Haverá sempre acidentes, como recentemente sucedeu com Neuhén Pérez (na foto), mas hoje é possível prevenir — e muito — a ocorrência de lesões no desporto. Foto: Catarina Morais/KAPTA +
Haverá sempre acidentes, como recentemente sucedeu com Neuhén Pérez (na foto), mas hoje é possível prevenir — e muito — a ocorrência de lesões no desporto. Foto: Catarina Morais/KAPTA +

É possível prevenir uma lesão desportiva?

Tribuna Livre é um espaço de opinião em A BOLA, este da autoria de Tiago Lopes, especialista demedicina física e de reabilitação, e João Espregueira-Mendes, presidente da Sociedade Mundial de Traumatologia Desportiva (ISAKOS)

A resposta à pergunta colocada no título é «sim». Atualmente, a medicina do desporto demonstra que um número significativo de lesões podem ser prevenidas ou, pelo menos, reduzidas de forma considerável. O que outrora era encarado como inevitável é, hoje, objeto de investigação rigorosa e de soluções práticas, capazes de prolongar carreiras e aumentar o rendimento competitivo.

As lesões continuam a ser um dos maiores inimigos do desporto. Dados da UEFA, recolhidos em mais de 50 clubes de elite, revelam que cada jogador profissional perde em média 37 dias de competição, por época, devido a problemas físicos. Para além do impacto na carreira individual, estas ausências comprometem o desempenho coletivo e o equilíbrio financeiro das equipas.

A preparação física é a primeira linha de defesa e está, amplamente, demonstrado que o treino de força é decisivo: programas de prevenção simples reduzem em cerca de metade as lesões dos isquiotibiais, uma das zonas mais afetadas no futebol. O equilíbrio muscular é, igualmente, determinante para proteger o joelho e reduzir o risco de rotura do ligamento cruzado anterior, lesão que pode afastar jogadores durante longos meses, comprometendo épocas inteiras de atletas e equipas.

A capacidade de o corpo reconhecer a posição das articulações e reagir de forma automática é outro dos pilares fundamentais. Programas de treino neuromuscular, com exercícios de equilíbrio e coordenação, reduzem até 40% as entorses recorrentes de tornozelo e joelho. Não é por acaso que o protocolo FIFA 11+, implementado sobretudo em academias de futebol de formação, se tornou uma referência mundial, com reduções de 30 a 50% na incidência de lesões.

Não basta, contudo, treinar forte: é necessário treinar de forma inteligente. A chamada periodização, que alterna cargas elevadas com períodos de recuperação é, hoje, considerada indispensável. Equipas de elite recorrem a GPS e sensores de aceleração para monitorizar distâncias percorridas, sprints e impactos, ajustando o treino de forma individualizada e reduzindo o risco associado à fadiga excessiva.

A recuperação é um elemento-chave. Dormir menos de sete horas por noite aumenta quase para o dobro o risco de lesão. O sono profundo é responsável por processos de reparação muscular, síntese proteica e consolidação motora. Também a nutrição tem um papel essencial: proteínas favorecem a regeneração, vitamina D e cálcio reforçam a saúde óssea e estudos recentes apontam benefícios adicionais da suplementação com colagénio hidrolisado em associação com vitamina C na resistência dos tendões.

A medicina regenerativa tem ganho destaque no desporto, não só como tratamento, mas também como estratégia preventiva em atletas de risco. Infiltrações de Plasma Rico em Plaquetas (PRP e Super PRP) e Ácido Hialurónico são amplamente utilizadas, isoladas ou em associação, sendo hoje consensual que a sua utilização, em ambos os casos, potencia o controlo sintomático, estimula a regeneração e retarda a progressão de processos degenerativos. Já as células mesenquimais (stem cells), obtidas da medula óssea ou do tecido adiposo, representam uma das abordagens mais relevantes no campo dos ortobiológicos; a investigação e as linhas de orientação internacionais já recomendam a sua aplicação, em casos bem selecionados. Atenção ao equilíbrio da mente: stresse, ansiedade e fadiga mental aumentam a probabilidade de erros técnicos e movimentos descoordenados, potenciando lesões. A psicologia do desporto, a gestão da ansiedade, o treino de foco e a resiliência mental integram, atualmente, programas de prevenção no alto rendimento.

O risco nunca será zero. O contacto físico, a imprevisibilidade do jogo ou o simples acaso podem sempre originar lesões. Contudo, a diferença está na capacidade de reduzir a probabilidade e a gravidade: em vez de meses de paragem, fala-se, cada vez mais, em dias ou semanas.

A conclusão é inequívoca: sim, é possível prevenir uma lesão desportiva! Sim, é possível reduzir o tempo de paragem!

O atleta que respeita o equilíbrio entre treino, recuperação e saúde mental, apoiado por uma equipa técnica multidisciplinar, joga mais, lesiona-se menos e prolonga a sua carreira.