HOUVE um incidente nos túneis do Jamor. Aliás, um incidente de desamor. Não se sabe de onde apareceu toda aquela pequena multidão que rodeava os protagonistas do confronto, mas andavam por ali polícias, delegados da Liga, jogadores, médicos, treinadores, árbitros, talvez roupeiros e outros funcionários curiosos, e só não estava o famosíssimo adesivo, porque não teve conhecimento prévio de que as câmaras da SIC espreitavam do alto do muro e registaram a voz e a atitude alterada do jovem treinador que tem, na camisola azul, o símbolo B, e que para conveniência de se designar um vazio se continua a chamar de Belenenses (que já não é) e SAD, que é.

«LEVEI UM SOCO!...LEVEI UM SOCO!... ISTO VALE TUDO NO FUTEBOL?...VALE TUDO?... VALE TUDO, É?...» - gritava, com visível indignação, Pedro Ribeiro, enquanto tentava ultrapassar aquela inexpugnável barreira de corais humanos.
Ao que se percebeu da confusão de gentes e de vozes, um treinador (Pedro Ribeiro) acusava outro (Sérgio Conceição) de agressão, no caminho para os balneários. O supostamente agredido é um jovem em início de carreira, pobre, fazendo pela vida, lutando no difícil mar do futebol português; o outro, supostamente agressor, é um treinador consagrado, privilegiado, conhecido por ter os nervos à flor da pele e por não controlar as emoções.
O cenário e o enredo garantiam, pois, o escândalo público.
O desenvolvimento do caso, porém, tornou o filme de ação numa obra mais complexa, um policial de mistério, onde a procura da verdade bate contra um muro de conluios e de silêncios.
O argumentista, devemos admitir, é criativo e surpreendente. Junta ao silêncio do acusado o silêncio do acusador, que nem mais uma palavra se dignou dizer sobre o caso que tanto o indignara.
A partir daqui, a trama segue o seu percurso normal do cinema português. O sistema de justiça saca das trombetas e vem anunciar com pompa e circunstância: VAMOS INICIAR UM PROCESSO DE INQUÉRITO. O povo suspira de tédio e pensa: «Bom, temos mais um caso para durar até ao fim dos nossos dias.»
O primeiro passo é pedir à Sociedade Anónima do trabalhador lesado que envie as imagens do túnel. Isso leva tempo, obedece a formalidades, tem o seu ritual. Depois, serão ouvidas as testemunhas das partes e as partes das testemunhas. Visto, revisto e analisado o relatório dos delegados da Liga e o relatório policial.
Das imagens, há já quem garanta que nada de especial se vê e de nenhuma se poderá tirar conclusões. Dos delegados da Liga, não se sabe se não viram o que viram. Dos policiais, há que avaliar com os chefes a chatice que a coisa dá, só por causa de uns eventuais sopapos sem consequências hospitalares. De todos os outros presentes envolvidos será melhor contar o que se sabe no café, aos amigos e conhecidos, ganhando estatuto e importância sociais do que perder tempo com autos e diligências da preguiçosa justiça.
Claro: há ainda o protagonista principal. O que se considerou agredido, o que, sem saber que estava ser filmado, iniciou a série que está, agora, a passar na Futebolflix. E aí reside o suspense. Que vai fazer o bom da fita? Como resolverá o dilema entre a promessa, mesmo que vã, de uma carreira afortunada e a ameaça de solidão de um escorraçado? Poderá, ainda, vir a sonhar com a glória, já alcançada pelo seu presidente, de receber um dragão de ouro?
Drama, mistério, ação, suspense e, por fim, uma comédia para que tudo acabe em bem. Se não for assim, quase jurava que andará lá muito perto.