Imagem de uma conferência de imprensa realizada em Seul, Coreia do Sul, onde o Barcelona jogou na pré-época
Imagem de uma conferência de imprensa realizada em Seul, Coreia do Sul, onde o Barcelona jogou na pré-época (Foto: IMAGO) - Foto: IMAGO

Jornalista ou adepto?

Livre e Direto é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista

O jornalista conta histórias e produz memórias. Deve ser rigoroso, procurar os pormenores, detalhar os protagonistas. Os manuais, ainda que de há décadas, não deixam margem para dúvidas.

Sou do tempo em que os jornalistas da área do desporto não o eram, pelo menos no reconhecimento como profissionais de corpo inteiro e no direito ao usufruto de uma carreira profissional. Uma segregação que, combatida com o tempo e com as evidências de uma preparação aturada, aprofundada e com níveis elevados de qualidade, foi ultrapassada, fazendo destes profissionais um grupo específico, é certo, mas absoluta e totalmente reconhecido entre os seus pares.

De resto, quando se fala de jornalismo desportivo, tenho sempre imensas reticências. Porque ele, pura e simplesmente, não existe. Haverá jornalismo especializado nesta área de intervenção, como há nos campos político, internacional, económica ou social. Mas há, no essencial, jornalistas.

Porém, salvaguardemos a óbvia especificidade. O desporto é catalizador de atenções e motivador de emoções especiais, aumentando o grau de exposição e de influência do jornalista da área, o que, evidentemente, aumente também, em direta proporção, a sua responsabilidade e a necessidade de um rigor muito especial.

Sabemos que, nos países latinos e no hemisfério sul, essa exposição transforma o jornalista em referência pública. E obriga-o a um dever de equilíbrio e equidistância reforçado. Aqui chegados, elegemos os dois principais argumentos que distinguem o jornalista de um simples adepto, que o motivam e que o forçam a um posicionamento ético irrepreensível.

Nos manuais, sublinha-se a necessidade de o profissional de comunicação social ser, na sua atividade, isento e objetivo. Não concordo, e costumo fazer disso modelo elementar aos meus alunos e formandos. Porque a total isenção não existe, e porque é impossível chegar à máxima objetividade. Se vos pedir para me descreverem uma sala, fá-lo-ão de modo completamente distinto, em função da posição que nela ocuparem e das prioridades e opções que nortearem essa descrição.

Por isso prefiro substituir esse primado pela observância de um outro: independência e honestidade. São valores incontornáveis da profissão, e tornam-se modelos para o dia-a-dia de quem se aventura nesta vida.

A independência em relação a todos os poderes e influências (e as tentações são muitas, diárias e pressionantes), e a honestidade no momento de decidir o que revelar, como o fazer e as consequências dessa atitude.

E na componente desportiva, especialmente, há uma forte tendência para assumir uma postura agressiva, contundente, confundindo a natureza simples do jornalismo com justiça, com ajuste de contas ou com a extrapolação do sentido e do objetivo das funções profissionais.

Definir o equilíbrio nem sempre é fácil, sobretudo com a transversalidade e a abrangência das redes, que permitem e estimulam reações rápidas e nem sempre concordantes com a natureza objetiva de uma entrevista, de um artigo ou de uma posição assumida pelos entrevistados.

As redes são vorazes, caóticas e, na maioria dos casos, perigosas. E desvirtuam o que se diz, como se diz, quando se diz. Maximizam o acessório, desvalorizam, tantas vezes, o essencial. A crítica faz-se no imediato e de modo brutal, perdendo valores básicos e acrescentando uma espuma pouco recomendável.

Todo o cuidado é pouco, portanto. O cuidado na assunção de posições, na dimensão da crítica, no tal equilíbrio e na tal independência. O jornalista não é justiceiro, mas tem de se defender, ainda que tal implique, por vezes, a necessidade de uma posição mais distante, menos interventiva nos argumentos e de expetativa perante as situações.

No âmbito desportivo, há uma fronteira muitas vezes ultrapassada, seja por força dos estímulos exteriores à atividade jornalística, seja pela popularidade fácil quando tal acontece, seja, até, pela ideia de que, dessa forma, se assume ainda mais protagonismo: o patriotismo, a narração de bandeirinha e cachecol, como se o jornalista ou o narrador fosse uma extensão pública do adepto, com acesso a uma câmara ou a um microfone, vestindo a camisola. Em algumas situações, sobretudo no hemisfério sul (África e América do Sul), no literal sentido do termo, confundindo as suas funções com a paixão do torcedor, misturando a realidade presumível da profissão com o momento, a loucura e a exaltação do mais fanático adepto.

Um erro crasso, que as novas gerações devem mitigar e que as gerações mais experientes devem anular, seja nas redações, seja no exterior, onde a chama da paixão é sempre mais exacerbada. Um jornalista não é um adepto com acesso privilegiado a tecnologias de comunicação, não deve misturar experiências e não pode deixar-se levar pelo momento, sob pena de descredibilizar a sua profissão, nos modelos mais básicos e nas expetativas essenciais.

O equilíbrio, a independência e a equidistância são valores essenciais, e que devem ser apreendidos de muito jovem, tal como a capacidade de perceber as ameaças de uma postura mais dada a dinâmicas características dos adeptos, e nunca de um profissional investido, em pleno, das suas funções. Na síntese, um jornalista não é um adepto privilegiado, com uma caneta, uma câmara ou um microfone. Se o pensar, deixa de ser jornalista, perde a capacidade crítica e jamais será capaz de regressar ao essencial da sua profissão.

Cartão branco
Tem 33 anos, está filiada na Associação de Futebol de Coimbra. Filipa Prata, árbitra internacional de futsal, representará Portugal no primeiro Mundial feminino da modalidade, em novembro e dezembro, nas Filipinas. Se a presença da Seleção Nacional não surpreende, a nomeação da Filipa demonstra a qualidade do seu trabalho e o reconhecimento internacional do mesmo. Uma ótima notícia para a arbitragem portuguesa de futsal, assim representada numa competição que fará história.
Cartão amarelo
Não é caso virgem. Quando uma equipa fora do circuito tradicional dos candidatos à Europa consegue uma posição nas competições do Velho Continente, tem, na temporada seguinte, um défice na sua prestação nacional. O Santa Clara corre esse risco. Pode até dar a volta à última ronda de apuramento para a fase de liga da Liga Conferência, frente aos irlandeses do Shamrock Rovers, mas o seu início de campeonato (dois jogos, duas derrotas), recentra a questão das opções estratégicas. Veremos, nas próximas semanas, se a equipa açoriana retoma o trilho dos bons resultados, ou se o início prematuro da temporada se refletirá (e de que modo…) no rendimento nacional.

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