História a um passo após jogo de quatro horas: «Começou às 19h30 e acabou às 23h45»
Em Toronto, a maior cidade de um país onde o hóquei no gelo é rei, há um clube de futebol — ou soccer, se preferirmos — a desafiar expectativas e probabilidades. Ao seu leme, fala-se a língua da Camões. E bem. Mauro Eustáquio, 32 anos, treina o York United, a equipa sensação da presente edição da Premier League do Canadá.
Acompanhado por uma equipa técnica quase 100% portuguesa, o irmão mais velho de Stephen, médio do FC Porto, está, na primeira época como treinador principal, a um passo de conduzir os nine stripes a um feito histórico. «Se ganharmos ao Cavalry, no domingo, fazemos o melhor resultado de sempre do York United em fases finais», conta, em conversa com A BOLA. O sonho vai mais além. «Vencer o título? É possível… Estamos no mata-mata e qualquer coisa pode acontecer. Tivemos episódios durante a época em que, quando não se esperava um York tão forte, aparecemos e tivemos sucesso. A nossa caminhada começou e não temos vontade de parar», prossegue, ainda no rescaldo de um triunfo épico.
Para chegar ao jogo de acesso às meias-finais do play-off, o York United bateu o Halifax Wanderers no desempate por grandes penalidades, após um empate a duas bolas. Sofrido, sim, e com contornos de… odisseia. «Fomos para tempo extra e, cinco minutos após a primeira parte, houve ali uns relâmpagos. Tiveram de parar o jogo, voltámos para jogar mais 2 ou 3 minutos e houve nova paragem. Não estávamos preparados, mas lá conseguimos organizar os jogadores. Também foi bom para descansá-los. Na prática, foi um jogo que começou às 19h30 e terminou por volta das 23h45», relata Mauro.
Quatro horas de incerteza, golos e, no final, orgulho. «Somos a equipa mais jovem a chegar aos play-offs e este último jogo foi de muito querer. Não é fácil jogar fora de casa, especialmente num país como este, onde há muitas horas de voo, com diferenças de horários e tudo. Às vezes, a adaptação é um bocado difícil. Corremos atrás do resultado duas vezes, conseguimos marcar aos 87’ o 1-1 e, aos 110’, fizemos o 2-2. Nos penáltis, foi a lotaria, mas os jogadores estiveram concentrados e com muita vontade de fazer bem as coisas. Quando assim é, tudo é mais fácil», prossegue o técnico luso-canadiano.
Com pouco tempo para descansar, segue-se, já amanhã à noite, o embate decisivo com o Cavalry, em Calgary. E se correr bem? «O clube reformatou a sua política e os objetivos. Ainda temos de ganhar estrutura, mas, se já estamos a viver este tipo de experiência, por que não sonhar? Enquanto houver pernas, coração e alma, o York vai lutar para ganhar algo», questiona, antes de estabelecer uma comparação para ajudar os menos familiarizados com o futebol canadiano. «Sem desrespeitar ninguém, vejo semelhanças com o projeto do Famalicão. Um clube histórico, que agora está muito organizado. É como se, de repente, estivessem a competir para ser campeão. Estamos a dar novas ambições ao York e estamos a fazer barulho dentro da liga», garante o técnico do quinto classificado da fase regular da Premier League local.
Mourinho, Sérgio Conceição e Rúben Amorim são referências
Na hora de apontar as referências que tem entre treinadores, Mauro Eustáquio, natural da Nazaré, volta à pátria-mãe. «Gosto de tirar um bocadinho de todos e olho para o que José Mourinho conquistou e continua a fazer. Foi ele quem abriu as portas a nós, treinadores portugueses. Também o Sérgio Conceição, uma pessoa que me abriu muito os olhos. As pessoas sabem a situação que a minha família passou [morte dos pais]. enquanto o meu irmão esteve com o míster Sérgio no FC Porto e esse lado humano que ele teve com ele, com tudo o que se passou… Depois, há a forma de viver o futebol, a personalidade e a garra das equipas dele. Vou também falar de um treinador que tem muita qualidade: o míster Ruben Amorim. Diria que o 3x4x3 dele revolucionou o campeonato português e é uma formação que utilizo por cá. Por isso, tenho vindo a estudar um pouco o que ele faz», detalha.
Por toda a ligação que tem a Portugal, o Eustáquio mais velho não tem como esconder: no futuro, quer atravessar o Atlântico para treinar. Mas tudo a seu tempo.
«Não fecho as portas a Portugal. É um campeonato no qual ambiciono estar um dia, mas, neste momento, estou bem por cá. O nosso projeto faz todo o sentido na situação de carreira em que estou e quero continuar a crescer. O futebol de cá está cada vez mais forte e as condições de trabalho são muito boas. Isso também me deixa trabalhar com ambição. Ainda tenho muitas conquistas para alcançar aqui», remata. Por agora, é hora de ambicionar… fazer História!