Trabalhou no Al Nassr como diretor geral da formação e treinador do Al Nassr, enfrentou o treinador no campeonato saudita e partilha como os dois portugueses são vistos naquele país

«They love you, Jesus, they love you»

Um cofre cheio de dinheiro, CR7 e Jesus na Arábia Saudita: histórias contadas por Hélder Cristóvão em entrevista a A BOLA

— Depois cinco anos na equipa B do Benfica vai para a Arábia Saudita. Como e porquê?

— Entendemos, eu e estrutura do Benfica, que o meu ciclo tinha terminado. Fiquei sem nada na altura… coisas da China, coisas de longe, não interessavam, e apareceu uma proposta para poder ser diretor-geral da formação do Al Nassr. Na altura, pensei: ‘É ou não é?’ Falei com o [Carlos] Carvalhal, que tinha estado nos Emirados. Ele disse: ‘Vai, vai que estive também aqui nos Emirados, é uma experiência fantástica, vai-te ajudar até como treinador.’ E fui. Foi uma experiência fantástica, porque deram-me carta branca e consegui fazer tudo aquilo que tinha pensado. Cheguei lá e vi condições boas, tive de fazer tudo, desde mandar pintar o hotel, mudar camas do hotel, criar uma rede de transporte para o clube, os jogadores vinham de táxi, com o colega, de mota... E eu tinha um cofre assim [gesto de grande], no meu escritório, cheio de dinheiro, que todos os dias tinha de dar para o táxi, para a comida, para o café. Criei departamentos, uma rede de transporte, alargamento do campo de treinos, onde treina agora a equipa principal. Fiz muita coisa, muita coisa, e depois ainda tive algum período na equipa principal como treinador.

— Sim, depois o menino caiu-lhe nos braços, mas já lá vamos. 

— O menino bom.

— Mas como é que era o dia-a-dia? Passava o tempo praticamente todo ocupado, do condimínio para o centro de treino?

— Sim. Os primeiros três, quatro meses, direi cinco, talvez, foram passados praticamente no centro de treinos.

— Teve tempo, por exemplo, para beber, da cultura saudita?
— Sim, sim. Sim, porque fui convidado muitas vezes para ir à casa do presidente, portanto, é uma cultura diferente.

— E o que é que o impressionava mais?
— O luxo, a fartura, o mostrar o poder económico que tinham. Para eles era uma coisa normal, mas para quem vem... Ou seja, imagina o presidente com duas casas iguais. Uma de um lado, outra de outra, com um muro ao meio. Uma para a família, uma para ele e para os amigos. Tudo igual. Recebia os convidados, os amigos, todos os dias. Tinha dois cozinheiros e recebia sempre toda a gente. 

— Deu-lhe alguma prenda inesperada que tenha guardado com especial carinho ou que possa revelar?
— Tenho. Está guardada. Mas não vou revelar. Senão vão-me roubar.

— Como é que foi, de um momento para o outro, estar com a equipa nos braços, como treinador principal?

— Dois ou três resultados menos bons, também alguma fricção do [treinador Daniel] Carreño com a Direção. E há uma chamada, cerca de meia-noite, uma da manhã, para ir ao centro de treinos. ‘Vem aqui que tenho quero falar contigo, está aqui o vice-presidente.’ Chego lá, está o vice-presidente, o presidente e está o diretor-geral. E perguntam-me: ‘Estás preparado para fazer o jogo?’ Faltavam três dias. Disse: ‘Estou. Sou treinador, estou preparado.’ Foi um período muito bom. Gostaram muito. Mas, ao mesmo tempo, estavam sempre a dizer: ‘Coach, precisamos trazer um big name, porque é um clube dos príncipes. Uma família de príncipes. Cheguei a estar a jantar com todos.

— Pelo caminho há o empate com o Al Hilal de Jorge Jesus.
— Esse é o jogo que toda a gente ainda fala nas redes sociais. Estamos a perder 2-0 e faço uma alteração. Fui feliz na alteração. Tiro um jogador e meto o outro. E esse jogador ajuda, e muito, equipa a mudar. Fizemos 2-2.

— Encontrava-se algumas vezes com o Jorge Jesus?
— Sim. Depois dele ter saído, voltou à Arábia. Fomos almoçar ao Ritz. Pagou ele, claro. E falamos muitas vezes.

— Como é que avalia o impacto do Ronaldo na própria sociedade?

— O Ronaldo é um fenómeno mundial, a marca Ronaldo, a presença dele, o que ele tem feito pelo futebol na Arábia Saudita, não só contribuindo com exibições e golos, mas também com a sua presença. Está em tudo que é Desporto na Arábia, consegue trazer não só figuras do Desporto, mas também figuras internacionais.

— E Jesus?  

— O Jesus é talvez o melhor treinador da história da Arábia Saudita, para mim. O que ele tem feito na Arábia Saudita, a forma como se enquadrou no futebol saudita e a forma como ele exige ou exigiu do clube para ter as condições e os jogadores estarem como estão, é um mérito tremendo. Acho que vai ser campeão 

— E é mesmo como ele diz... ‘I love you, Jesus. I love you, Jesus?' 

— 'They love you, Jesus, they love you.'

 — Queria falar da Seleção Nacional e da longevidade de Ronaldo. Quais serão as possibilidades de Portugal no Mundial? Agora, assume-se sem problema que é entrar para vencer. 

— A ideia é a mesma. Comungo dessa opinião: é entrar para vencer. Temos talvez a melhor geração, instalada em bons clubes europeus, que nos permite sonhar e pensar e encarar os jogos para ganhar. E tem que ser assim. Esta geração merece ou tem que fazer tudo para ganhar um Mundial. E este é o momento. Este é o momento ideal para o fazer. Até porque pela idade de alguns jogadores, como Ronaldo, poderá ser o último Mundial dele. E seria para ele excelente acabar com o Mundial conquistado. 

— O que é que lhe faltou fazer como jogador? Houve algum momento da carreira que teve uma proposta que não pôde aceitar. E o que é que lhe falta fazer como treinador?
— Como jogador, tive várias propostas. Não ter continuado no Newcastle. E depois foi o Atlético de Madrid. Tinha tudo certo com eles. Na altura era o Futre era o diretor desportivo. Com contrato de três anos também. Mais um para a gaveta. E que não se conseguiu fazer porque na altura o Atlético de Madrid tinha 18 jogadores para colocar no mercado e o Futre não conseguiu fazê-lo. Mas ficou aí essa mágoa de não ter podido saltar do Deportivo para o Atlético de Madrid. Como treinador, tanta coisa. Olhando para Jesus, Mourinho, que são os treinadores com mais idade no futebol neste momento. Falta-me fazer muita coisa e quero fazê-la. E estou preparado para isso e vamos encarar os desafios de frente. Também um bocado de sorte. Mas acho que ainda posso oferecer muita coisa, quer ao futebol nacional, quer ao internacional. As ideias estão lá, a liderança também, portanto, venham aos projetos.