Em entrevista a A BOLA, Luís Filipe Vieira assume a necessidade de deixar o Estádio da Luz

«OPA ao Benfica ia permitir injeção de €400 milhões»

Luís Filipe Vieira esclarece o tema que gerou polémica; diz que daqui a dez anos o clube terá de mudar de estádio

- Onde é que há terrenos de 200 hectares para uma possível cidade do Benfica e novo estádio em Lisboa?

- O Benfica tem um problema grave no estádio: o espaço é curto. Temos problemas com o redpass e por isso temos de aumentar a capacidade do estádio, seja para 85, 90 mil. Paralelamente a isso, temos problemas de estacionamento, há gente a queixar-se que para ver um jogo de futebol no Benfica tem de deixar o carro a quilómetros e depois vem a pé e à chuva. E depois há um problema com a cobertura. Já começa a entrar no íntimo das pessoas de que ‘eu não consigo ver um jogo do Benfica. Mas se me perguntarem se este estádio é definitivo, eu penso que o Benfica daqui a 10 anos tem de estar noutro estádio. Já localizei dois terrenos.

- Mas pode ou não sair de Lisboa? Historicamente, o Benfica sempre teve um estádio na cidade.

- Está a ver o problema com o Real Madrid? Se calhar tem que deslocar-se dali.

- Não com o investimento que acabaram de fazer…

- Mas não podem fazer os espetáculos que estavam preparados para para fazer e outras coisas mais.

- Está a falar da rentabilização do espaço.

- Isso. Mas também não havia solução para fazer o nosso atual estádio e depois encontrou-se a solução. O terreno onde está o atual estádio é demasiado pequeno para o Benfica. O Benfica tem de ter um dia aquilo que eu dizia, a cidade desportiva do Benfica. O nome é Cidade do Conhecimento e do Desporto do Benfica.

- Recordo-me que o arquiteto que projetou o estádio revelar que havia a possibilidade de a lotação ser aumentada.

- O estádio tem capacidade para 75 mil lugares. Mas por causa dos apoios estatais, só pudemos fazer 65 mil. É só a situação de apertar cadeiras e chegava a 75 mil lugares. Hoje, estes 65 mil já não chegam. Em engenharia consegue-se tudo e se ele disser que consegue chegar aos 90 ou 95 mil lugares… mas isso não pode implicar o fecho do estádio, tudo tem de ser conjugado. E depois, mesmo que aumente a lotação, como fica o estacionamento, vamos explorar onde? Não pode haver mais nenhum projeto ali.

- Portanto, está contra o projeto do Benfica District?

- Seria um erro. Porquê? Então o Benfica alguma vez pode esmagar ali 300 e tal milhões de euros para que daqui a dez anos seja tudo mandado abaixo? Aquele projeto foi reprovado por nós em maio de 2019. Mas se for essa a escolha dos sócios, não tem problema algum. Agora, qualquer investimento neste estádio tem de ser muito curto, pensando no futuro. E o futuro do Benfica não vai passar por aqui, o Benfica não cresce, fica aqui estagnado. O Benfica cada vez mais tem problemas nas modalidades, cada vez mais tem que alugar pavilhões, é sempre a somar. As piscinas do Benfica são insuficientes, apesar de que estão bastante danificadas, até por sinal, mas temos que passar a parte, aquilo que dá para praticar desporto tem que ser passado todo para o Benfica, tem de haver uma cidade desportiva que seja rentável para o Benfica. Até o Museu Cosme Damião tem de passar para lá também. Depois, será tudo para derreter.

«Modelo do Bayern é o melhor para o Benfica»

- Deixou o Benfica no momento em que falhou uma OPA à SAD. Pode explicar-nos o que é que estava em causa naquela altura?

- Ao contrário do que se possa pensar, foi o Covid que tramou a OPA. As pessoas têm de entender isto: aquilo era para o bem do Benfica. Nós estávamos a comprar ações a cinco euros porque se calhar íamos vendê-las a 20. Ia entrar muito dinheiro. Tínhamos um plano que pressupunha a entrada de 400 milhões de euros.

- Através de investidores? Quantos?

- Quatro investidores. Mas seriam institucionais, 100 milhões por investidor.

- Ficariam com percentagem da SAD?

- Teriam 10 por cento cada um. Mas começaram a pensar que era para eu vender as minhas ações, que era para ganhar dinheiro. Os sócios de Benfica têm um problema grande: há muita gente que, como não tem ideias na cabeça, pensa logo que isto é para ganhar dinheiro. Um amigo meu já me veio dizer ‘lá estás tu com o betão novamente’. Eu disse ‘vamos com o betão’. Mas como é que não vai haver betão? Vocês querem ser o quê? O Benfica é o maior clube português ou não é? É. É que ele tem o maior número de sócios? Então, perguntem-lhes o que pretendem.

Porque é tão importante construir um colégio e um hotel no Seixal?
«Temos de fazer um investimento grande no Seixal de uma vez por todas para o Benfica diferenciar-se de toda a concorrência. O Benfica pode ficar com um espaço de 45 a 50 hectares fechados. Qual é a vantagem? A grande maioria dos jogadores vem do Norte, vem do Sul, não são daqui dos arredores de Lisboa. Está a imaginar um pai que deixa vir um filho com 10, 11, 12, 13 anos? Veja o caso de António Silva, que aos 12 anos teve de regressar às origens dele, tendo voltado aos 15 anos. Se o Benfica entender que tem que fazer este investimento para se diferenciar dos outros clubes, o Benfica passa a ter um espaço fechado, onde o atleta estuda, alimenta-se, dorme e treina, e compete. Ou seja, os pais estão descansados. E o hotel porquê? Porque cada vez mais os pais deslocam-se a ver os filhos jogar à bola. Quando há aquela transição para os 16 anos, em que se assinam um contrato, os jogadores querem estar perto da família. Oferecendo condições para viver os seus filhos, com estadia, alimentação, se for a um dia ou dois podem lá ficar, não tem problema algum, pode coabitar com o filho quando ele acabar esse jogo, pode vir para o hotel para treinar com os pais, é um investimento que o Benfica tem que fazer. Temos de pôr os jogadores mais perto das famílias e não deixar só o empresário sozinho. Ou seja, o Benfica, nas horas decisões tem que tomar, os pais têm que ouvir o Benfica e têm que estar permanentemente também em sintonia connosco, porque é o melhor para o filho dele, é o melhor. Por isso voltemos ao betão armado: o betão armado faz falta. Se o Benfica hoje não tivesse investido no betão armado não existia Seixal, não existia nada. O que o Benfica tem depois é reforçar o posicionamento que tem no Seixal, por isso é que tem que aumentar a capacidade do Seixal, que é fazer a expansão do mesmo, com quatro a cinco campos.»

- O formato e fundamento da OPA não voltarão consigo?

- Não tenho tempo para isso agora, era uma operação que iria requerer muito tempo. Agora vamos ter outras prioridades, que é ganhar sem qualquer atrito. Fazer as infraestruturas que temos de fazer e recuperar as infraestruturas que temos de recuperar. Depois, quem vier a seguir pensa num projeto para o Benfica, a ver se encontram um melhor. Mas ter investidores institucionais é a grande garantia para os sócios de que o Benfica nunca perde a maioria [da SAD] e tem uma gestão a sério. Veja o modelo do Bayern Munique. Quantos títulos ganharam em dez anos?

- Mas tentará ou não encontrar esse modelo de investimento para o Benfica?

- Não esteja a pensar coisas que eu não estou a pensar neste momento. Até porque, para recuperar esses contactos, era especialmente chato para mim. A minha missão são quatro anos e em quatro anos não posso fazer muita coisa. Aquilo que fizer, vou fazer.