O pecúlio de 2023 no museu Cosme Damião

Ano desportivo magnífico do Benfica, de eclectismo inalienável. Numas modalidades o campeão voltou, noutras o campeão juntou...

SIM, 2023 está a ser um ano desportivo magnífico. No meu Benfica. Não me leve a mal o leitor, mas hoje quero aproveitar as Papoilas e Girassóis para me aprazer com o registo dos títulos alcançados. Não de todos, porque para tal não tenho espaço, mas dos campeonatos, enquanto principais competições. Em algumas delas, o campeão voltou, noutras o campeão juntou. Claro que o futebol em primeiro lugar, com o 38 e os títulos nacionais em juvenis e iniciados.

Mas sentindo o eclectismo inalienável do Benfica, também vivi, com intenso júbilo, o voleibol (tetra campeonato, e 8º dos últimos 10), o basquetebol (bicampeonato e 29º título) e o regresso vitorioso do hóquei em patins (24º título), conquistados em play-offs emocionantes. Para mim, estas três modalidades são as que mais aprecio: o voleibol, pela sua beleza e emoção num desporto sem embrulhadas físicas; o basquetebol, um desporto que quase é uma arte; o hóquei, pelo que em mim transporta na memória dos tempos radiofónicos. Abro um parêntesis para dizer que compreendo a ideia destes play-offs, mas tendo a discordar deste substituto da classificação por pontos que, melhor e mais justamente, revela a melhor equipa numa competição longa. Verdade seja dita, porém, que as tais eliminatórias para apuramento do campeão só raramente têm um resultado diferente da classificação por pontos. Este ano, o Benfica campeão nas modalidades referidas foi também o vencedor das fases ditas regulares. Tal como o Sporting, no futsal.

Também no sector feminino, crescentemente valorizado, foi um ano de ouro: tricampeonato de futebol, decacampeonato (!) de hóquei, hexacampeonato de futsal, bicampeonato de andebol, além de outros títulos nestas modalidades e no basquetebol. E também no polo aquático.

Por vezes, dou comigo a pensar na expressão modalidade, comummente usada para designar os desportos colectivos. Acontece que, em geral, este termo se aplica a todos os desportos, mas não tanto ao futebol. Tentando encontrar uma explicação, creio que tal se deve à primazia do chamado desporto-rei por razões de maior impacto desportivo, profissional, económico e social e à circunstância histórica de as modalidades estarem associadas à característica inicial de desporto amador, ainda que hoje estejamos já num patamar de significativo profissionalismo. Aliás, esta hierarquia ainda reside nos estatutos do SLB, o artigo 3º refere que «O Sport Lisboa e Benfica é um clube desportivo ecléctico, tendo por primordial finalidade o fomento e a prática do futebol em diversas categorias e escalões e, complementarmente, a prática e desenvolvimento das diversas modalidades desportivas.»

P.S. Excelente a edição de A BOLA O Ano do Maestro que, saborosamente, li de fio a pavio.
 

Qual o sentido de um Gibraltar-França?

FOLHA SECA

Tal como a inflação gera perdas de rendimento real, também o excesso de jogos e torneios de futebol vem gerando menor interesse dos mesmos. Já não bastavam as competições de clubes na Europa para todas os gostos (por exemplo, a criação da 3ª divisão de clubes da UEFA, pomposa e estranhamente chamada Liga Conferência). Já não chegava a tal Liga das Nações que permite joguinhos de escasso interesse. Agora temos as qualificações para o Campeonato da Europa metidas à força em período de férias nos clubes que municiam as selecções nacionais, além dos torneios sub-21, sub-19 ou sub-qualquer outra idade que também se jogam a desoras (ou a desmeses).


Como a UEFA deve lucrar mais com mais jogos, temos 24 selecções na fase final do Europeu. Ou seja, 44% das 55 federações. Uma fartura! É claro que, apurando-se as 2 primeiras classificadas em cada um dos 10 grupos, salvo uma ou outra excepção ou uma enorme surpresa, já se sabe quem continua e quem fica pelo caminho. É quase um pró-forma para aumentar internacionais de aviário inflacionados no mercado e acrescer estatísticas e recordes. Foi, assim, que tivemos excitantes jogos nesta semana, do tipo degola dos inocentes como Gibraltar-França, Malta-Inglaterra, Ilhas Faroé-Chéquia, ou do tipo próprio para cardíacos como Chipre-Geórgia, Bielorrússia-Kosovo, Arménia-Letónia, São Marino-Cazaquistão ou Luxemburgo-Liechtenstein. Também o Europeu na Alemanha decorrerá até 24 de Julho de 2024 (!), quase misturado com eliminatórias de clubes europeus e inícios de competições nacionais! Cadê as férias?
 

JOGOS FLORAIS 

A entrevista de Rui Jorge. Se houve uma entrevista que me seduziu pela autenticidade e seriedade, sem tacticismos, sem meias-palavras, sem correcções político-futebolísticas foi a que, há dias, Rui Jorge, seleccionador de Portugal sub-21 (desde há 13 anos), deu à BOLA TV e reproduzida parcialmente em A BOLA. Palavras sabedoras mas simples, ideias claras e estáveis sem a ditadura da pressa e da circunstância, objectivos serenos e ponderados sem excitações inconsequentes. Que os jovens que por ele passam desfrutem desta sua liderança e educação. E que, apesar do inesperado desaire na estreia, seja feliz no Europeu da Geórgia. Bem o merece.


FAVAS CONTADAS

3 e não 4. Tenho lido e ouvido recorrentemente que o Benfica voltou a ser campeão 4 anos depois. Não é verdade. O Benfica ganhou após 3 anos (melhor dito, 3 épocas). Vejamos: o último título foi em 2018/19. Os três seguintes foram ganhos pelo FCP (2) e SCP. Não se pode adicionar o ano em que se reconquistou o título (2022/23). Por absurdo, seria o mesmo que dizer que um clube quando conquista o título em 2 anos consecutivos…esteve 1 ano sem ganhar!
 

 


FOTOSSÍNTESE

Futebol das arábias. Arábias & Emirados têm sido o novo lar da pré-reforma de craques. Agora também íman poderoso para atrair novos e valorosos artistas (e treinadores). Pelo andar da carruagem (ou do camelo, se preferirem), no futuro, o ‘top’ 5 europeu perderá o oligopólio futebolístico. É o tempo do estrelato de todos os ‘Al’: o Al Farelos, o Al Cunha, o Al Calino, o Al Cavala, o Al Gema, o Al Maço, o Al Pista, etc. Ou seja, futebol com pouca bola, mas muitos ‘petrobola(res)’. Tudo com lágrimas de crocodilo dos seus novos e insaciáveis imigrantes a proclamar o fim dos combustíveis fósseis. Os tais que permitem às Arábias & Emirados esbanjar obscenamente rios e golfos de dinheiro. Os tais que, sob a forma de fundos soberanos e afins, compram à tripa forra e desvirtuam o já de si frágil equilíbrio inerente à boa competição global.