Há 10 anos, Klopp aterrava em Liverpool... e acordava um gigante adormecido
Há precisamente 10 anos, a história do Liverpool mudou para sempre. Naquele 8 de outubro de 2015, um voo vindo de Dortmund trouxe até Anfield um homem que viria a redefinir o destino de um dos clubes mais emblemáticos do futebol mundial. Jurgen Klopp não foi apenas um novo treinador, foi o início de uma era. Com o seu carisma contagiante, a sua meticulosidade alemã e uma humanidade rara no futebol moderno, o técnico transformou um clube mergulhado na dúvida num símbolo de conquista. Uma década depois, o seu legado continua vivo.
O gigante adormecido acordou
Quando Klopp assinou contrato com o Liverpool, o clube vivia um momento de incerteza. A glória europeia e doméstica faziam parte do passado, e a espera pelo título inglês, que já durava há 25 anos, tornara-se um fardo. O entusiasmo existia, mas estava misturado com resignação.
O Liverpool era competitivo, mas raramente dominante. Depois da glória europeia com Rafa Benítez, com a conquista da Liga dos Campeões em 2005, só com Brendan Rodgers a equipa voltou a estar perto do topo em 2014 - o célebre deslize de Gerrard tornou-se símbolo cruel de uma era em que sonhar era permitido, mas concretizar parecia impossível. As bancadas de Anfield, ainda fiéis e vibrantes, pediam uma revolução que não fosse apenas tática, mas emocional.
E foi precisamente isso que chegou num voo vindo de Dortmund, seguido por mais de 35 mil pessoas online. O voo LNX30HY. Jurgen Klopp aterrava em Liverpool.
Na primeira conferência, o alemão deixou uma frase que se tornaria lema: «Temos que deixar de ser céticos e passar a ser crentes. Agora.»
Essa promessa foi cumprida ponto por ponto. Nos anos seguintes, o Liverpool reconstruiu-se. Klopp trouxe uma mentalidade ganhadora, crença e o espírito de que cada jogo é uma batalha e de que a emoção é parte integrante do sucesso.
O futebol mudou. A partir da sua filosofia de gegenpressing - que consiste em pressionar intensamente a primeira linha do adversário -, o Liverpool tornou-se uma máquina de energia, um coletivo que defendia e atacava em bloco, que pressionava como poucos e jogava com uma intensidade rara em Inglaterra. Apoiados nos talentos de Van Dijk, Salah, Mané, Firmino, Alisson, Robertson ou Trent Alexander-Arnold, por exemplo, os reds voltaram a dominar.
Anfield voltou a rugir
Klopp não mudou apenas o relvado; mudou o espírito de Anfield. Voltou a ligar o clube aos adeptos, devolveu o orgulho a uma cidade e reavivou o significado de You’ll Never Walk Alone. Os seus gestos efusivos, o punho cerrado a celebrar com o Kop, o sorriso aberto e o humor autêntico tornaram-no uma extensão natural das bancadas.
Mas, por detrás das piadas e do entusiasmo, Klopp sempre foi um técnico de rigor extremo e inteligência táctica. Os treinos intensos, a atenção ao detalhe e a exigência constante com os seus jogadores eram a base de um projeto que nunca se limitou ao talento individual. Ainda assim, a sua maior força estava no fator humano. Klopp via os jogadores como pessoas antes de atletas e essa empatia criou um laço inquebrável dentro do balneário.
Fora de campo, envolveu-se em causas sociais, visitou hospitais, apoiou famílias locais e doou anonimamente a instituições de caridade. Em Liverpool, uma cidade com um coração operário, Klopp foi mais do que um treinador e, por isso, em cada jogo, Anfield estava com ele. Nas vitórias, nos empates e até nas derrotas. Momentos icónicos multiplicaram-se: o 5-4 diante do Norwich, o milagre frente ao Barcelona, a conquista da Champions em Madrid, o dia em que o Liverpool voltou a ser campeão inglês após 30 anos de espera. Tudo isso construiu um legado que vai muito além dos oito troféus que conquistou nas nove épocas que esteve em Anfield.
Klopp e Guardiola: respeito entre titãs
Na história da Premier League, poucos duelos foram tão fascinantes quanto Klopp vs. Guardiola. O confronto, iniciado na Alemanha entre Dortmund e Bayern, ganhou dimensão épica em Inglaterra. Durante quase uma década, Liverpool e Manchester City protagonizaram batalhas de altíssima qualidade, muitas vezes decididas por pormenores - como nas épocas 2018/19 e 2021/22, quando os citizens conquistaram o título inglês por apenas um ponto.
«A equipa do Jurgen ajudou-nos a chegar aos nossos limites», reconheceu Guardiola. «Eles foram o nosso maior rival, o adversário que tivemos, a quilómetros de distância do resto.»
Entre ambos, nunca houve hostilidade que passasse dos limites, apenas admiração mútua e fair-play. Klopp admitiu várias vezes que o espanhol o tornava melhor treinador, Guardiola respondeu da mesma forma: «Acho que, honestamente, se fosse jogador de futebol, adoraria ser um dos seus jogadores. O carisma dele é único. Admiro-o muito e tenho enorme respeito por ele como ser humano. Em termos desportivos, tem sido o maior rival da minha carreira. Primeiro, porque nos defrontámos inúmeras vezes na Alemanha e, sobretudo, em Inglaterra, e ele obriga-me a pensar, a analisar e a ser um treinador melhor.»
No total, em Inglaterra, foram 22 encontros, com oito vitórias para Klopp, seis para Guardiola e oito empates.
De 'The Normal One' a símbolo eterno
Quando chegou, apresentou-se como The Normal One - uma referência à alcunha The Special One, de José Mourinho. Mas dez anos depois, o alcunha é enganadora. 489 jogos, 298 vitórias, uma Premier League (com 99 pontos conquistados), uma Champions League, um Mundial de Clubes, uma Supertaça Europeia, uma Taça inglesa, uma Supertaça inglesa e duas Taças da Liga inglesa.
Mas Klopp não apenas ganhou títulos, mudou o rumo da história. Deixou um Liverpool competitivo, ganhador e intenso - um reflexo do próprio treinador. O nome de Jurgen Klopp será recordado ao lado dos maiores de Merseyside - Shankly, Paisley, Dalglish - como um dos homens que redefiniram o Liverpool.
Dez anos depois, o voo LNX30HY ainda ecoa como o ponto de partida de uma revolução. Klopp chegou para transformar duvidosos em crentes. E, no fim, deixou um legado de vitórias e humanidade, cimentando para sempre um lugar na história do colosso de Anfield.