Vítor Paneira nas instalações de A BOLA (FOTO: ANDRÉ CARVALHO)
Vítor Paneira nas instalações de A BOLA (FOTO: ANDRÉ CARVALHO)

«Com Noronha Lopes, voltaremos a ter a famosa meia hora à Benfica»

Vítor Paneira, jogador do Benfica entre 1988 e 1995, é candidato a diretor técnico do futebol do Benfica, na lista de João Noronha Lopes. Em longa entrevista a A BOLA elogia os méritos do candidato que apoia desde 2020

-Passando para o projeto. Quando é que conheceu o Noronha Lopes?

-Conheci João Noronha Lopes em agosto de 2020. Ligou-me, veio ter comigo e conversámos. Foi durante um almoço na Póvoa de Varzim. A partir desse dia percebi que estava ali uma pessoa diferente, com paixão pelo Benfica e completamente distinta daquilo que era o cargo de presidente do Benfica. No final do almoço disse-lhe que ia pensar, mas que provavelmente ele seria o meu candidato.

-Tinha-lhe feito um convite formal?

-Sim, para o apoiar. Disse-lhe que, se apoiasse algum candidato nas eleições de 2020, iria com ele.

-E esperavam a diferença que aconteceu entre a votação de Filipe Vieira e Noronha Lopes?

-Felizmente, as eleições de 2025 apagaram as eleições de 2020. A eleição de 2020 deixou muitas dúvidas a muita gente.

-Que dúvidas?

-Quando se ganha com 70 por cento dos votos, como ganhou o senhor Luís Filipe Vieira, não faz sentido ter recolhido urnas em carros estranhos e fugir com as urnas sem fazer a contagem dos votos.

-Já em 2020, como apoiante e agora como mais do que apoiante, os benfiquistas viram um Vítor Paneira extremamente exuberante. De onde vem essa sua característica?

-Sou uma pessoa muito calma, mas com uma energia incrível. Gosto de falar do que sinto. Tenho o à-vontade e a liberdade de poder dizer aquilo que sinto. E quando falo, falo de dentro. Não falo com papéis, não falo com cábulas. Falo o que sinto. O discurso em 2020 só o consegui ouvir agora, quando fomos ao encerramento desta candidatura. Porque não conseguia ouvir-me a falar.

-Chegou a dizer que há um animal dentro de si que precisa de ser solto.

-Sou competitivo. Acho que todos os atletas que jogaram futebol a alto nível são competitivos. E sou sempre muito competitivo em tudo em que entro. Tenho muito para dar ainda e, quando falo do animal, é ter a noção de que tenho muito para dar de mim ainda e eu espero tirar este animal.

-Há aquela declaração em que fala de 25 de janeiro de 1942, 25 de abril de 1974 e 25 de outubro de 2025: nascimento de Eusébio, Revolução dos Cravos e eleições do Benfica. Foi espontâneo?

-Aqui há tempos, estávamos na casa do Benfica no Porto e dei uma ideia: 25 era o aniversário do Eusébio. E depois foi uma sequência que me saiu. Saiu-me o 25 de abril. Porque eu não aponto nada. Tudo o que me sai, sai-me com naturalidade. Portanto, às vezes até digo coisas que podem nem bater certo, mas que estão muito próximas, porque falo aquilo que sinto. Não estou a olhar para papéis, não me preparo para fazer discurso, porque não sou homem de discursos. Sou um homem espontâneo, que fala aquilo que sente e que diz na hora o que sente.

-Então vou-lhe dar uma dica. A segunda volta das eleições é a 8 de novembro, certo?

-Certo.

-Eusébio estreou-se no campeonato pelo Benfica a 8 de junho de 1961. E marcou o seu primeiro golo nesse dia.

-Vou tentar aproveitar [sorrisos].

-Falando agora mais do Benfica. Tem falado muito na recuperação dos valores do Benfica. O que é que se perdeu em relação ao tempo em que foi jogador e aos últimos anos?

-Nós, quando falamos de cortar com o passado e de sermos uma candidatura diferente para a mudança, há uma leitura que temos de esclarecer. Nós não queremos cortar com o passado. O passado do Benfica foi um passado grandioso e que nos honra. Temos um orgulho enorme no nosso passado. O que nós queremos é acabar com o passado recente, que é completamente diferente. Quando eu era miúdo, o meu pai falava-me que havia um clube no mundo que parava uma guerra no Ultramar. E esse clube era o Benfica. Quando jogava o Benfica, parava a guerra, havia um pacto de não agressão. E depois do Benfica jogar, voltava toda a gente aos tiros. Foi esta história do meu pai que me fez ser benfiquista. Nós usávamos muito um termo que desapareceu de um momento para o outro: a meia hora à Benfica. Ouvi esta expressão quando cheguei ao Benfica e quero voltar a ouvi-la. Tenho saudades dessa meia hora à Benfica e acredito que, com João Noronha Lopes, voltaremos a ter essa famosa e inesquecível meia hora à Benfica.

-Quando acha que começou a desaparecer?

-Começou a desaparecer no início deste século, muito embora tivéssemos jogadores com grande carácter e que jogavam à Benfica. No meu discurso de encerramento, disse que andei muito tempo à procura do que era a mística do Benfica. A mística é o Benfica e o Benfica é a mística. Queremos jogadores à Benfica, jogadores com mística, jogadores que jogam à Benfica. Mas quem é que define um jogador à Benfica? Não é o presidente do Benfica. Não é o treinador do Benfica. São os sócios do Benfica que definem. A verdadeira mística do Benfica está nos sócios. Essa é que é a verdadeira mística do Benfica.

-Acha que Rui Costa e o Simão Sabrosa não têm essa mística?

-Foram jogadores com essa mística, claramente, os dois. E muitos mais.

-Otamendi tem essa mística?

-Eu gostava de ter mais quatro ou cinco jogadores como o Otamendi na equipa. Toda a gente se revê naquilo que ele é como capitão e como jogador. É um verdadeiro líder e é um jogador que joga com raça, alma, paixão e fome de vitórias. E nós temos pouca fome de ganhar.

-Voltando à sua declaração sobre 25 de janeiro, 25 de abril e 25 de outubro, também lhe faço uma pequena provocação: 25 de novembro de 1999, Celta de Vigo–Benfica, 0-7. Na primeira volta, a 25 de outubro, quase perderam de goleada.

-Não tive a oportunidade de ir a Vigo ver o jogo, mas estavam lá os benfiquistas do Norte. Milhares de benfiquistas. Não fui a esse jogo, mas estive no jogo seguinte, na Luz. Achei que tinha que estar no jogo a seguir ao 7-0. Empatámos um a um. Era ali, na Luz, que eu tinha que estar depois do Benfica ser humilhado em Vigo. Lembra-se de quem era o presidente do Benfica?

-Sim. Vale e Azevedo.

-Curiosamente, agora querem comparar João Noronha Lopes com Vale e Azevedo. Não faz sentido.

-Onde acha que nasceu essa ideia?

-Uma mentira contada muitas vezes torna-se verdade. João Noronha Lopes, em 2000, estava ao lado de Manuel Vilarinho. Estava do lado certo da história. E eu, Vítor Paneira, fiz 400 quilómetros nessa altura para almoçar na Adega Tia Matilde, com o senhor Eusébio, o senhor Toni, o senhor João Malheiro e o falecido Tio Emílio. Fomos contra Vale e Azevedo. Portanto, não faz sentido estar a comparar o doutor João Noronha Lopes com o doutor Vale e Azevedo. Nunca.

-Não consegue perceber onde essa ideia nasceu?

-Contra-informação. Diziam que ele era comparado a João Vale e Azevedo; depois, que era um homem que tinha as suas empresas num estado débil e que precisava de ir para o Benfica para ganhar dinheiro e poder recuperar as suas empresas. Ele teve a coragem de provar que não precisava do Benfica para nada.

-A diferença na primeira volta entre Rui Costa e João Noronha Lopes foi uma surpresa para si?

-Não esperávamos de todo essa diferença, mas vou-lhe dizer aquilo que as pessoas me dizem agora: é a mesma coisa que quando fomos jogar a Alvalade e ganhámos por 3-6, em 1994. Estivemos a perder duas vezes e depois ganhámos três a seis.

-É essa a sua expectativa?

-A nossa expectativa é estar zero a zero. Ou melhor, estamos a perder um a zero ou dois a zero, mas vamos dar a volta ao resultado, como demos em Alvalade.

-Consegue identificar o que, de facto, está mal no Benfica? Estrutura do plantel, parte financeira?

-Tudo um pouco. Perderam-se os valores. Eu luto muito pelos valores e nós vamos recuperar os valores do Benfica. O Benfica, ao longo da sua história, foi e é um clube do povo. Toda a vida lutámos contra o antigo regime e, no tempo da ditadura, fomos o clube mais democrático possível. Sabemos o quanto lutámos contra isso. Perdemos esses valores. O Benfica é do povo, o Benfica é dos sócios e a mística, a verdadeira mística, são os sócios. Nós temos de voltar a ter o Benfica dos sócios. Queremos, claramente, que o Benfica volte a ter os valores que tinha no passado, mas não os do passado recente. Temos de ter fome de ganhar. Queremos ganhar títulos e o Benfica tem todas as condições, porque somos o maior clube do mundo. Demos uma imagem inacreditável nestas últimas eleições.

-Esperava mais de 85 mil pessoas?

-Esperava um recorde, mas os benfiquistas surpreendem a todos os níveis. Foi uma manifestação de grandeza do Benfica, e quem muitas vezes diz que o Benfica não é mais do que os outros… não é, mas representa mais do que os outros.

-O Vítor falou recentemente que o seu foco é ganhar, pelo menos, três campeonatos em cada quatro. É isso que quer?

-João Noronha tem uma proposta diferente: se em quatro anos ganharmos apenas um, vamos embora. Estamos, claramente, à vontade para o fazer.

-Com Filipe Vieira na presidência, o Benfica chegou ao tetra e por pouco não chegou ao penta. Ainda era um Benfica glorioso, na sua opinião?

-O senhor Luís Filipe Vieira foi um grande presidente e fez coisas brilhantes no Benfica. Temos de lhe agradecer. Mas há outras coisas de que não gostamos. Foi, durante muito tempo, um grande presidente. A parte final é que achamos que não foi um presidente à imagem do Benfica, por todas as coisas que surgiram, infelizmente. Não esqueço o que o senhor Luís Filipe Vieira fez pelo Benfica e nenhum benfiquista o deve esquecer.

-Consegue analisar friamente esses 18 anos em que o Luís Filipe Vieira foi presidente? É possível dividir esse período em duas partes completamente distintas ou não?

-Os primeiros anos foram muito difíceis, pois o clube estava claramente num défice financeiro muito grande, porque caíra nas mãos erradas de um presidente. Foi recuperado pelo senhor Vilarinho e o senhor Luís Filipe depois deu-lhe continuidade e fez um trabalho de recuperação. Começou a ganhar mais cedo e, depois de a máquina começar a engrenar, ele pôs o clube a jogar muito bem e com grandes equipas. O princípio da pedra no calcanhar de todos os benfiquistas com Luís Filipe Vieira foi falhar o pentacampeonato. Nós andamos a dizer há muitos anos que queremos ser o Bayern de Munique do futebol português, mas temos de fazer muito mais para o conseguir.

-Rui Costa ganhou um campeonato em quatro anos. Quando diz que, se em quatro anos ganhar apenas um campeonato, é uma indireta clara para Rui Costa…

-Não. É uma exigência que nós pomos. Não há indiretas. Todos os presidentes dos grandes clubes querem ganhar quatro em quatro, e acredito que o Rui Costa também o queira ganhar. Agora, parece-me que as equipas não foram competitivas muitas vezes. Lamentamos que o Rui não tenha sido um defensor mais aguerrido dos interesses do Benfica.