Contratar com sentimento é perigoso

«João Félix é um príncipe do Benfica, mas não contrato por emoção»

Cristóvão Carvalho tem posições claras sobre temas escaldantes como o atacante, Álvaro Carreras, Otamendi ou Di María

— Em entrevista à Visão, afirmou que o Benfica tem de vencer pelo menos três títulos europeus em 12 anos. Como é isso possível?

— Essa pergunta foi-me colocada dezenas de vezes. Na esperança de que eu viesse a retificar.

— Não pretendo que retifique, só pretendo que explique.

— E eu vou explicar-lhe. Nunca me peçam para pensar o Benfica pequeno. O Benfica está no top 16 das melhores equipas da Europa, certo? O Benfica, todos os anos, tem de estar a jogar quartos de final da Champions. É uma obrigação. Mesmo com o desinvestimento que temos agora, com a equipa que temos agora, com as fragilidades que temos agora, conseguimos chegar muito perto. Quartos de final hoje, amanhã final. Aliás, este ano, com mais um bocadinho de competência, o Benfica tinha ou não tinha chegado muito mais longe? E em 12 anos não iremos fazer acontecer? Vamos imaginar, não conseguimos ganhar três títulos em 12 anos, ganhamos dois. Os benfiquistas ficariam tristes?

— Convido-o a revelar a estratégia para as vendas de jogadores. O Benfica perde anualmente os melhores jogadores.

— A pergunta é simples, a resposta é complexa. Temos de perceber o porquê. Esse é o modelo que terminou, alicerçado em receitas extraordinárias de vendas de jogadores. Toda a política do Benfica, desde a formação à contratação, tem de ser reformulada e tem de ser aplicado um modelo de valorização das nossas camadas jovens. Não é a valorização quando chegam à equipa principal, é a valorização quando começam. E quando começam tem de haver um protocolo, uma contratualização, saber que irão chegar à equipa principal sob determinadas condições. E quando lá chegarem, o Benfica tem de estar munido das condições para premiar os que merecerem ser premiados. Vender jogadores é desvalorizar o plantel e este ano vamos ter esse problema, vamos ter de vender jogadores e, obviamente, desvalorizar o plantel. E nisto entra-se no tal ciclo vicioso que existe no Benfica. Temos de criar condições para ter os nossos melhores jogadores quatro anos na equipa principal. Um clube vende e compra, mas podemos ser nós a decidir quem compramos, quem vendemos, por que valor compramos e por que valor vendemos.

— Venderia Álvaro Carreras ao Real Madrid abaixo da cláusula de rescisão de €50 milhões?

— Se a cláusula de rescisão for paga, o Benfica não tem alternativa. Essa é uma decisão do atual presidente. É um jogador do seu plantel, ele é o presidente do Benfica, saberá melhor do que eu se deve ou não deve vender. Sei qual é o sentimento dos benfiquistas. Mas não sou eu que vou dizer se deve ou não deve vender.

— Renovaria o contrato de Di María e Otamendi?

— A resposta é complexa. O meu modelo desportivo não assenta num ou noutro jogador, assenta numa planificação de uma época e numa estratégia ganhadora. Olho para cada um desses jogadores como peça a encaixar dentro de um determinado puzzle que é uma equipa de futebol programada para ganhar. Se quem vier validar esses jogadores, entrarão no Benfica, se não validar, não entrarão. Não contratarei, nem darei aval a contratações por emoção.

— O Benfica faz bem em tentar contratar João Félix?

— João Félix é um menino, é um príncipe do Benfica. Fez a sua carreira no Benfica, saiu, foi para o mundo. Neste momento, é um ativo. Para mim, como presidente, como futuro presidente do Benfica, que tem de tomar essa decisão, tenho de olhar para o João Félix como um ativo, se é ou não necessário numa estrutura de futebol planificada. E se for necessário... voltará ao Benfica. Se não for necessário, não voltará ao Benfica. Mas estará nos nossos corações e terá no nosso estádio sempre o seu lugar como menino e como o príncipe que foi naquela casa. Não confundo as coisas, nunca me verão tomar decisões por sentimento, são más para os interesse do Benfica.

— Kokçu é o jogador mais caro da história do Benfica, €25 M. Pode o clube chegar aos €30 M ou €40 M por um jogador?

— Com o atual modelo de gestão, não. Com o nível de gestão que eu pretendo implementar no Benfica, sim. Porque o Benfica terá os meios e a forma para poder fazê-lo. O Benfica tem dimensão que lhe permite estar numa posição privilegiada para poder convencer os melhores. Mas as pessoas que estão dentro do Benfica têm de ter credibilidade e currículo.