João Almeida poderá derrotar Jonas Vingegaard nesta Vuelta?

Os egos estão satisfeitos; vamos lá ganhar a Vuelta, João Almeida!

Como é que o português recuperará 48 segundos para Vingegaard na última semana? Pergunta de um milhão de euros. Ajudemos a encontrar a resposta

À entrada da última semana da Volta a Espanha, João Almeida tem 48 segundos de desvantagem para Jonas Vingegaard no topo da classificação geral. Seis etapas, seis, que podem separar o corredor da UAE Emirates de se tornar o primeiro português a vencer uma grande volta. Mas como é que Almeida conseguirá recuperar aquele tempo para o dinamarquês? É a pergunta para um milhão de euros. Por certo, também a interrogação de sem-número de fãs do simpático e pacato miúdo da povoação caldense de A dos Francos, que em cima da bicicleta se transforma numa fera.

A tarefa parece, e será, difícil, nenhuma dúvida. Mas não tanto como se afigurava à partida da Vuelta, em Itália. João Almeida tem vindo tornar possível cumpri-la com êxito. Etapa a etapa, durante as duas semanas completadas, tem-se equiparado ao único corredor capaz de desafiar a hegemonia do melhor do mundo, Tadej Pogacar, na maior corrida do mundo, a Volta a França, em três edições (2021, 24 e 25) segundo classificado a longíssima distância do terceiro, e em duas (2022 e 23) derrotando mesmo o colosso esloveno.

Reforce-se, Vingegaard será muito difícil de vencer. Contudo, insista-se, não é de todo impossível. Há principalmente dois fatores fundamentais que levam a crer nessa possibilidade como plausível, nenhum mais preponderante do que o outro: por um lado, o dinamarquês poderá não estar na plenitude das suas capacidades físicas, menos forte do que no Tour, de onde é natural ter trazido fadiga da árdua batalha pela camisola amarela com Pogacar durante três desgastantes semanas. A justificar esta teoria, os indicadores observados no desempenho do líder da Visma. Uma primeira semana e meia em que demostrou superioridade em exibições e resultados. Duas vitórias em etapas (na 2.ª, ainda em Itália, ganhando dois segundos na estrada a Almeida, e na 9.ª, em Valdezcaray, impondo-se por 24 segundos ao português) a que se acrescentam mais 10 segundos no segundo lugar na etapa (11.º) de Bilbao (neutralizada a 3 km da meta devido às manifestações pró-Palestina).

A partir de então, Vingegaard passou a submeter-se à carga ofensiva de João Almeida, que, em contraposição, denota estar em crescendo de forma e frescura físicas. Os desempenhos mais recentes do português, principalmente na triunfal cavalgada no Angliru, também última etapa de montanha (14.ª), em La Farrapona, em que, com a sua equipa, marcou posição de controlo sobre o rival e a respetiva formação, que, sem provocar diferenças entre ambos, mostraram que o português está a fortalecer-se, não só em força, como em confiança. A maior disponibilidade de Almeida poderá decorrer de ter tido menos 12 dias de competição no Tour do que Vingegaard, ainda que os tenha passado em total inatividade, a recuperar a fratura de costela que o fez abandonar a corrida francesa durante a 9.ª etapa, o não lhe confere vantagem inequívoca.

Segundo fator: não serão tão-só as eventuais disparidades de frescura muscular, que justificam a equiparação, nesta altura da Vuelta, entre os dois primeiros classificados. Igualmente, a indiscutível prova de talento de João Almeida, que lhe permite ser capaz de desafiar aquele que é reconhecido como o segundo melhor corredor de grandes voltas do mundo da atualidade. João Almeida está perto, ou terá já atingido, o patamar de excelência de Vingegaard. Não será a fadiga deste a atenuar aquele mérito ao português, mas sim a semana final de prova que está aí. Quatro das seis etapas que restam encarregar-se-ão de o esclarecer - e a encontrar (ou não) a resposta à pergunta milionária.

Por fim, acrescente-se um fator extra que contribuirá para o resultado do gigantesco empreendimento de João Almeida no que falta desta Vuelta, a efetividade do apoio da sua equipa. Até agora, excetuando-se muito poucas etapas importantes, tem sido insuficiente. Inadmissivelmente, insuficiente. É evidente que três corredores tinham a sua agenda pessoal, acima da coletiva: Juan Ayuso, Jay Vine e Marc Soler. E enquanto não a cumpriram a preceito não estiveram empenhados no objetivo primordial assumido pela direção da UAE Emirates para esta Vuelta, e em todas, a vitória na classificação geral. Para esta, elegeram uma coliderança, apenas figurativa, de João Almeida e Juan Ayuso, que o espanhol se encarregou de desfazer, para futuro proveito próprio, logo na primeira etapa mais seletiva. Desde então, o jovem espanhol (22 anos) ganhou uma liberdade, que forçou, que lhe permitiu entrar em fuga e impor a sua inegável categoria para vencer... duas etapas. Em ambas, precisou da ajuda de companheiros de equipa, como Jay Vine e Marc Soler, que deixaram estar junto ao seu líder (João Almeida) nas batalhas que se travavam pela geral. De resto, o australiano, um dos apontados tenentes de montanha de Almeida (e de Ayuso), já tinha embarcado em escapadas montanhosas em busca da camisola de melhor trepador - que enverga – e pelo caminho também conquistou duas etapas.

O aventureirismo desproporcionado mais recente na equipa dos Emirados foi o de Marc Soler na etapa de La Farrapona, valendo-lhe igualmente a glória do triunfo, quando João Almeida reivindicava a sua presença no esforço de desgaste a Vingegaard, como o português fez questão de afirmar aos jornalistas no final. Avisos do português para dentro da equipa, que tinham tido expressão máxima após a chegada a Valdezcaray, na etapa 9, que se sentiu desprotegido após o ataque-surpresa de Vingegaard, perdendo 24 segundos para o dinamarquês na meta. E tudo isso, beneficiando da permissividade dos dirigentes da WorldTeam líder do ranking da UCI.

Poder-se-á contrapor, que à conta das vitórias de Ayuso, Vine e Soler, a UAE já tem sete nesta Vuelta (juntando-lhes as no contrarrelógio por equipas e a de João Almeida). Mas, e se na igualmente poderosa Visma se concedesse a mesma liberdade a corredores da igualha daqueles, como Sepp Kuss, Matteo Jorgenson ou Wilco Kelderman? Não teria já mais sucessos a juntar ao bis de Vingegaard?          

Uma vez que as referidas agendas pessoais, e os egos, de alguns coequipiers estão satisfeitos, poderá ser que a UAE Emirates passe definitivamente a funcionar como uma, e do que a etapa do Angliru é o único bom exemplo até à data. Com os resultados que se sabe. Para o melhor João Almeida, ainda vai muito a tempo de se vestir de camisola vermelha no domingo em Madrid.