André Villas-Boas (FC Porto), António Salvador (SC Braga), Frederico Varandas (Sporting) e Rui Costa (Benfica), tão perto e tão longe... Foto: André Carvalho
André Villas-Boas (FC Porto), António Salvador (SC Braga), Frederico Varandas (Sporting) e Rui Costa (Benfica), tão perto e tão longe... Foto: André Carvalho

Os presidentes e os 'índios' do futebol português

Os responsáveis dos clubes estão presos a uma comunicação básica que continua, porém, a convencer os adeptos mais básicos. 'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha

O futebol português vive alimentado por um combustível altamente inflamável — o conflito. O debate já não é sobre a beleza do jogo, a evolução tática, os novos talentos, a incerteza dos resultados. A discussão centra-se na suspeita permanente, na indignação seletiva e na necessidade constante de encontrar culpados.

Cada jornada do campeonato é mais um episódio cheio de tensão quase sempre com os árbitros no papel de atores principais. É assim hoje, foi assim ontem, será assim amanhã. Sim, a minha esperança em épocas de bonança é nula.

Os adeptos, esses, vibram com este ambiente como se fossem carne para canhão de uma guerra em que defender o clube do coração significa atacar os restantes sem pudor. O círculo vicioso permite aos presidentes manipularem os chamados índios, como os grandes protagonistas do desporto-rei apelidam, em surdina, aqueles que estão cegos pela parcialidade, inclusive quando cerram fileiras para defender as cores a que presidem.

O adversário deixou de ser apenas o rival em campo e passou a ser o inimigo em todas as frentes — nas redes sociais, nas conferências de imprensa, nos inúmeros programas televisivos em que se mistura jornalismo com clubismo e até nas conversas de café do dia a dia. Ao mesmo tempo, os líderes tornam-se reféns deste fervor irracional, uns para consolidarem o poder, outros simplesmente para tentarem sobreviver à míngua de vitórias nas quatro linhas.

A arbitragem, sempre a arbitragem. Quem ganha fica calado, quem perde grita a plenos pulmões. Sem pingo de vergonha, a não ser a alheia de quem observa o fenómeno à distância. Discutem-se intenções, manobras e teorias da conspiração — toxicidade é isto mesmo, para utilizar expressão conhecida do nosso futebolês.

É neste deserto de lucidez que importa mudar de rumo, mas esta última frase está a ser escrita desde que me lembro de ver a bola saltar e… nada. A regeneração, já todos percebemos há muito, dificilmente será impulsionada pelos responsáveis dos clubes, presos a uma comunicação básica que continua, porém, a convencer os adeptos mais básicos, incapazes igualmente de saírem da idade das trevas.

Entretidas tantas vezes com o acessório, Liga, impecável a promover o debate mas limitada a tomar decisões estruturais, e Federação, inebriada pelos sucessos das variadas Seleções Nacionais, continuam sem tomar as rédeas e inspirar a mudança.

Enquanto o ruído dominar o futebol, o mérito permanecerá em segundo plano. É isso que queremos? Pelos vistos, sim, desde que o nosso clube termine no topo da classificação.