O desporto informal como motor de desenvolvimento local
Neste fim de semana, todas as atenções estão voltadas para o FC Porto – Benfica e para o muito aguardado confronto entre Farioli e Mourinho. O grande palco do futebol português monopoliza o debate mediático, mas há um outro lado do desporto, mais discreto, que raramente surge como prioridade quando falamos em desenvolvimento local. Ainda menos o desporto informal, aquele que nasce de forma espontânea, nas ruas, praças, parques, jardins, praias ou recintos improvisados, sem clubes, quotas ou campeonatos oficiais. No entanto, é precisamente nesse universo livre e acessível que encontramos um dos motores mais poderosos de coesão social, inclusão e dinamização comunitária.
Amanhã, no Dragão, o FC Porto recebe o seu eterno rival Benfica. Paralelamente, o país está em plena campanha para as eleições autárquicas e, como sempre acontece em momentos de escolha democrática, discutem-se prioridades e estratégias para o futuro dos municípios. Neste debate, o desporto informal deve ocupar um lugar central. Embora menos visível que o alto rendimento, é vital para a saúde das populações, para a coesão social, para o meio ambiente e até para a economia local.
As autarquias assumem hoje um papel decisivo na promoção do desporto. São as maiores financiadoras do associativismo e da prática desportiva, com responsabilidades específicas decorrentes da descentralização administrativa. Não se trata apenas de tradição: trata-se de estratégia. São as autarquias que criam condições para que o desporto seja verdadeiramente acessível a todos.
Quando se fala em desporto, a primeira imagem é quase sempre a da competição formal – clubes, campeonatos, seleções, atletas de elite. Mas existe outro lado, menos visível e igualmente poderoso: o desporto informal, praticado nos jardins, nos polidesportivos de bairro, nas ruas ou nas praias. Um desporto sem camisola oficial, longe dos holofotes, mas capaz de gerar laços sociais e oportunidades únicas.
O desporto informal é inclusivo por natureza. Não exige quotas nem inscrições. Precisa apenas de um espaço seguro e apelativo e da vontade de participar. Não distingue idades, géneros, origens ou condições económicas: todos cabem. É aí que reside a sua força transformadora.
Nos contextos locais, o desporto informal constrói comunidade. Dá oportunidade aos jovens de se conhecerem, partilharem regras e aprenderem a gerir conflitos. É espaço de reencontro entre gerações, onde avós, filhos e netos partilham memórias e tradições. Nas cidades, funciona como ponto de integração para quem chega de fora.
O impacto não é apenas social. É também económico. Atividades informais de lazer desportivo animam espaços, atraem visitantes, dão visibilidade ao comércio local, geram movimento em cafés, lojas, restauração e alojamento. Na maior parte das vezes, não são precisos grandes investimentos: basta organização, criatividade e vontade política.
O sedentarismo é um dos maiores problemas da sociedade contemporânea. O desporto informal combate-o de forma acessível e prazerosa, ajudando a reduzir custos futuros em cuidados de saúde. É, por isso, também uma medida preventiva de política pública. Do ponto de vista ambiental, investir em mobilidade ativa, reduz o uso de transportes motorizados, diminuindo poluição, reduzindo a pegada de carbono e aumentando a qualidade de vida. Ciclovias, pumptracks, parques de street workout, ginásios ao ar livre, circuitos geriátricos ou espaços polivalentes são investimentos que projetam um futuro mais verde e saudável.
O projeto Verão Ativo, da Câmara Municipal de Loulé e no âmbito do projeto europeu One Health 4 Cities, é um caso exemplar. Há cerca de 10 anos que promove workshops de alimentação saudável, sensibilizações para a ação climática, caminhadas, zumba, yoga, pilates, ginástica sénior, dança sénior, capoeira e muitas outras atividades. O programa não só incentiva à prática física como ativa espaços públicos como praças, jardins, calçadões em Loulé, Almancil e Quarteira, tornando-os polos de convívio, saúde e cidadania.
A nível europeu, multiplicam-se iniciativas semelhantes. Birmingham fecha ruas ao trânsito uma vez por mês para atividades como yoga, btt ou jogos de rua. Copenhaga promove o Open Streets, abrindo as ruas aos peões e às bicicletas nos fins de semana. Madrid transforma artérias centrais em espaços de lazer e atividade física aos domingos. Berlim cria ginásios pop-up em parques durante o verão. Paris organiza torneios de futebol 3x3, andebol ou basquetebol de rua nos bairros. Roterdão implementa o projeto Play Streets, fechando ruas temporariamente para brincadeiras e jogos. Barcelona, com os Superblocks, liberta quarteirões inteiros para skate, dança ou fitness ao ar livre. Viena acolhe o Street Sports Festival, juntando música, workshops e competições urbanas. Estes exemplos demonstram que o desporto informal pode transformar qualquer cidade num espaço vibrante de movimento, convívio e criatividade.
O desporto informal é também uma forma de educação não formal: ensina valores como cooperação, solidariedade, respeito pelas regras e pelas diferenças. Para muitas crianças, a rua ou o parque são a primeira escola desportiva e, ao mesmo tempo, a primeira escola de cidadania. Além disso, pode articular-se com eventos culturais e turísticos, criando momentos únicos de animação que reforçam a identidade local e a atratividade dos territórios.
Analisar o desporto no contexto municipal mostra a sua importância na dinâmica orçamental das políticas públicas. A intervenção autárquica deve assentar em cinco pilares: generalização do acesso à prática desportiva, criação e requalificação de infraestruturas, melhoria da qualidade das atividades, cooperação com a sociedade civil e modernização da gestão desportiva.
O desporto não vive apenas de grandes clubes e campeonatos. Vive, sobretudo, das pessoas, da sua vontade de partilhar movimento, alegria e convívio. É na atividade física informal, no jogo improvisado no bairro, na corrida ou caminhada com amigos, no yoga num jardim ou no voleibol na praia que se encontra, muitas vezes, o verdadeiro espírito desportivo.
Nas eleições autárquicas que se aproximam, os candidatos devem ter consciência desta realidade: apostar no desporto informal é apostar num país mais saudável, mais coeso e mais humano. Não é despesa: é investimento com retorno garantido.
Cabe às autarquias assumir o compromisso de integrar o desporto informal como prioridade, criando condições para que todos tenham acesso a espaços de atividade física e convívio. Ao fazê-lo, não estarão apenas a investir em desporto: estarão a gerar benefícios económicos, a investir no futuro das suas comunidades, no fortalecimento da coesão social e no bem-estar coletivo.
O desporto informal é, afinal, um poderoso instrumento de desenvolvimento local e merece ser tratado como tal.
«Liderar no Jogo» é a coluna de opinião em abola.pt de Tiago Guadalupe, autor dos livros «Liderator - a Excelência no Desporto», «Maniche 18», «SER Treinador, a conceção de Joel Rocha no futsal», «To be a Coach» e «Organizar para Ganhar» e ainda speaker.