Ex-número um e a vida na prisão: «Não se consegue dormir, as pessoas matam-se...»
Número um do mundo, 49 títulos, seis Grand Slams: a vida de Boris Becker como tenista foi brilhante, mas o pós-carreira foi problemático e levou-o até à prisão.
Apesar dos muitos milhões de euros que arrecadou a jogar ténis, o alemão declarou insolvência em 2017, antes de ser considerado culpado de não ter declarado todos os seus bens, para evitar pagar a credores.
Foi condenado a dois anos e meio de prisão em 2022, dos quais acabou por cumprir apenas oito meses, em Inglaterra.
A propósito do lançamento do seu novo livro, Inside, Boris Becker concedeu uma entrevista ao The Guardian na qual recordou a vida na prisão, primeiro em Wandsworth, perto de Wimbledon, e depois em Huntercombe.
«Ouvi os gritos e não sabia o que era», começou por lembrar, a propósito da estadia em Wandsworth. «Será que as pessoas se estavam a tentar matar ou a magoar? Ou não conseguiam lidar com a solidão? Ou estariam apenas a fazer barulhos loucos porque já tinham perdido a cabeça?»
«Aquela noite de sexta-feira até à manhã de terça-feira, quando finalmente me deixaram sair para falar com os Listeners [reclusos de confiança que apoiam os novos detidos], foram as três noites mais difíceis da minha vida», continuou, sobre os primeiros dias preso.
«Não se consegue dormir porque tudo aquilo é verdade. Na prisão, as pessoas matam-se, magoam-se e enlouquecem. É a dura realidade quando nunca se esteve na prisão, e é isso que os advogados não nos dizem antes – talvez para não nos assustarem. A HMP Wandsworth é provavelmente uma das prisões mais duras do Reino Unido, por isso ser colocado lá foi um grande choque», confessou.
Apesar da dificuldade da experiência, o alemão de 57 anos reconhece que tirou ilações positivas do tempo em que esteve preso: «Em retrospetiva, provavelmente foi muito bom para mim ter estado parado durante tanto tempo, e 231 dias é bastante tempo. Compreender verdadeiramente o que me aconteceu antes, juntar as peças do quebra-cabeças, foi um alívio. Mas não acontece de um dia para o outro.»
«É preciso assumir uma responsabilidade real, e a vida numa cela dá-nos essa oportunidade. Gosto de pensar que sou um tipo bastante inteligente e, eventualmente, começamos a pensar nos porquês, nos ses e nos quandos de tudo o que aconteceu. Três anos depois, a razão pela qual estou bem é porque assumi total responsabilidade pelo bem e pelo mal que fiz», acrescentou.
No entanto, sublinha que «quem diz que a vida na prisão é fácil está a mentir» – «é um verdadeiro castigo» –, antes de revelar que fez um curso de filosofia nesse período, incentivado por um guarda prisional, Andy Small: «Ajudou-me e, com o tempo, tornei-me eu próprio um professor de estoicismo, onde podia falar com os reclusos e tentar reabilitar alguns deles, na esperança de que, uma vez cá fora, se mantenham no bom caminho. O Andy era um tipo muito duro que geria o ginásio, mas mostrou-me como eu podia contar a minha história de vida a jovens reclusos, sobre ter tudo e perder tudo, e não ficar demasiado em baixo por causa disso.»
«Fiquei ali de pé e chorei»
Na mesma entrevista, Boris Becker recordou o dia em que viu Novak Djokovic, jogador que treinou de 2013 a 2016, a vencer Wimbledon, em 2022, através da televisão, na cela em que dormia.
«A final, naquela tarde de domingo, foi barulhenta, com os prisioneiros a baterem nas portas das celas sempre que o Novak ganhava um ponto importante. Já não tinha medo. E quando o Novak ganhou e ergueu os braços, eu levantei-me e ergui os meus também. O barulho na ala recomeçou, mais forte do que nunca. Não parou durante dez minutos. Batiam nas paredes, nas portas. Com canecas, com cadeiras. Levei duas semanas a educá-los de que aquele era o meu homem, e agora percebi. Eles tinham entendido. Fiquei ali de pé e chorei», contou.
Nesse dia, de resto, a companheira de Boris e o filho mais velho, Noah, foram convidados por Djokovic para assistirem ao duelo com Kyrgios no Court Central de Wimbledon: «Eu via-os junto ao campo em todos os jogos. A isso chamo amizade verdadeira, não seres esquecido. Agradeço sempre ao Novak por esta memória especial.»
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