João Noronha Lopes na redação de A BOLA — Foto: BRENO BARISON
João Noronha Lopes na redação de A BOLA — Foto: BRENO BARISON

Paço de Arcos foi a capital da mudança de Noronha Lopes

À beira-mar, situa-se um «oásis» de mudança, ganho pelo gestor na primeira volta. Geografia associativa decisiva para um raro exemplo de domínio eleitoral em território luso

A superioridade da votação na candidatura encabeçada por Rui Costa na primeira volta das eleições para a presidência do Benfica foi indiscutível. O presidente ainda em funções reuniu 42,13% dos votos, com 12% de vantagem para João Noronha Lopes, que se ficou pelos 30,26%.

O gestor apurou-se para a segunda volta, agendada para 8 de novembro, mas não conseguiu superar Rui Costa no território nacional… salvo duas exceções. Noronha Lopes reuniu mais votos do que todos os concorrentes no Pavilhão 2 do Estádio da Luz e em Paço de Arcos. No estrangeiro, a lista F sagrou-se vencedora em Berlim, Hamburgo, Bruxelas, Barcelona, Madrid, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em Paço de Arcos, João Noronha Lopes reuniu a preferência de 687 associados do Benfica, que se traduziu em 40,84% do número total de votos e numa vantagem superior a 5 pontos percentuais em relação a Rui Costa (35,56%), votado por 519 sócios. João Diogo Manteigas foi o preferido de 188 associados, mais 15 do que Luís Filipe Vieira, mas o número superior de votos acumulados pelo antigo presidente (4.161) ditou o quarto lugar do advogado.

Martim Mayer reuniu a preferência de 48 votantes, enquanto Cristóvão Carvalho foi o escolhido de dois.

Os resultados finais em Paço de Arcos para a Direção - Foto: SL Benfica

A BOLA procurou perceber as razões para que Paço de Arcos tenha sido a exceção face à tendência de domínio costista verificada em território luso. João Tibério observou a romaria de 1.621 sócios, nem todos habitantes nas redondezas, que se deslocaram até aos Bombeiros Voluntários para participar nas eleições mais concorridas da história do futebol mundial. O ritmo dos que pugnavam por mudança era interrompido por quem apostou na continuidade.  

Onze horas e meia nos Bombeiros Voluntários contribuíram para a identificação de um padrão: a rutura ganhou vantagem. João admitiu, ainda assim, que Paço de Arcos foi uma gota noronhista num mar afeto a Rui Costa: «Tive a perceção que a mudança tinha vantagem. Não imaginei que estava num oásis».

O sócio do Benfica destacou os pontos de contacto entre as secções onde João Noronha Lopes saiu vencedor, em Portugal e no estrangeiro: juventude, informação e quotidiano cosmopolita. «Se olharmos para os votantes de Manteigas e de João Noronha Lopes, quem queria mudança estava em Lisboa. Existe Lisboa e o resto do mundo, a mensagem terá passado melhor nesta zona», analisou João Tibério.

O delegado da lista F considera que uma «mescla de acaso com padrão» justifica o oásis de Paço de Arcos, onde até houve espaço para uma maioria praticamente absoluta. A lista de João Noronha Lopes para o Conselho Fiscal, encabeçada por António Bagão Félix, reuniu cerca de 47% dos votos, com uma larga vantagem para a Lista G. Os resultados totais refletiram uma superioridade de cerca de 3 mil votos do antigo ministro das finanças em relação a Raúl Martins, presidente da lista G.

João Tibério contorna explicações irrefutáveis, mas admite que o histórico e o mediatismo de Bagão Félix podem ter feito a diferença: «Claramente é um homem com menos anticorpos do que João Noronha Lopes.»

A corrida ao Conselho Fiscal - Foto: SL Benfica

Militância e juventude movem a rutura com o passado

Gonçalo Teixeira, 3 votos, justifica os resultados de Noronha Lopes com recurso à geografia associativa. O sócio que exerceu o direito de voto na vila do concelho de Oeiras destaca a «proximidade» entre os sócios votantes no gestor e os participantes na vida associativa do clube. «Por uma questão geográfica, as Assembleias Gerais são mais participadas por sócios de Lisboa. Acho que há maior consciencialização e vontade de mudança nesse público que está mais presente na vida associativa», explicou.

O centro nevrálgico dos apoiantes de Noronha Lopes localiza-se em Lisboa, mas o gestor esteve relativamente longe de superar Rui Costa nas restantes secções do distrito. Apesar de admitir que estava confiante num resultado mais robusto da lista da candidatura Benfica Acima de Tudo para a direção, Gonçalo destaca o peso do statuos quo no contexto político encarnado.

O sócio do Benfica relembrou as últimas duas décadas diretivas, «muito unidirecionais, focadas nas mesmas pessoas» e assentes «no culto de personalidade». «Há uma faixa de benfiquistas, não acredito que por qualificação, que achou que a estabilidade é o caminho», destacou.

Tiago Silva partilha a opinião de Gonçalo, mas destacou a importância do local da secção de voto. O sócio que se levantou do sofá a meio do duelo entre Benfica e Arouca para ter uma experiência de voto bem mais tranquila saudou a independência do processo em Paço de Arcos. «A votação foi nos Bombeiros Voluntários, não foi numa Casa do Benfica. Existe uma promiscuidade entre quem gere as casas e o Benfica, influenciam as pessoas. Aqui houve um pouco mais de independência», explicou.

Existe uma promiscuidade entre quem gere as casas e o Benfica

O sócio que teve direito a 10 votos para cada um dos órgãos sociais desenhou um cenário em que as Casas do Benfica «puxaram para Rui Costa» e inclinaram o tabuleiro eleitoral. As análises dos resultados obtidos nas secções de votos distribuídas pelo distrito de Lisboa desconstroem esta tese: entre as doze secções colocadas, apenas quatro situaram-se em Casas do Benfica.

Rui Costa venceu em dez secções de votos no distrito lisboeta, mas os sócios contactados por A BOLA alertaram que tal não invalida o desejo emergente de alterar o estado das coisas. «Há pessoas da Grande Lisboa que estão informadas de uma maneira diferente e desejosas de mudar. Há adeptos do Benfica que se contentam com pouco e há outros que querem que o clube seja hegemónico», frisou Tiago.

O sócio dos encarnados considerou que os apoiantes de Rui Costa estão «obcecados com uma ligação emocional a um antigo jogador e menos preocupados com o futuro».

Luís Rodrigues, entre lamentos pela situação diretiva encarnada atual, procura encontrar explicações para a «bolha» de Paço de Arcos. «O Chega também teve uma votação muito pouco expressiva aqui. Em termos meio humorísticos, aqui neste concelho estamos habituados ao rouba mas faz. E não queremos um rouba mas não faz», destacou, sem esquecer o peso da juventude.

Do alto dos 50 votos a que tem direito, Luís manteve a confiança e relembrou que a corrida ainda não acabou: «Quem quer mudança vai tentar até ao fim.»

Que futuro?

Os sócios auscultados por A BOLA admitiram que os ventos de mudança que emanaram a partir de Paço de Arcos e da «bolha» das redes sociais anteciparam um resultado total completamente diferente daquele que as 16h30 do passado domingo anunciaram.

«Quem vota Rui Costa é menos vocal. A ciência política diz-nos que as pessoas que querem mudança são mais ativas e as pessoas que querem o status quo não sentem essa necessidade», explica João Tibério.

Gonçalo Teixeira partilha da mesma perspetiva, mas frisa que as duas candidaturas têm uma presença e uma base de apoio vincadas nas redes sociais: «O público do Facebook, não sei se é mais velho, mas apoia esmagadoramente Rui Costa, não se vê grande vontade de mudar. Depois há um público mais jovem, entre os 18 e talvez os 45 anos que está um pouco mais atento aos materiais produzidos pelas campanhas.»