Antigo internacional português revela as duas ocasiões nas quais foi também um futebolista desempregado, em 1991 após deixar o Atlético Madrid e 2000, depois de sair do Benfica

Foi dispensado pelo Benfica, brilhou num Europeu sem clube e assinou pelo Sporting 

João Vieira Pinto, o menino de ouro das bancadas do Estádio da Luz, foi o protagonista de um dos episódios mais memoráveis da 'silly season' no futebol português. Dispensado pelo clube no qual era ídolo, jogou de Quinas ao peito desempregado e viveu uma segunda vida do outro lado da Segunda Circular

O mercado de transferências fechou na passada segunda-feira e os campeonatos estão em suspenso para a pausa internacional. Altura perfeita para recordarmos um dos episódios mais memoráveis de verão no futebol português, que envolve Benfica, Sporting e até a Seleção.

O nome de João Vieira Pinto confunde-se com a história do Benfica nos anos 90. O avançado que chegou ao Estádio da Luz em 1992, com apenas 21 anos, começou a pintar um legado encarnado na época seguinte.  

Um hat trick ao Sporting abrilhantou uma impensável goleada do Benfica (6-3) em pleno Estádio de Alvalade e deixou as águias com uma mão na Liga, em maio de 1994. Mesmo com a perda de qualidade do plantel encarnado ao longo da década, João Pinto cimentou o estatuto de menino de ouro das bancadas da Luz, que veneravam o capitão que nunca tinha abandonado o barco. 

Em 2000, João Vieira Pinto, já depois de ter recusado sair para a Corunha em 1998, somava 88 golos em 302 disputados ao longo de oito temporadas de águia ao peito e era um dos maiores ídolos da história recente do clube. 

João Vieira Pinto na última época de águia ao peito (A BOLA)

O legado, o estatuto e o contrato válido até 2004 potenciaram a surpresa do que aconteceu a 2 de junho de 2000.  Sem qualquer aviso prévio, o Benfica anunciou, em comunicado, a rescisão de contrato com João Vieira Pinto, então com 28 anos e com mais quatro temporadas de ligação às águias.  

A direção encabeçada por João Vale e Azevedo justificava a decisão inesperada e polémica com o desejo de entrar num «novo ciclo» na história do clube que implicava «profundas mudanças, reajustamentos e alterações sobre o passado recente». 

A incredulidade do mundo do futebol estendia-se ao próprio João Pinto, que se encontrava em estágio com a Seleção Nacional, que tinha agendado um duelo particular contra o País de Gales na noite do mesmo dia, em Chaves. Os dias seguintes precipitam a primeira reação do menino de ouro da Luz.

João Pinto ao serviço da Seleção na antecâmara do Euro (A BOLA)

João Vieira Pinto, em conferência de imprensa não poupou críticas a Vale e Azevedo e ao então treinador do Benfica Jupp Heynckes: «Fui dispensado por um treinador que não contava comigo e não teve a coragem de me dizer na cara que estava dispensado. Estou muito triste. Não quero que pensem que me mantive no clube apenas por interesses financeiros, tinha a consciência que podia ser útil.» 

A dispensa repentina revoltou os adeptos encarnados que rapidamente se reuniram às centenas junto à entrada principal do antigo Estádio da Luz. Entre lágrimas e gritos, alguns sócios encarnados admitiam que o sentimento após a saída do avançado do Benfica era «mais duro do que perder um familiar». 

A revolta dos adeptos bem patente nas imediações do Estádio da Luz (A BOLA)

A incredulidade pela dispensa do capitão e uma das figuras da última década do Benfica, mas também da Seleção, estendia-se ao próprio primeiro-ministro em funções, António Guterres, e aos colegas de equipa de João Vieira Pinto na equipa das Quinas.  

Enquanto Nuno Gomes afirmou que o Benfica tinha dispensado o melhor jogador da equipa, Rui Costa, então na Fiorentina, foi mais cáustico nas críticas a Vale e Azevedo e Heynckes: «O Benfica podia dispensar o João Pinto porque tinha na frente o Pelé, o Eusébio e o Maradona.» 

Euromilhões nos Países Baixos e na Bélgica 

Após reagir nos próprios termos, à dispensa repentina das águias, João Vieira Pinto regressou para estádio da Seleção, que poucos dias depois iria viajar para os Países Baixos e Bélgica, anfitriões do Euro 2000. 

«Neste momento estou desempregado, mas o que mais me preocupa é a Seleção», destacou aos jornalistas, remetendo qualquer decisão sobre o futuro clube para o rescaldo da participação lusa no Campeonato da Europa.

A declaração de foco total na Seleção não evitou um autêntico cerco de clubes interessados- Liverpool, Newcastle,Fiorentina, Sporting, FC Porto, à cabeça- em resgatar João Vieira Pinto. O antigo avançado afirmou, num documentário do canal 11 sobre campanha lusa nos Países Baixos e na Bélgica, que esteve «o Europeu todo ao telefone» com equipas nacionais e internacionais.

A elevada cobiça não alterou a estratégia de João Vieira Pinto que iniciou o Europeu a titular... e desempregado. Humberto Coelho colocou o jogador livre de início na estreia frente à Inglaterra, que aos 19’ já vencia por 0-2.

João Pinto festeja golo marcado à Inglaterra (A BOLA)

Luís Figo devolveu a esperança lusa com um remate de raiva do meio da rua aos 22’, antes do menino de ouro entrar para a história. Rui Costa desferiu um cruzamento com a medida da cabeça do menino de ouro que, com um salto de peixe, empatou a partida com um grande golo. 

Portugal consumou a reviravolta frente aos três leões e João Pinto voltou a ser titular na jornada seguinte, frente à Roménia (1-0) e nos quartos de final frente à Turquia (2-0), depois de ter sido poupado frente à Alemanha (3-0).

As boas prestações do desempregado de 28 anos impressionaram e contribuíram para o aumento da surpresa quando não foi escalado para o onze das meias-finais, frente à França (1-2). 

João Vieira Pinto jogou os últimos 39 minutos da partida frente aos gauleses, na antecâmara de uma decisão bombástica. O Sporting esteve interessado no avançado desde a primeira hora, enquanto o FC Porto se juntou à corrida a meio do Europeu, através dos atletas presentes na comitiva da Seleção, de acordo com o próprio.

João Pinto, Abel Xavier e Rui Jorge travam-se de razões com o Gunter Benko, árbitro do Portugal-França (IMAGO)

A experiência pouco positiva no futebol espanhol com apenas 19 anos no Atlético Madrid em 1990/91 diminuiu a atractividade de voltar a emigrar e colocou o avançado.. na rota do Sporting. Apesar dos raides de última hora do FC Porto, uma das figuras do Benfica da última década rumou mesmo a Alvalade, após o final do Europeu.

João Vieira Pinto 2.0 no outro lado da Segunda Circular

Precisamente um mês depois de ter sido dispensado pelo Benfica, João Vieira Pinto assinou contrato com o Sporting a 2 de Julho de 2000, acrescentando mais um capítulo a uma história digna de um filme galardoado. O nome mais quente do mercado de verão do último ano do século XX explicou, em entrevista dada depois a A BOLA, a decisão tornada pública no mesmo dia. «Tive várias conversas em famílias. Colocámos em cima da mesa todas as situações possíveis. Ninguém me pode levar a mal. O Sporting foi dos primeiros clubes a contactar-me e optei bem. Vou representar um grande clube», frisou.

João Pinto na própria casa em entrevista a A BOLA, em julho de 2000 (A BOLA)

O interesse e abordagem dos dirigentes leoninos desde o primeiro dia e a vontade de não quebrar hábitos lisboetas pesaram na decisão de João Vieira Pinto, que admitiu ter vivido «um mês de emoções fortes».

A «muita ansiedade» sentida antes da tomada de decisão, foi substituída por «um grande alívio» e uma «enorme satisfação» por ter assinado com os leões. 

João Vieira Pinto entrou na Liga de 2000/2001 a marcar, golo que deu a vitória ao Sporting frente ao SC Farense
João Vieira Pinto entrou na Liga de 2000/2001 a marcar, golo que deu a vitória ao Sporting frente ao SC Farense (Foto: A BOLA)

Garantindo que o Benfica era «definitivamente» passado, João Vieira Pinto registou 15 contribuições para golo na época de estreia, antes de formar uma dupla temível com Mário Jardel no ataque leonino ao segundo título em três épocas, em 2001/02.

Os dois avançados não precisaram de muito tempo para cunhar uma relação estreita, entendendo-se de olhos fechados dentro das quatro linhas. João Vieira Pinto, que terminou a época com 30 contribuições para golo, assistiu 11 dos 55 remates certeiros rubricados por Jardel, o grande responsável pela conquista da dobradinha leonina em 2002.

João Pinto e Jardel, uma dupla para a eternidade (A BOLA)

A dupla continuou na época seguinte, embora com menos sucesso. Jardel partiu no Verão de 2003 para Bolton, enquanto João Pinto rubricou mais uma época de leão do peito, antes de rumar a Norte, onde dividiu as últimas quatro épocas da carreira entre o Boavista e o SC Braga.

Não é possível contar o filme da carreira de João Vieira Pinto, findada aos 37 anos em 2008, sem navegar pelas doze temporadas passadas na segunda circular. De menino de ouro, a mentor (e assistente) diferenciado, o verão de 2000 fica marcado como um dos capítulos mais inesperados e surreais da história do futebol português.