Hélder Cristóvão: «Mourinho já está a dar muito ao Benfica e é um ganhador»
Jogou seis épocas e meia no Benfica, foi campeão e capitão, representou o Corunha, o SuperDepor, o Newcastle e o PSG, para lá claro do Estoril. Treinou cinco épocas a equipa B das águias, lapidou alguns dos maiores diamantes da formação, treinou no Al Nassr e esteve as últimas três temporadas no Penafiel. Agora que o Benfica joga com o Newcastle, em St. James' Park, pouca gente haverá com melhor conhecimento para falar desse duelo. E não só. A conversa, resumida em duas páginas, daria para um livro.
— Começando pela atualidade, como analisa este momento do Benfica. Que contributo pode dar Mourinho a esta equipa do Benfica, que outros não podem?
— Isso é uma boa pergunta. Mourinho já está a dar muito ao clube. Para nós, portugueses, e benfiquistas mais, é um prazer enorme ter Mourinho cá. Ninguém esperava que voltasse tão cedo à nossa realidade. O foco já está nele. Já não está muito na equipa, não está nas exibições, até já nem está tanto no presidente, tirando as eleições, mas já não está tanto. Consegue chamar a si essa responsabilidade. Tem uma forma fantástica de comunicar, comunica como ninguém. Já ninguém se lembra dos jogos sofridos com o Gil Vicente, com o Rio Ave. Consegue rapidamente tirar o foco do que esteve menos bem para outro assunto, mais pertinente. E depois há toda a inteligência tática dele. Neste momento a equipa deu um passo atrás. Com o Lage tinha algumas coisas, com o Mourinho está a tentar ter outras. Deu um passo atrás, viu por cima.
— E o que é que está a tentar ter?
— Está a tentar organizar de trás para frente, sabendo que o Benfica tem muitas lacunas nos corredores laterais. Falta-lhe um bocadinho mais de velocidade e de imprevisibilidade nos corredores. O Benfica não tem neste momento isso. O Lukebakio pode ser que dê um pouco isso, mas é um jogador muito de espaço. Não é um jogador do último terço que consiga desbloquear. É mais transição que de qualidade para desbloquear no último terço. Agora, é o Mourinho, olhando um bocado para isto, e posicionar a equipa um pouco mais à frente. Tem ali a Enzo e Ríos. Vai ter que tirar aquele duplo-pivô e já se vê um pouco o Ríos mais subido. Porque o Benfica precisa ter mais gente na frente, mais gente na pressão ofensiva. É isso que ele está a trabalhar neste momento.
— Compra as críticas de muita gente que diz que este Mourinho já não é o Mourinho inicial, que a produção de futebol das equipas dele já não é tão boa?
— Nem posso. Sendo treinador, nunca posso entrar nessa crítica fácil, menos coerente e menos assertiva. Neste momento, está de diagnosticar a equipa. E não teve muito tempo para treinar. Chegou em competição. Agora, se olharmos para as exibições, não são de encher o olho. Mas para tudo há um caminho. Neste momento, está a procurar esse caminho que lhe vai chegar. Mas não vamos estar à espera de um Benfica a jogar tiki-taka. O Mourinho não é assim. É um ganhador, um treinador que ganha, porque as equipas dele são muito fiéis ao que pede, são muito rigorosas taticamente, são muito disciplinadas e organizadas. E depois, a partir daí, ganham os jogos. O Benfica, neste momento, não tem características para poder jogar dessa forma. Agora, com o Sudakov, um jogador mais de ligação, de último passo, pode fazer coisas diferentes.
— O problema é onde meter o Sudakov, não é? Porque ele é um médio ofensivo, mais de interior.
— Tem de ir para o interior. Isso vai acabar por acontece. É um pouco a ideia que se tem do João Félix. O João Félix começava na esquerda para vir para dentro, mas, quando ele está dentro, o jogo é totalmente diferente. Portanto, porquê é que vamos estar a perder tempo e pô-lo numa posição ali a ver o que é que o jogo dá, se pode começar logo ali? Sudakov vai acabar por jogar por dentro.
— O Benfica que está em desvantagem em relação ao Sporting e ao FC Porto ou com a entrada do Mourinho estão todos em pé de igualdade?
— Neste momento, não está, não é? Está a quatro pontos do FC Porto, está a um do Sporting, ainda tem de jogar com o Sporting e o FC Porto já jogou com as duas equipas, portanto, vejo o FC Porto em vantagem. Mais compacto, com mais fome, com ambição, com determinação. Vejo um Sporting bom no último terço, que joga bem, consegue criar boas situações. Luis Suárez veio trazer coisas diferentes, um jogo mais associativo, roturas mais curtas e mais assertivas no último terço. Possibilita melhores ligações com o Trincão e com o Pedro Gonçalves, que ainda voltou a posição que é dele. O Benfica é uma equipa estruturalmente forte, mas está com quatro pontos de atraso.
— E ainda não sabemos bem o que é o Benfica de Mourinho, como é que ele vai querer jogar.
— Pois, vamos ver. Há algumas incertezas, mas precisa de jogar por fora, precisa de corredores, precisa de acelerar o jogo.
— O Benfica está em período de eleições, o nível da campanha eleitoral tem baixado. Estas coisas entram no balneário?
— Creio que não. Por mais que possam servir, às vezes, para distrair ou para tirar o foco num jogo menos conseguido, mas acho que não, sinceramente. Porque o presidente está lá, foi embora. Portanto, as pessoas reveem-se naquela pessoa que lá está, não é daquela que pode entrar. Vejo as coisas assim.
Sudakov tem de ir para o interior. Isso vai acabar por acontecer.É um pouco a ideia que se tem do João Félix. O João Félix começava na esquerda para vir para dentro, mas, quando ele está dentro, o jogo é totalmente diferente. Portanto, porquê é que vamos estar a perder tempo e pô-lo numa posição ali a ver o que é que o jogo dá, se pode começar logo ali?
— Nestas eleições, conhece muita gente. Conhece o Rui Costa, obviamente, que jogou e trabalhou com ele, Nuno Gomes, que jogou e trabalhou com ele. Vítor Paneira, que jogou com ele. Até próprio Isaías, que também jogou com ele, está numa candidatura.
— E Luís Filipe Vieira.
— Luís Filipe Vieira, claro. Foi contratado por ele e esteve cinco anos com ele. Como é que olha para tudo o que está a acontecer, para estas propostas?
— Estas campanhas são válidas quando aparece muita gente, e apareceram neste caso, mas depois começam a estragar-se. Começam a ir buscar coisas que não têm nada a ver com aquilo que os benfiquistas querem saber, não têm nada a ver com o futuro do clube. Começa a entrar-se muito para o lado pessoal, as campanhas começam a estragar-se, a meu ver. É bom porque apareceram muitos candidatos, poucos foram dizendo o que se quer ouvir e o que é que o Benfica precisa ou o que é que podem fazer do Benfica. É uma pena que muitas vezes o nível pessoal consiga sobrepor-se aos interesses do clube.
— E o que é que o Benfica precisa, resumidamente?
— Precisa de estabilidade. Precisa que todos acreditemos que quem lá está faz o melhor pelo clube. E dar-lhe todas as condições quando for eleito. É preciso dar tempo e confiança [ao presidente]. Os benfiquistas estão atentos e já devem ter noção de em quem vão votar. Portanto, é esperar que corra tudo bem e respeitar aquele que os benfiquistas entenderem que será o presidente.
— Benfica vai jogar em St. James' Park. É verdade que aquela cidade e St. James' Park são especiais, até pela circunstância de se associar muito às pessoas daquela região o facto de serem trabalhadoras e humildes? Podia explicar-nos o contexto do que é que é o Newcastle, que foi comprado pelo Fundo Soberano Saudita? Aquelas pessoas de St. James' Park têm mesmo alguma coisa especial?
— Tem, tem, não se pode esconder, tem mesmo. Já disse tudo. Pessoas trabalhadoras, vêm de uma classe baixa, média/baixa, o único clube na cidade, o prazer de ter um clube a representar a cidade, quer na Premier League, quer na Champions, portanto a envolvência é muito grande. Lembro-me de que no meu ano havia 23 mil pessoas à espera do lugar. Creio que neste momento também há fila de espera, porque só há aquele clube, OK? E as pessoas reveem-se nele um pouco por isso também, a forma como têm o prazer em vestir a camisola quer dentro do estádio, quer fora é uma coisa contagiante. Se lá forem vão ver: quem está no estádio, está com a camisola vestida; quem está fora, seja num pub ou num bar, também está com a camisola vestida. Portanto aquela é mesmo a paixão, a única paixão que eles têm é o Newcastle. E o Benfica vai ter muitas dificuldades.
— Porquê?
— Porque o Benfica tem de ser mais atrevido. Tem de conseguir estar no último terço mais tempo. No Chelsea jogou bem, equilibrou-se bem, teve duas ou três transições na primeira parte nas quais poderia ter marcado. Se o Benfica conseguir fazer um golo cedo vai criar alguma intranquilidade. Se se encolher um pouco vai passar mal. Pela envolvência do estádio, o ambiente que o Mourinho conhece bem. E a equipa do Newcastle é equipa boa, com o Bruno Guimarães, o [Anthony] Gordon. Tem jogadores que conseguem ter a bola e depois tem gente muito rápida e muito agressiva na frente.