:’ olha, vai ali o Miguel’. E eles perguntam: ‘mas este conhecia-te?’ Respondo: ‘Não, o pai jogou no Sporting e ele deve ser sportinguista’. Já se vão apercebendo um bocadinho.

— De todas as experiências, de todos o países por onde passou, onde gostou mais?

— Tirando Portugal, estive em Espanha, Itália, Turquia e Índia. A que gostei mais foi na Índia, porque é tudo completamente diferente. Talvez também por ter sido na fase final da carreira, já mais descontraído, sem pressão, em que consegui aproveitar mais a vida fora do futebol.

— Arrepende-se de ter deixado o Sporting em 2007?

— Não, porque fui para Itália e estava num contexto muito favorável na Reggina, numa equipa em que o treinador me adorava. Tive foi o azar da lesão grave, que me deixou parado um ano e meio.