«Mil milhões para ganhar duas taças e um campeonato? Este Benfica já não serve»
Cristóvão Carvalho tem 52 anos, nasceu nos arredores de Paris, é filho de emigrantes e foi criado pelos avós numa aldeia perto de Trancoso. Aos 19 anos mudou-se para Lisboa, onde se licenciou em Direito. Criou o seu próprio escritório de advogados, tornou-se empresário e nunca perdeu de vista o Benfica, até ao ponto atual, em que se candidata à presidência.
— Quem é Cristóvão Carvalho?
— Começo por agradecer ao Jornal A Bola a oportunidade de poder falar aos benfiquistas, de dar a conhecer-me e poder apresentar o meu projeto. Quem é Cristóvão Carvalho? Cristóvão Carvalho é, antes de mais, um benfiquista. Um benfiquista que veio das bases, daquele Benfica mais puro. A minha história diz-me isso, onde nasci, onde fui criado até chegar a Lisboa, até chegar à grande cidade. O Cristóvão fez a sua carreira, é advogado, empresário, pai de família, com filhos, e alguém que sentiu que o Benfica precisava dele, que precisava que aparecesse e desse ao Benfica tudo aquilo que durante a vida ele foi fazendo e criando. E é nessa perspetiva que estou aqui, como puro benfiquista.
— O que o motiva a avançar agora para as eleições do Benfica?
— O Benfica precisa de mim. Sinto neste momento que o Benfica precisa de mim. Tenho sido benfiquista anónimo, como milhares de benfiquistas anónimos, que torcemos, que sofremos pelo Benfica, que entregamos tudo ao Benfica. E quando o Benfica me pediu, eu disse, ‘estou aqui’. Senti, até por parte de muitos outros, que junto de mim, durante estes anos, foram falando e discutindo o Benfica, que poderia encabeçar um projeto fundamental para o futuro do Benfica. É preciso criar um novo Benfica. E aqui estou para liderar esse projeto, para apresentá-lo aos sócios, para que com ele possamos levar novamente o Benfica ao topo.
— Quer esclarecer as dúvidas no arranque da candidatura?
— Nunca houve dúvidas. A decisão de avançar para a liderança do Benfica está tomada há cerca de dois anos, tenho um grupo de trabalho e estamos, obviamente, a estudar o Benfica. Ninguém se candidata ao Benfica em pouco tempo. O que aconteceu foi muito simples: marquei uma conferência de imprensa, pedi aos jornalistas para estarem presentes, para fazer uma comunicação. Achei que era o timing para pedir eleições antecipadas. No Benfica, porém, é tudo muito intenso. E havia nessa semana a final da Taça de Portugal. E eu, em prejuízo próprio, até da candidatura, decidi que não iria falar, porque poderia ser prejudicial para o meu Benfica.
— Manuel Vilarinho, Luís Filipe Vieira, Rui Costa, antecessores se preferir. Alinha-se com alguém?
— Quando pensamos em candidatar-nos à presidência do Benfica temos a preocupação de ver a atualidade do clube, as contas do clube, como estamos a nível de títulos. Não vamos pensar muito mais atrás, no mandato de Manuel Vilarinho ou mais atrás. Não é essa a nossa preocupação, a preocupação é olhar para os últimos dez, 12 anos. Tivemos um mandato de Luís Filipe Vieira, que durou 18 anos, muito tempo, portanto. Ele marcou o Benfica e consigo identificar um estilo que marcou dentro do Benfica, a obra que fez dentro do Benfica. É um facto, depois teve um final que não correspondeu à grandeza do Benfica. E consigo olhar para o presidente Rui Costa na sequência de um plano de Luís Filipe Vieira. E, contrariamente às expectativas que se criaram nos sócios, não rompeu com o estilo de gestão que existia e que já estava em fim de ciclo. Portanto, do mandato de Luís Filipe Vieira para Rui Costa temos um estilo de gestão muito idêntico, a que chamo o Benfica antigo, o velho Benfica, que agora se esgotou. Temos de criar um novo Benfica, com um modelo completamente diferente, disruptivo, adaptado à nova realidade e às melhores práticas dos clubes mundiais vencedores.
— O que tem para oferecer ao Benfica?
— Tenho uma coisa absolutamente fundamental para quem quer ser presidente do Benfica. Tenho a confiança dos meus parceiros, a experiência nesta área de trabalho de toda a minha vida. Vivi no meio das empresas, nas minhas empresas, no meu escritório de advogados. O Benfica precisa de pessoas muito competentes para liderar um projeto destes e eu tenho essas pessoas, sei quem são e estão comigo para liderar esse projeto. E aquilo que o Benfica precisa é liderança, alguém que seja um líder forte, que saiba, dentro de uma estrutura, comandar e regimentar os melhores dos melhores para liderar o Benfica. Temos de ter, para cada área específica, o melhor dos melhores.
— O seu projeto é para três mandatos?
— Essa é uma das características que me distanciam já de todos os outros candidatos. Não vou para o Benfica para apresentar um projeto a quatro anos. Um clube da dimensão do Benfica não pode ter um projeto a quatro anos. Não é possível, face aos problemas, à grandiosidade do Benfica. Tenho de pensar o Benfica para o futuro. De ver o Benfica daqui a 12 anos. E, a cada quatro anos, serei sindicado em eleições, se estou a cumprir ou não, se estou a fazer crescer ou não o Benfica. Apresentar a parceiros internacionais, fazer algo com dimensão… ninguém prepara um trabalho a quatro anos. É impossível, não vai ter resultados. Os investimentos são planificados, as receitas são planificadas, os projetos financeiros são planificados e os projetos desportivos são planificados a longo prazo. Se formos ver os grandes clubes europeus, comparáveis ao Benfica, todos têm projetos de continuidade. Só assim conseguimos trazer os melhores. E esse é um dos problemas atuais do Benfica. Não consegue trazer os melhores. Primeiro, não tem liderança forte, segundo, não tem os parceiros corretos, terceiro, não tem um plano de continuidade e de segurança para dar aos treinadores, aos jogadores, às equipas técnicas, ao scouting.
— Tem flexibilidade para juntar-se a outra lista ou promete aos benfiquistas que irá a votos?
— O meu projeto é absolutamente disruptivo de qualquer projeto. Todos os outros são na linha da continuidade. Não há nenhuma ideia disruptiva, de futuro para o Benfica. Há uma ideia de continuidade, alicerçada nos mesmos princípios. As receitas da mesma forma, a venda extraordinária de jogadores continua, ninguém apresentou uma solução alternativa, um projeto há 12 anos. Não vejo alguém com quem possa haver uma união de candidaturas. A minha candidatura vai até ao fim e vai para ganhar.
— Defende eleições antecipadas?
— Esse problema ficou resolvido na Assembleia Geral. Rui Costa disse claramente que não iria haver eleições antecipadas, que não se iria demitir e que iria preparar o Benfica até à data das eleições. E deu um argumento: é presidente do Benfica e eleições antecipadas dependiam exclusivamente da vontade dele. Se ele não quer, eu, como benfiquista, como candidato, tenho de respeitar e é o que farei.
— O que gosta e o que não gosta nos novos estatutos?
— Os novos estatutos foram, claramente, uma pedrada no charco, no mandato de Rui Costa, isso tem de ser dito. E eu sou justo e sou honesto. Deve-se ao presidente Rui Costa, foi uma promessa que fez e cumpriu. O documento não é perfeito, mas é muito melhor do que aquele que tínhamos. A limitação de mandatos é fundamental, 12 anos, três mandatos. Depois, temos os titulares dos órgãos sociais remunerados, é muito importante. O Benfica não pode depender de pessoas a meio tempo. Hoje o Benfica tem nos seus órgãos sociais pessoas a trabalhar a meio tempo, ao final da tarde. Têm de ser profissionais, que sabem das suas áreas específicas e têm de ser remunerados. Mas o Benfica criou outra coisa muito boa para dar segurança aos sócios: a remuneração dos órgãos sociais é determinada por um órgão próprio que é eleito pelos sócios, dá segurança e transparência. Transparência, ética e rigor têm de entrar imediatamente no clube. O chumbo das contas pode ter repercussões, o que implica a que a Direção tenha de estar mais atenta. O único ponto que podia ter sido alterado seria a data das eleições. Não conseguimos alterá-lo, manteve-se a mesma data, outubro, em vez do final da época ou maio. Fundamental, também, é a criação do regulamento eleitoral. Para a lisura e para a transparência das eleições. Não queremos voltar ao antigamente.
— Como iria o Benfica de Cristóvão Carvalho relacionar-se com Sporting e FC Porto?
— O Benfica tem algo muito diferente dos outros clubes, que é a sua grandeza. Quando somos grandes, voamos muito alto. E quando voamos muito alto, é normal que quem não voa tão alto como nós não fique muito confortável. Não somos comparáveis aos nossos rivais, o Benfica tem de ter, em função da sua grandeza, o respeito institucional de todos os clubes. O Benfica não pode nunca, nunca, em momento algum, ficar calado quando é desrespeitado.
— E quanto a Liga e Federação Portuguesa de Futebol, com quem há neste momento conflito?
— Pergunto eu, estará? Estará mesmo? Se calhar não está. Porque se estivesse em guerra aberta, deveria tê-lo dito em devido tempo. Não o fez, viabilizou, aprovou, não votou contra quando deveria ter votado contra. Não acompanhou os processos. E agora vem a reação a queixar-se daquilo que não fez. Não, o Benfica não esteve bem nesses processos. Portanto, não está em guerra. Mas também não tem de estar em guerra. A única coisa que o Benfica tem de fazer, e a única coisa que eu vou exigir fazer, é estar sentado nos sítios próprios. Onde o Benfica deve estar e ser respeitado em função da sua grandeza. Não vou permitir que ninguém, quer outros clubes, quer Liga, quer FPF, desrespeitem o Benfica. E tenho imensa pena que o Benfica, nos últimos anos, não tenha marcado essa posição.
— Que obra falta fazer no Benfica?
— Falta fazer muita coisa no Benfica. Tem de estabilizar rapidamente a sua parte financeira, tem de construir uma equipa de futebol ganhadora que se bata com o top cinco dos clubes europeus. É um trabalho que tem de ser feito com muita urgência. O Benfica tem de fazer um trabalho gigantesco nas suas modalidades. Tem de as reorganizar e criar condições. O Benfica tem de olhar para a formação, somos a melhor formação do mundo, mas temos outros a aproximar-se demasiado. Temos de repensar o projeto. Há dez anos era inovador, passaram dez anos, nada foi feito. E o Benfica tem de crescer para o mundo. Tem de sair de Portugal e de crescer para o mundo, em todos os continentes, com a sua força e a sua marca.
— Qual é a sua posição em relação à centralização dos direitos televisivos?
— O Benfica jamais será empurrado para algo que não corresponda à defesa dos seus interesses. O Benfica é o clube com mais audiências em Portugal, isso não pode ser ignorado. Portanto, o Benfica tem de ser líder neste processo, e não fazer o que fez, voltar as costas à negociação. É mais um claro exemplo de falta de liderança desta administração.
— Que balanço faz da temporada do Benfica?
— É com tristeza no coração, como benfiquista, que digo isto: foi, obviamente, uma época absolutamente falhada. O Benfica não cumpriu os mínimos dos mínimos. Mas não foi só nesta época. Nas últimas quatro épocas, na gestão do atual presidente, o Benfica teve resultados absolutamente pífios. Ganhámos duas taças [Supertaça e Taça da Liga] e um título de campeão em quatro anos. E sabe quanto é que o Benfica gastou em quatro anos para ter estes títulos? Vou dizer. E nunca vi ninguém fazer estas contas. O Benfica gastou 1,1 mil milhões de euros. Mais de mil milhões. Para ganhamos o quê? Um campeonato e duas taças. Este Benfica já não serve, vamos criar um novo. E estou seguro que tenho as soluções, as pessoas e o projeto para dar a volta.
— Aos olhos de um candidato à presidência do Benfica, o Sporting tem a hegemonia do futebol português?
— Vou falar-lhe daquilo que os benfiquistas sentem. Os benfiquistas estão habituados a ganhar. Os benfiquistas têm um histórico de vitórias. O Benfica é o clube com mais títulos em Portugal. Não podemos fazer uma comparação dos últimos dois ou três anos numa vida de mais de 120 anos. Temos de inverter o ciclo. E temos de o inverter rapidamente. Quem agarrar o Benfica tem este duplo desafio: o Benfica tem de ser campeão e tem de resolver todos os seus problemas internos e planificar o futuro. É um desafio ciclópico, não é para todos.
— Seria um presidente de banco ou de camarote?
— Entendo a minha função de presidente como líder e gestor de pessoas. Eu não vou ser aquele presidente que vai decidir a contratação do treinador. Digo-o diretamente aos benfiquistas. Vou ser o tipo de presidente com as pessoas certas e corretas ao meu lado, os melhores profissionais que irão aconselhar-me a tomar as melhores decisões. Serei alguém que vai dar todo o seu sangue para pôr o Benfica no topo. Mas não me vou imiscuir em coisas que eu sei que não são do meu departamento, onde eu não sou bom.
— Que comunicação defende para o Benfica?
— A comunicação do Benfica tem sido um problema muito grande e isso afeta não só a estrutura da equipa de futebol como toda a estrutura organizativa do clube. Existe demasiada pressão porque não existe comunicação eficiente. Estou a pensar num modelo diferente, que nenhum clube tem. Se for necessário o presidente falar, ele falará em determinadas situações, mas todos os dias teremos essa abertura de dizer aos jornalistas o que é que se passou em determinada situação ou a posição do Benfica em relação a determinado tema. Dar ao jornalismo a informação que ele precisa para informar.
— Quer deixar uma mensagem aos benfiquistas?
— O Benfica ainda não terminou a sua época e, portanto, eu desejo a todos os jogadores do Benfica, à equipa técnica, à Direção as maiores felicidades e que façamos um grande Mundial de Clubes, que traga orgulho ao coração dos benfiquistas. É a minha mensagem neste momento. Carrega Benfica!
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